WERNER VON BRAUN (OPERAÇÃO PAPER CLIP) do V2 à conquista da Lua



Apresentação aos dignitários nazis do centro de investigação de Peenemünde onde foi concebida a “guerra das estrelas” e realizados os V2. Von Braun tornou-se ulteriormente o patrão da NASA.






Wernher von Braun. Com a idade de apenas 32 anos em 1945, tratava-se de um dos mais brilhantes engenheiros da época. Desde os anos 1930, trabalhava sob a autoridade de Hermann Oberth, pai do foguete alemão. 


“Operação Paperclip”: Dos V2 à Lua
– A aliança do Pentágono com os nazis –



No fim da Segunda Guerra mundial, o Estado-maior dos Estados Unidos pôs em acção a operação Paperclip sem o conhecimento do Presidente Roosevelt. Em alguns anos, quase 1500 cientistas nazis foram exfiltrados e recrutados para lutar contra a URSS comunista. Prosseguiram nomeadamente investigações sobre as armas químicas, sobre o uso dos psicotrópicos na tortura, e sobre a conquista espacial. Longe de os afectar a postos subalternos, o Pentágono confiou-lhes a direcção destes programas que marcaram com o seu cunho ideológico.




Mal a Segunda Guerra mundial tinha terminado no teatro europeu, os Estados Unidos e a URSS entraram em rivalidade. A sua prioridade tornou-se pilhar o mais rapidamente possível o inimigo vencido, o IIIº Reich. O saber­­‑fazer tecnológico desenvolvido pelos cientistas alemães suscitou todas as cobiças embora fosse o fruto da exploração de uma mão­‑de­‑obra servil procedente dos campos de concentração.

Uma parte do Estado-maior estado-unidense, perturbada pelo que os seus homens descobriram em Dachau, em Auschwitz, em Dora, ordenou recolher o maior número de provas possível para um processo dos dirigentes nazis. Outros oficiais do Estado­‑maior consideraram pelo contrário que estes criminosos formavam um pessoal insubstituível que convinha pôr ao serviço do poder dos Estados Unidos. Uma operação militar de recuperação dos cientistas alemães que tinham trabalhado para o IIIº Reich foi por conseguinte montada pelo Pentágono. Chamada “Operação Paperclip”, foi confiada à Joint Intelligence Objectives Agency (JIOA) [1], que agrupava então o conjunto dos serviços de informação militares estado-unidenses. Como explicará mais tarde o seu director, Bosquet Wev, «o governo preocupava-se com “bagatelas” – os processos dos nazis – em vez de privilegiar “o interesse dos Estados Unidos, e desperdiçava as suas forças inutilmente ao querer golpear um cavalo nazi morto”» [2].

A operação defrontou vivas resistências ao mesmo tempo nos responsáveis políticos e no Estado-maior. A posição do presidente Franklin Delano Roosevelt era clara: interrogado por William Donovan, chefe do OSS, sobre a oportunidade de conceder privilégios aos oficiais SS e aos membros do ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, o presidente dos Estados Unidos recusou. Entre as pessoas assim recrutadas pelo OSS, «alguns deverão talvez simplesmente ser julgados por crimes de guerra ou pelo menos presos por terem participado de maneira activa nas actividades nazis», argumentou. Passando por cima da ordem presidencial, a JIOA tomou a decisão de falsificar os processos militares dos cientistas alemães que projectava exfiltrar para os Estados Unidos [3].

Os cientistas mais cobiçados no imediato foram os que fizeram pesar a ameaça mais pesada sobre o campo dos Aliados, ou seja, os responsáveis pela concepção dos temíveis mísseis V2. O seu chefe de fila era Wernher von Braun. Com a idade de apenas 32 anos em 1945, tratava-se de um dos mais brilhantes engenheiros da época. Desde os anos 1930, trabalhava sob a autoridade de Hermann Oberth, pai do foguete alemão. Juntou-se às SS e ao comando pessoal do chefe da organização, Heinrich Himmler, antes de obter a graduação de comandante. Durante a guerra, trabalhou no centro de Peenemünde no projecto de foguetes V2. Estes eram construídos na fábrica Mittelwerk, por pessoal vindo do campo de concentração de Dora.


O major das SS Wernher von Braun, 1943
Apresentação aos dignitários nazis do centro de investigação de Peenemünde onde foi concebida a “guerra das estrelas” e realizados os V2. Von Braun tornou-se ulteriormente o patrão da NASA.

Após a vitória dos Aliados, foi internado algum tempo em Garmisch pela equipa do coronel estado-unidense, Holger Toftoy, imbuído de um projecto louco: relançar com base em Forte Bliss, nos Estados Unidos, o programa de foguetes no qual trabalhava von Braun. Encarregou de resto este de convencer com ele os seus antigos colegas a juntar­‑se à aventura. A tarefa não foi muito difícil: a maior parte dos cientistas em causa corria o risco, se permanecem na Europa, de serem levados perante um tribunal por “cumplicidade em crimes de guerra”. Paralelamente, um dos directores da JIOA, E. W. Gruhn, encarregou-se de estabelecer uma lista dos cientistas alemães e austríacos mais qualificados para os fazer recrutar pelos seus serviços. Apoiou­‑se para isso em Werner Osenberg, que dirigiu a secção científica da Gestapo encarregada verificar a fiabilidade política dos cientistas que trabalhavam para o Reich. Os relatórios e processos da sinistra polícia permitiram a Osenberg estabelecer uma lista de quinze mil nomes de cientistas, mencionando as suas filiações políticas e o seu valor científico. Assim, como observou Linda Hunt, este método «favorecia a contratação de nazis convictos» [4].

O programa confiado a von Braun não obteve imediatamente os resultados esperados. Em Junho de 1947, o primeiro V2 alterado foi lançado da rampa de lançamento de White Sands Proving Ground, no Novo México. O foguete, montado a partir de peças alemãs encontradas em Mittelwerk, afastou-se da sua trajectória inicial para se ir esmagar do outro lado da fronteira mexicana, a menos de cinco quilómetros de um bairro sobrepovoado da cidade de Juarez. O que obrigou Washington a explicar imediatamente aos mexicanos que não queria em caso algum lançar um ataque de mísseis contra o seu país.


Nota desclassificada do chefe de Estado-maior da Força Aérea dos EUA datada de 2 de Junho de 1953 atestando que 820 cientistas nazis já tinham sido recrutados no âmbito da Paperclip.

A transferência de cientistas também implicados no aparelho nazi não podia passar­‑se sem obstáculos. Muitos dentre eles aceitaram este “exílio” apenas sob a ameaça de processos judiciais no seu próprio país. O que não era uma prova de fiabilidade. No melhor dos casos, consideravam colaborar com um aliado objectivo na luta contra a URSS. No pior, estavam decididos a compartilhar o menos possível as tecnologias que dominavam, ou vendê­‑las ao maior licitador. Estes problemas de resto foram identificados desde o começo da operação. Walter Jessel, tenente do exército estado-unidense, foi encarregado em 1945 de avaliar a lealdade dos cientistas antes de deixarem a Alemanha. O seu relatório, baseado em interrogatórios, concluiu que von Braun e os seus homens procuravam esconder as suas informações aos oficiais estado-unidenses. De acordo com o militar estado­‑unidense, dar-lhes confiança seria «um absurdo evidente». Depois de tudo, os cientistas alemães estavam, ainda muito recentemente, no campo inimigo. Apesar disso, nunca foram colocados sob estrita vigilância pelo comandante James Hamill, no entanto directamente responsável pelo grupo da Paperclip em Forte Bliss: «não somente (...) os membros da Paperclip eram autorizados a ter largamente acesso às informações secretas, mas (...) não havia nem recolher obrigatório, nem verificação do correio alemão». Além disso, «as actividades dos cientistas no exterior eram muito pouco controladas». O que testemunha, quer de uma ligeireza inacreditável, quer de uma confiança cega que não se pode explicar por simples ingenuidade.

UMA OPERAÇÃO DE «INTERESSE NACIONAL»

A opinião pública não reagiu a esta chegada ao território estado-unidense de antigos cientistas nazis. Tanto quanto ela foi desinformada cuidadosamente sobre o assunto. Em finais de 1946, o departamento da Guerra organizou mesmo um dia de porta aberta em Wright Field a fim de apresentar uma delegação de «cientistas alemães» à imprensa. Os artigos publicados na sequência desta iniciativa de pura propaganda passaram totalmente sob silêncio os antecedentes duvidosos destes engenheiros tão brilhantes. A ortodoxia do Pentágono pretendia que todos tinham “passado pelo crivo”. O subsecretário para a Guerra Patterson declarou nomeadamente que «nenhum cientista suspeito de crimes de guerra foi introduzido nos Estados Unidos». Na realidade, importantes dissensões existiam no próprio seio da base de Wright Field, onde vários militares estado-unidenses se indignaram por ter de trabalhar com «criminosos de guerra nazis». Theodor Zobel era assim acusado de ter «efectuado experiências sobre ser humanos quando dirigia as vidrarias de Chalais-Meudon, em França», uma informação confirmada por um relatório do OMGUS, a administração militar estado-unidense de Berlim. O perito de combustível de jacto, Ernst Eckert, viu reaparecer o seu passado de antigo membro das SA, seguidamente de membro do NSDAP a partir de 1938, e das SS em 1939. Mas a política do Pentágono consistia em proteger ao máximo os seus homens, prosseguindo ao mesmo tempo as exfiltrações. A partir do Verão de 1947, a JIOA lançou uma nova operação intitulada “Nacional Interest” (Interesse Nacional) que lhe permitiu recrutar toda a gama dos cientistas nazis, mesmo aqueles condenados por crimes de guerra. Propôs-lhes trabalhar para o exército ou para grandes empresas privadas, nomeadamente Lockheed, W. R. Grace and Company, CBS Laboratories e Martin Marietta. Otto Ambros foi daqueles que beneficiaram do programa. Director da IG Farben durante a guerra, participou na decisão de utilizar o Zyklon B (produzido por uma filial da IG Farben) nas câmaras de gás, e escolheu sozinho o campo de exterminação de Auschwitz para lá instalar uma fábrica. O que lhe permitiu fazer produzir por uma mão­‑de­‑obra em condições de escravatura gases asfixiantes que testava no lugar sobre prisioneiros, antes de o seu uso ser generalizado a todos os campos. Declarado culpado de esclavagismo e assassinatos em série em Nuremberga, beneficiou no entanto da clemência do tribunal e foi condenado apenas a oito anos de prisão. Durante o seu período de detenção, o seu nome foi mantido na lista de contratação da JIOA, que o recrutou aquando da sua libertação prematura por John McCloy, alto comissário estado­‑unidense para a Alemanha. Foi então integrado como “conselheiro” nos efectivos da W. R. Grace Company, da Dow Chemical bem como nos do US Army Chemical Corps.

OBJECTIVO LUA

Apesar das dificuldades encontradas no início do programa, a operação Paperclip cumpriu rapidamente as suas promessas em vários domínios, onde o Estado­‑maior não hesitou em colocar os “seus” cientistas nazis em postos chave. O mais emblemático foi o da conquista espacial, onde se distinguiu toda a antiga equipa do V2, que dirigiu praticamente a totalidade das investigações. Erigido em prioridade pelo presidente John F. Kennedy em 1961, o envio de um homem para a Lua foi confiado directamente aos engenheiros nazis da equipa de Wernher von Braun. Este último tornou-se o primeiro director do Marshall Flight Center, o centro espacial da NASA em Huntsville. Arthur Rudolph foi nomeado director de projecto para o programa do foguete Saturno V, o mesmo que atingirá a Lua em 1969. Durante a guerra, como chefe da produção em Mittelwerk, Rudolph estava encarregado nomeadamente de fixar o número de horas de trabalho realizável pelos prisioneiros vindos do campo de concentração vizinho de Dora. Enfim, o antigo membro das SS, das SA e de dois outros grupos nazis, Kurt Debus, tornou-se o primeiro director do Kennedy Space Center em Cabo Canaveral. A colaboração dos três homens permitiu aos Estados Unidos realizar um dos feitos mais espectaculares da sua história dado que, em 21 de Julho de 1969, Neil Armstrong pôs o pé na Lua. Uma verdadeira coroação para a cooperação científica entre o partido nazi e o Estado-maior estado-unidense.


Hubertus Strughold
Cientista nazi que coordenou experiências sobre a resistência
ao frio de deportados de Dachau. Recrutado pela Paperclip.

Mas não foi o único domínio onde esta cooperação chegou a excelentes resultados. No início dos anos 1950, o exército estado-unidense lançou um programa destinado a melhorar o conhecimento da saúde dos pilotos e dos cuidados a prestar­‑lhes em caso de acidente ou circunstâncias extremas, tais como o lançamento de pára­‑quedas a muito elevada altitude. Estas investigações foram centralizadas na Escola de Medicina Aérea de Randolph Field, no Texas, sob a direcção do general Harry Armstrong. Vários cientistas nazis trabalhavam ao seu lado. O mais eminente dentre eles era Hubertus Strughold. Este, após ter vivido nos Estados Unidos durante o período entre as duas guerras, tornou-se, durante o conflito, responsável do Instituto da Luftwaffe para a medicina aérea em Berlim. Um centro de sinistra memória: cientistas levaram aí a cabo experiências particularmente atrozes sobre prisioneiros de campos de concentração a fim de verificar a duração da resistência ao gelo, à absorção de água salgada e à falta de oxigénio. Oficialmente, Strughold não teria tido conhecimento destas experiências. No entanto, foram efectuadas pelos seus colaboradores mais próximos: Siegfried Ruff, responsável por experiências de simulação de elevada altitude (que tornavam os prisioneiros completamente loucos por falta de oxigénio) co­escreveu mesmo um livro de saúde aérea com ele. Ruff escapou de resto também a ser recrutado no âmbito da Paperclip, após ter sido miraculosamente ilibado em Nuremberga. Ainda hoje, o edifício da Força Aérea dos EUA em San Antonio leva o nome de Hubertus Stronghold.

EDGEWOOD ARSENAL: DO GÁS MOSTARDA AO CONTROLO DOS CÉREBROS

O código de Nuremberga, destinado nomeadamente a prevenir a repetição dos horrores nazis, bem como as leis que governavam a zona estado-unidense da Alemanha que proibiam aos alemães fazer investigações sobre a guerra química, não impediram o governo dos Estados Unidos de utilizar os cérebros nazis no âmbito da Paperclip, bem pelo contrário.

A base militar ultra-secreta de Edgewood Arsenal, no Estado de Maryland, era desde 1922 o principal centro de investigação médica sobre a guerra química nos Estados Unidos. Primeiro para testar os gases inventados pelos alemães durante a guerra, e mais tarde os métodos de manipulações psicológicas, numerosos cientistas da operação Paperclip levaram aí a cabo experiências de 1947 a 1966, frequentemente de maneira demasiado empírica e utilizando as cobaias que tinham à mão. O que não melhorou a imagem da Paperclip, mesmo entre o pessoal científico que estava baseado lá permanentemente. Assim, o director científico de Edgewood à época, o Dr. Seymour Silver, comentou os seus trabalhos nestes termos: «A sua apreciação geral tanto no que se referia à escolha dos sujeitos como sobre as próprias experiências era errónea, muito má». Ora num domínio dos gases de combate, dos gases incapacitantes e dos psicotrópicos, tais métodos tiveram consequências humanas terríveis.

Um dos primeiros nazis recrutados na base foi Kurt Rahr, segundo criminoso nazi importunado na Alemanha tanto por delitos de direito comum como pelo seu apoio ao IIIº Reich. Apesar de um relatório desfavorável que o julgava indigno de confiança e por conseguinte perigoso para a segurança dos Estados Unidos, a JIOA enviou este especialista da electrónica de elevada frequência para Edgewood em Setembro de 1947. Mas não lhe foram confiados trabalhos classificados secretos e era demasiado moderado segundo o gosto de Hans Trurnit, outro recruta importado em 1947 desta vez da elite científica nazi, que o acusou de ser comunista e o fez retornar à Alemanha. Titular na universidade de Kieldu de 1934 a 1940, Trurnit foi o assistente do professor Holzlöhner, que efectuou, durante a segunda guerra mundial, experiências relativas ao frio sobre prisioneiros de Dachau.

Mas a principal trunfo de Edgewood no âmbito da Paperclip permaneceu o químico Friedrich Hoffmann, ele também entre os primeiros chegados à base. Este antigo candidato às SA reprovado sintetizava durante a guerra os gases tóxicos e as toxinas para o laboratório de química de guerra da universidade de Würzburg e para o Instituto de investigações técnicas da Luftwaffe. Chegado aos Estados Unidos, foi encarregado de inventar novos modos de protecção e antídotos contra os dois gases mais mortais inventados pelos nazis que o Exército dos EUA dispunha, o Tabun e o Sarin, trazidos em grandes quantidades da Alemanha para os arsenais estado­‑unidenses. Com a ajuda dos relatórios sobre as experiências efectuadas nos campos de concentração e de cobaias escolhidas entre soldados da base, voluntários mas pouco informados sobre a realidade das experiências, tentou determinar quais os efeitos que estes gases produziam sobre o organismo. O protocolo experimental foi sumário: uma vasta sala foi arranjada como câmara de gás, lá se colocaram animais e soldados a quem se pediu para tirarem a sua máscara de gás e respirarem doses de veneno até que não o suportassem mais. Assim o contou o soldado Don Bowen, após ter visto todos os animais da sala agonizar em atrozes sofrimentos: «O meu primeiro reflexo foi não respirar. E quando finalmente tomei uma longa inspiração, o gás queimou­‑me o nariz, a garganta e os lábios». Numerosas cobaias foram assim hospitalizadas por diversas perturbações após terem respirado fracas doses de gás mostarda ou Tabun.

O LSD, ARMA DE GUERRA PSICOLÓGICA

Em 1949, os cientistas da Paperclip baseados em Edgewood viram ser­‑lhes confiada uma nova missão: testar um psicotrópico surpreendente, que provocava alucinações e tendências para o suicídio nos seres humanos. Tratava-se do LSD, descoberto alguns anos antes por um outro Hoffmann, Albert desta vez, nos laboratórios Sandoz de Basileia [5]. A sua utilização devia, de acordo com o seu principal promotor L. Wilson Greene, tornar possível uma guerra mais humana. O objectivo era com efeito à partida determinar se se podia recorrer ao LSD e a outras seis dezenas de outros psicotrópicos para efectuar uma guerra “psicoquímica” destinada a enfraquecer a população e as tropas inimigas. Mas progressivamente, com a subida em potência da Guerra Fria e a multiplicação das operações de contra­‑insurreição, a CIA açambarcou o projecto e focalizou-o na condução dos interrogatórios e nos meios para quebrar a resistência psicológica do interrogado, para provocar dissociações psicológicas e estados de amnésia [6].

As fontes de informações da CIA para a guerra química eram essencialmente cientistas alemães que tinham trabalhado para a IG Farben (a sociedade que produzia o gás Zyklon B utilizado nos campos de concentração), como Walter Reppe, o seu antigo químico chefe, que os Estados Unidos tentaram recuperar em vão em 1948, enquanto trabalhava já para os britânicos. Um vasto recenseamento das plantas psicotrópicas foi empreendido por Friedrich Hoffmann a fim de desenvolver o “soro da verdade” ideal.

Deram-se igualmente importantes doses de LSD a soldados-cobaia de Edgewood antes de os submeter a interrogatórios agressivos que provocaram neles estados de medo intenso, ou mesmo em certos casos convulsões, epilepsia ou crises de paranóia agudas que deixaram numerosas sequelas.

As investigações sobre a amnésia, quanto a elas, conduziram à utilização do Sernyl (SNA), conhecido igualmente sob o nome de PCP ou “poeira de anjo”, que se administrava por via oral ou em aerossol a soldados enquanto marchavam sobre um tapete rolante. Acessos de loucura intensa, de amnésia total e outros comas foram observados nos laboratórios de Edgewood.

Entre os mais virulentos nazis da Paperclip que participaram nas investigações sobre a guerra química e psicológica, figurava igualmente o antigo brigadeiro­‑general Walter Schieber (empregado durante 10 anos), que tinha supervisionado as fábricas de armamento francesas sob a ocupação, as fábricas alemãs que empregavam STO e o programa nazi de guerra química. Encarcerado em 1945 porque suspeito de crimes de guerra, salvou a sua pele redigindo relatórios sobre a guerra química para o Exército dos EUA, apresentando-se como testemunha vedeta em Nuremberga para ser integrado na Paperclip em 1947.

Somente no período entre 1955 e 1975, sete mil soldados foram utilizados como cobaias involuntárias; gaseados, asfixiados, drogados para as investigações sobre o controlo do cérebro.

UM ELEMENTO DE UMA POLÍTICA

O fim da aventura foi lastimoso. A partir do início dos anos 1970, os créditos militares atribuídos aos programas dos cientistas da Paperclip diminuíram. Em 1971, restrições orçamentais atingiram duramente o programa espacial, e muito particularmente os engenheiros alemães. Arthur Rudolph reformou­‑se, recebendo de passagem a mais alta distinção da NASA, a Medalha por Distinção em Serviço. No mesmo ano, Wernher von Braun foi obrigado a testemunhar perante procuradores da Alemanha Ocidental encarregados de inquirir sobre os crimes cometidos no campo de concentração de Dora. Imediatamente depois, teve de abandonar o seu sonho secreto de se tornar administrador geral da NASA. Em 1974, foi a vez de Kurt Debus se reformar. Dez anos mais tarde, em 1984, enquanto ressurgiam as acusações de crime de guerra contra Arthur Rudolph, este último foi obrigado a deixar os Estados Unidos por Hamburgo.

No total, os diferentes programas da Operação Paperclip mobilizaram quase 1500 cientistas nazis para lutar contra a URSS. Eles atestam a escolha do Estado­‑maior inter­‑armas dos Estados Unidos de colaborar com o partido nazi apesar do veto do presidente Roosevelt. Uma escolha ulteriormente validada pelo presidente Truman e içada ao nível de uma política federal sistemática. Com efeito, sob o controlo do Conselho de Segurança Nacional, operações similares foram conduzidas paralelamente noutros domínios para recuperar e integrar os quadros nazis bem como os quadros do sistema militar japonês no aparelho de segurança dos Estados Unidos ou para os empregar em operações secretas no estrangeiro.

__________
[1] A Joint Intelligence Objectives Agency foi criada em 1945, sob a tutela do Joint Intelligence Commitee (JIC), o serviço de informação do Estado-maior inter­‑armas. O JIC era composto pelo director dos serviços de informação do exército, pelo seu homólogo da Marinha, pelo vice-director do Air Staff-2 e por um representante do Departamento de Estado. Records of the Office of the Secretary of Defense (Record Group 330), página do Interagency Working Group.
[2] Linda Hunt, “US Coverup of Nazi Scientists”, Bulletin of the Atomic Scientists, Abril de 1985, p. 24.
[3] O chefe do Estado-maior do Exército dos EUA era então Omar N. Bradley.
[4] Linda Hunt, L’Affaire Paperclip – La récupération des scientifiques nazis par les Américains 1945-1990, Stock, 1995. (1ª ed. 1991).
[5] A utilização da molécula que Albert Hoffmann tinha experimentado ele mesmo de maneira trivial, desta vez no âmbito das experiências de Edgewood, seguidamente da operação “MK ULTRA” para o controlo da contracultura, levá-lo-á mais tarde a chamá­‑la a sua «criança terrível».
[6] Ver igualmente, a este respeito, Arthur Lepic, Les manuels de torture de l’armée des États-Unis, Voltaire, 26 de Maio de 2004.

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