O NAZISTAS SE REFUGIARAM NO BRASIL COM A AJUDA DE MILITARES DO GRUPO DE 1964
Documentos inéditos reconstituem os passos de Josef Mengele na América do Sul e mostram como ele usou a identidade real na Argentina, no Uruguai e no Paraguai.
A exumação do enigma
O mistério do caso Mengele
pode estar chegando ao fim
O último capítulo de um mistério que já dura quarenta anos pode ter sido exumado na quarta-feira passada no modesto cemitério do Rosário, na cidade de Embu, a 27 quilômetros de São Paulo. Ali jaziam, desde 8 de fevereiro de 1979, os restos de um homem que um casal de austríacos residente em São Paulo jura ser Josef Mengele, o célebre médico nazista que entre 1943 e 1945 comandou, no campo de concentração de Auschwitz, pavorosas experiências que lhe valeram o apelido de "Anjo da Morte" e fizeram dele o criminoso de guerra mais procurado em todo o mundo nos últimos anos. Os indícios de que a trajetória de Mengele terminou na sepultura número 321 do cemitério do Embu são decididamente fortes. Caso se comprove que não é dele o cadáver, a ativa e discreta rede de proteção aos foragidos nazistas, que há quatro décadas os esconde e ajuda, terá montado a maior, mais arrojada e mais minuciosa operação de despistamento já desencadeada desde o fim da II Guerra Mundial.
No final da semana, colocado no centro da curiosidade mundial, o enigma exumado no Embu - um monte de ossos enegrecidos, mechas de cabelos e sete dentes - encontrava-se numa caixa lacrada, protegida por gradis, no Instituto Médico Legal de São Paulo. Até a última semana deste mês, especialistas do IML tentarão colher provas suficientes para identificar os restos como pertencentes ao alemão Josef Mengele, nascido a 16 de março de 1911 em Günzburg, na Baviera - a origem de uma biografia que nas décadas seguintes incorporaria espetaculares histórias de horror e mistério. Os técnicos do IML têm como trunfo principal os quatro dentes que restaram da arcada superior, sustentados por uma prótese, e outros três da arcada inferior, um dos quais com uma obturação aparentemente em ouro. Se a confrontação entre esses dentes e uma ficha dentária de Josef Mengele feita na Alemanha e datada de 1938 não levar a resultados conclusivos, haverá a alternativa da ossada, sempre uma boa fonte de revelações quando submetida a exames minuciosos. Ainda que os trabalhos do IML resultem inúteis, é improvável que o cadáver permaneça sem identificação. Na sexta-feira passada, médicos legistas da Alemanha e dos EUA informaram que, nesses países, aparelhagens moderníssimas têm plenas condições de desvendar o enigma do Embu. Assim, o mundo parece prestes a saber se afinal terminou a mais longa caçada jamais empreendida contra um criminoso nazista - pelas autoridades da própria Alemanha, em primeiro lugar, e de todos os países que, como o Brasil, mantêm o compromisso de extraditar-lhe os autores de crimes cometidos durante a era de Adolf Hitler.
BUSCA PROVEITOSA - Até o final da semana passada, havia à disposição das autoridades uma extensa coleção de fatos concretos e incontroversos. O primeiro deles ocorreu em maio deste ano, quando um professor universitário alemão repassou à polícia da Alemanha confidências feitas a ele por Hans Sedlmeier, ex-procurador da empresa de máquinas agrícolas que dois sobrinhos de Mengele têm em Günzburg. Segundo o informante, Sedlmeier se gabara de ter providenciado, em anos anteriores, uma vultosa ajuda financeira a Josef Mengele. A polícia alemã mantinha Sedlmeier em observação desde 1960, quando ficou comprovado que ele se encontrara no Paraguai com Mengele - àquela altura um colecionador de furtivas passagens por outros pontos do planeta. Decidiu-se promover mais uma busca na casa de Sedlmeier em Günzburg no último dia 31 de maio. Desta vez, ao contrário das ocasiões anteriores, a investida foi proveitosa. Foram apreendidas algumas cartas do próprio Mengele, duas delas remetidas por um casal de austríacos, Wolfram e Liselotte Bossert, que vivia em São Paulo. Ficou evidente, pelo conteúdo das cartas, que os Bossert sabiam onde estava Mengele. Sedlmeier foi preso e, no mesmo dia 31 de maio, a informação foi transmitida pelos policiais alemães para o gabinete do delegado Romeu Tuma, superintendente da Polícia Federal em São Paulo, acompanhada pelo endereço do casal austríaco: Rua Missouri, número 7, no Brooklin, um bairro de classe média tradicionalmente favorecido por estrangeiros.
Até quarta-feira passada, policiais paulistas vigiaram o sobrado dos Bossert, que moravam em companhia de dois filhos, e seus movimentos. Nesse dia, quando três agentes da polícia alemã já voavam rumo a São Paulo para participar das investigações, a casa foi invadida. Liselotte, embora inquieta, não pareceu surpresa. Em meio a uma crise de choro, disse que ela e o marido haviam acobertado Josef Mengele em São Paulo entre 1970 e 1979, quando o fugitivo morreu afogado durante uma curta temporada de verão numa praia de Bertioga, no Litoral Norte do Estado. Nas horas seguintes, Wolfram e Liselotte contaram à Polícia Federal uma história que, indiscutivelmente, tem começo, meio e fim.
HÓSPEDE NO SÍTIO - Nessa história, Wolfram Bossert, um ex-cabo do Exército nazista que mora no Brasil desde 1952, foi apresentado a Mengele em 1970 num sítio no município de Caieiras, a 30 quilômetros de São Paulo, por Wolfgang Gerhard, um compatriota austríaco que chegara ao país quatro anos depois do fim da II Guerra Mundial. Gerhard apresentou-o a Bossert como "Peter Gerhard", um viúvo que estava sendo perseguido por motivos políticos e saíra poucos meses antes do Paraguai, onde vivia escondido desde 1959. Precisava, explicou Gerhard, da ajuda de amigos. Bossert aceitou o pedido. Na semana passada, ele disse à Polícia Federal que preferiu "não fazer perguntas". Nem haveria necessidade de fazê-las para saber que tipo de pessoa estava ajudando - em 1970, alemães com mais de 45 anos de idade só poderiam ser perseguidos por motivos políticos se fossem criminosos nazistas.
Não há dúvida de que alguns amigos efetivamente ajudaram o fugitivo. Entre 1969 e 1974, "Peter", ou "seu Pedro", viveu como hóspede no sítio de Caieiras em que fora apresentado a Wolfram Bossert. O sítio, de 5 hectares, pertencia ao imigrante húngaro Gesa Stammer, que prestava serviços como topógrafo à prefeitura do município e ali morava em companhia da mulher, Gittara. Na semana passada, Luiz Carlos Luz, 36 anos, comerciante em Caieiras, contou que nessa época costumava freqüentar o sítio a convite de seus amigos Miklus e Peter Stammer, filhos de Gesa e hoje oficiais da Marinha brasileira. "Foi então que conheci um estrangeiro com cerca de 60 anos, cabelos e bigodes brancos, robusto", lembra Luz.
O comerciante notou que se tratava de um homem de pouca conversa - até porque praticamente ignorava o português. "Nas raras vezes em que falou comigo, não consegui entender", diz Luz. O hóspede dos Stammer, costumava usar um grande chapéu de palha e exibir uma barba de alguns dias. Calçava botas de cano comprido e passava a maior parte do tempo entretido em trabalhos de jardinagem. Já nessa época o discretíssimo Pedro freqüentava o sobrado do casal Bossert na Rua Missouri, onde consumia horas a fio em conversas sobre os velhos tempos, sem tocar em assuntos ligados à guerra, ou ouvindo discos de músicas alemãs. Em 1974, os Stammer venderam o sítio em Caieiras e Pedro transferiu-se para uma casa encravada num terreno de 1.000 metros quadrados na Estrada do Alvarenga, 5773, perto da Represa Billings. A casa pertencente aos Bossert tem dois quartos, sala, saleta, cozinha e banheiro. Hoje, suas paredes estão descascadas pelo abandono e o mato tomou conta do quintal.
CASA DE PRAIA - Wolfram Bossert, técnico em mecânica desempregado, e sua mulher, Liselotte, então professora do Colégio Humboldt, em Santo Amaro, muito procurado por imigrantes alemães com filhos em idade escolar, compõem um típico casal de classe média - e é certo que casais nessa faixa não costumam ceder moradias gratuitamente mesmo aos melhores amigos. Pedro, todavia, pôde alojar-se na Estrada do Alvarenga sem pagar aluguéis, embora haja evidências de que não lhe faltava dinheiro. "Ele me pagava um bom salário e chegou a me fazer empréstimos algumas vezes", conta Elza Gulpian de Oliveira, 34 anos, que foi sua empregada doméstica em 1977 e 1978. "Era um homem bastante atencioso e amigo de todos, inclusive dos empregados." Em certa ocasião, documentada por uma fotografia recolhida pela Polícia Federal na semana passada, Pedro levou para jantar num restaurante em Santo Amaro a empregada Elza, Dalva Vigerelli, que lhe prestava serviços como costureira, e um amigo de Dalva.
Celebrações desse gênero eram, contudo, raríssimas - o morador do número 5773 da Estrada do Alvarenga, cujas contas de luz vinham em nome não de "Peter Gerhard", como fora inicialmente apresentado, mas de "Pedro Stammer", em um homem de hábitos rígidos e morno cotidiano. Acordava às 8 horas, dava longos passeios pelas cercanias, fazia pequenos consertos na casa, cuidava do jardim e saía para compras modestas, sempre de ônibus e trajando terno e gravata. Uma vez, com amigos, fez um passeio pela região de Itatiaia. Ouvia muita música clássica, sobretudo sinfonias de Beethoven, escrevia cartas e demorava-se em anotações no livro Die Evolution der Organismen, de Gerhard Heberer. Nas margens das páginas do livro, que traça um paralelo entre a visão do Gênese segundo a Bíblia e a visão do darwinismo, fazia observações vagamente filosóficas em alemão e as traduzia para uma mistura de palavras em espanhol e português.
Pedro contentava-se em almoçar pratos simples da cozinha brasileira e substituir o jantar por saladas de frutas, mas não gostava de falhas funcionais: numa espécie de diário, em meio a observações banais sobre como fora seu dia-a-dia, anotava os erros eventualmente cometidos pelos empregados. Além da empregada Elza e do jardineiro Luís Rodrigues, hoje com 25 anos, Pedro tinha a companhia de um vira-lata. E falava com carinho de um jovem cujas fotos às vezes guardava entre seus pertences e a quem se referia como "um sobrinho" que morava na Alemanha. Em 1977, esse jovem, descrito sumariamente por Elza como "um moço muito bonito que falava alemão e italiano", hospedou-se por duas semanas na casa da Estrada do Alvarenga.
CONVERSAS A DOIS - Às terças-feiras, Pedro recebia a visita de Wolfram Bossert, em companhia de quem jantava para depois ouvir música clássica. Nas noites de sábado, também Liselotte se sentava à mesa de jantar. Uma vez por mês, um homem com cerca de 70 anos, alto e magro, visitava Pedro para longas conversas a dois, sempre em alemão, e para entregar-lhe um envelope. Elza deduz que havia dinheiro nesse envelope. "Eu recebia o pagamento sempre um dia depois da visita desse homem", lembra a empregada. O conteúdo do envelope era imediatamente guardado num baú que Pedro conservava em seu quarto, fechado com uma chave da qual jamais se separava.
É incontestável que o homem da Estrada do Alvarenga se comportava como um foragido. Evitava falar sobre o próprio passado, não costumava mostrar fotografias de amigos ou parentes e jamais recebia cartas das mãos de carteiros - a correspondência era invariavelmente entregue no endereço dos Bossert, que a encaminhavam a Pedro. Ele também sempre fez questão de não ter telefone em casa. Não tinha conta bancária nem usava talão de cheques. Esporadicamente, recebia visitas de vizinhos, que retribuía com parcimônia, e procurava não emitir juízos sobre outras pessoas, mesmo quando lhes votava evidente hostilidade. Segundo a empregada Elza, o silencioso patrão não gostava de pretos. "Bem que ainda podia existir a escravidão", disse Pedro certa feita. Nos momentos de irritação, dava um tapa na testa e exclamava: "Sacramento!"
O monástico alemão não gostava de ter a rotina perturbada pela aparição de desconhecidos. "Em 1978, ele sofreu um derrame e ficou três dias na cama, sem chamar um médico", lembra o jardineiro Luís Rodrigues. "Quem cuidou dele nesses dias foi dona Liselotte, que preparava as refeições e lhe levava a comida na cama." Também o visitou, na época, o homem que lhe levava o misterioso envelope mensal. Ao fim dos três dias, por lá apareceu Wolfram Bossert, que se encarregou de transferi-lo para um hospital nas imediações do aeroporto de Congonhas. "O senhor Pedro me dizia que, antes de vir para São Paulo, ele cuidava de animais numa fazenda", recorda Luís Rodrigues. "Ele tinha em casa seringas para aplicar injeções e soro contra picadas de cobras."
MORTE NA PRAIA - Segundo o jardineiro, Pedro gostava de trabalhos manuais, mas queixava-se de dores freqüentes na mão esquerda. "Ele não conseguia movimentar direito os dedos", diz Luís Rodrigues. Inês Mehlich, 48 anos, que trabalhou cerca de um ano na casa da Estrada do Alvarenga e ali permaneceu até dois meses depois da morte do patrão, recorda que nos últimos meses ele parecia inquieto com uma teimosa alergia que lhe castigava o pescoço. "Ficou distraído, quase foi atropelado na porta da casa e por pouco não caiu num poço que havia no quintal", conta Inês.
A última empregada do misterioso fugitivo lembra que, no verão de 1979, ele não pareceu animar-se com o convite para uma curta temporada em Bertioga, feito pelo casal Bossert. Dizia-se muito cansado, mas afinal concordou em viajar. "Vou para a praia porque minha vida está no fim", disse Pedro. Em Bertioga, os três amigos alugaram uma casa na Rua Manoel da Nóbrega, 272, e também ali implantaram o código da discrição. "A casa vivia fechada e nunca ouvíamos barulho na cozinha", atesta Arnaldo Santana, 31 anos, que mora com sua mulher, Dulcinéia, 29, numa edícula nos fundos da casa. "Eles só conversavam em alemão e nunca falavam com a gente", diz Santana.
Na tarde do dia 7 de fevereiro de 1979, Santana, que hoje trabalha como escriturário no Sesc em Bertioga, foi à praia jogar futebol e viu Liselotte chorando, rodeada por um grupo de pessoas. "Notei que havia um corpo no chão", conta Santana. "Era um senhor idoso, amigo deles, que também estava hospedado na casa." E incontestável que, naquele 7 de fevereiro, um homem que estava em companhia do casal Bossert morreu afogado na praia da Enseada, em Bertioga, como também é certo que desde então o enigmático morador da Estrada do Alvarenga nunca mais foi visto.
INDÍCIOS DE DERRAME - O cabo Espedito Dias Romão, 39 anos, da PM de Bertioga, patrulhava a praia da Enseada naquela tarde quando viu o grupo de banhistas em torno de um homem aparentando quase 70 anos, trajando um calção preto. "Ao lado dele, uma mulher de maiô chorava muito, e dizia palavras numa língua estrangeira", lembra Romão. Perto, um homem curvado sobre a própria barriga parecia sentir-se mal. "A mulher me disse que era seu marido e que ele tentara salvar o amigo do afogamento", conta o cabo da PM. Wolfram Bossert explicou-lhe mais tarde que, ao observar o amigo nadando, notou que ele tinha dificuldade para movimentar um dos braços. Atirou-se à água para salvá-lo e quase afundou também. Há indícios de que o homem que nadava sofreu um derrame e não conseguiu ficar à tona.
No boletim de ocorrência que registra o caso do afogado de Bertioga, preenchido pelo plantão do 6º Distrito Policial, não aparecem, contudo, os nomes "Peter" ou "Pedro". Ali se informa que o morto era "Wolfgang Gerhard, de nacionalidade austríaca, cor branca, 54 anos, viúvo, técnico mecânico, residente à Rua Missouri, 7, Brooklin Novo, São Paulo" - ou seja, "Pedro" morria com o nome do homem que o apresentara ao casal Bossert. "A mulher que chorava parecia desesperada e só chamava o homem de Wolfgang", confirma o cabo Romão. Na verdade, esse nome já o acompanhava há muito tempo. É indiscutível que desde 1969, quando chegou ao Brasil, o fugitivo usava documentos falsos com o nome do seu protetor - mais precisamente, uma carteira modelo 19 de Wolfgang Gerhard, da qual fora retirada a foto do legítimo portador e colocada, em seu lugar, uma foto de Pedro. Em 1976, ao refazer alguns documentos, tangido por mudanças na carteira modelo 19, o falso Wolfgang Gerhard estava em perigo. Sua falsa carteira de identidade perderia o valor.
Nessa ocasião, para socorrer o amigo em dificuldades com a documentação, o verdadeiro Wolfgang Gerhard, que regressara à Áustria em 1975, veio ao Brasil - e é certo que ninguém faz viagens tão dispendiosas para socorrer um conhecido qualquer. Wolfgang Gerhard teve de vir ao Brasil porque só ele podia tirar a nova carteira modelo 19 exigida pelas mudanças legais - para, em seguida, entregá-la a Pedro. Os dois Wolfgang Gerhard - o verdadeiro e o falso - passaram no mesmo dia 3 de fevereiro de 1976 para as fotografias da nova carteira. Semanas depois, o verdadeiro Gerhard retirou o documento na Delegacia de Estrangeiros, entregou-o ao amigo e voltou à Áustria. Assim, entre 1969, quando chegou ao Brasil, e 1979, quando morreu afogado em Bertioga, um estrangeiro viveu no país com documentos falsificados, alguns deles de forma grosseira. Esse estranho senhor não se chamava "Wolfgang Gerhard", nem "Peter Gerhard", tampouco "Peter Stammer", muito menos "Pedro". É certo, enfim, que esse homem foi enterrado no cemitério do Embu com o nome de Wolfgang Gerhard.
CRISE NERVOSA - A policia alemã tem evidências de que o verdadeiro Wolfgang Gerhard morreu a 16 de dezembro de 1978 e está enterrado na cidade de Graz, na Áustria. A polícia brasileira constatou na semana passada, de forma igualmente indiscutível, que um falso Wolfgang Gerhard foi sepultado no cemitério de fevereiro de 1979, acompanhado de um atestado de óbito assinado pelos médicos Jaime Edson Andrade Mendonça e Carlos Affonso Novaes de Figueiredo, ambos da cidade de Santos. O enterro foi feito pelo coveiro José Laurindo, 49 anos, o mesmo que na quinta-feira passada participou dos trabalhos de exumação.
"Lembro-me bem daquele enterro, porque só havia uma mulher acompanhando o caixão", recordava Laurindo na semana passada. "É a mesma mulher que está aqui hoje." Era Liselotte Bossert. Quando o amigo morreu afogado, ela decidiu enterrá-lo na sepultura onde jazia a mãe do verdadeiro Wolfgang Gerhard. No momento em que o administrador do cemitério do Embu, que conhecia Gerhard graças às suas visitas ao túmulo materno, preparava-se para abrir o caixão, Liselotte sofreu uma crise nervosa. O incidente apressou o sepultamento e o caixão não foi aberto. Se o fosse, o administrador perceberia que o morto não era o homem que havia conhecido. Na semana passada Liselotte confessou que a crise nervosa fora uma simulação.
Dois dias depois do enterro, Wolfram Bossert foi à casa da Estrada do Alvarenga para transmitir a notícia à empregada Inês e pedir que ficasse à espera de alguns amigos do morto, que apareceriam nos próximos dias. Pouco depois, lá estiveram uma mulher e dois oficiais da Marinha Mercante cuja descrição corresponde à esposa de Gesa, Gittara Stammer, e seus filhos Peter e Miklus. Na semana passada, agentes da Polícia Federal vasculharam a casa e já encontraram, no livro em que o inquilino fazia insistentes anotações, fotos e cartas que na sexta-feira eram examinadas com extremo interesse por técnicos brasileiros e alemães. É possível que ali estejam a caligrafia e o rosto de Josef Mengele - a verdadeira identidade, neste caso, do homem que chegara ao Brasil em 1969, vindo do Paraguai como "perseguido por motivos políticos", e que em seus dez anos de silenciosa vida no sítio de Caieiras e na casa da Estrada do Alvarenga usara os nomes de "Wolfgang", "Peter" e "Pedro".
VISITAS DO FILHO - "Ele era Josef Mengele", afirmou Wolfram Bossert na semana passada ao depor na Polícia Federal. "Dois ou três anos depois que nos conhecemos, ele próprio revelou-me sua verdadeira identidade. Como já éramos amigos, eu e minha mulher resolvemos nada dizer às autoridades e continuamos a ajudá-lo." Na última sexta-feira, confrontada com fotos antigas do "Anjo da Morte", Elza Gulpian de Oliveira não hesitou: "É o seu Pedro". Também na semana passada, um envelope apreendido na casa da Estrada do Alvarenga traz uma carta que Rolf Mengele, o filho do primeiro casamento do médico de Auschwitz, enviou em 1983 ao casal Bossert. A carta veio acompanhada por uma foto que mostra Rolf ao lado da mulher e do filho pequeno do casal - portanto, o neto de Mengele. Ao ver a foto, Elza reconheceu nela o "moço bonito que falava alemão e italiano" e lhe fora apresentado como "sobrinho" do patrão. "É esse o rapaz que passou duas semanas com o seu Pedro em 1977", disse Elza.
"Rolf Mengele esteve duas vezes no Brasil", garante Wolfram Bossert. "Além da visita que fez ao pai em 1977, ele voltou ao Brasil depois da morte de Mengele. Entreguei-lhe uma pulseira de ouro e um diário que haviam pertencido a seu pai." Bossert também entregou a Rolf algumas fotografias que tiraram do amigo, mas várias outras permaneceram na casa da Estrada do Alvarenga. Elas retratam o fugitivo em diferentes poses, trajes e situações. "Gosto muito de fotografar e uso meus amigos para me exercitar", explica Bossert.
Graças a tais exercícios, a polícia dispunha na semana passada de um farto material para a comparação de traços fisionômicos. "Existe 90% de chance de que o corpo encontrado no Embu seja o de Josef Mengele", diz o delegado Romeu Tuma. Mais comedido, o comissário alemão Gerhard Schöller, um dos policiais enviados ao Brasil para acompanhar as investigações, limita-se por enquanto a informar que, nos últimos meses, se haviam multiplicado as pistas que apontavam para a presença de Josef Mengele no Brasil.
'PISTA FRIA' - "Esta é a sétima morte de Mengele", ironizou em Nova York o célebre caçador de nazistas Simon Wiesenthal, abrindo uma ofensiva de ceticismo quanto à possibilidade de que sejam do "Anjo da Morte" os restos mortais exumados no Embu. "Só no Paraguai ele já foi sepultado três vezes, sempre com testemunhas que juravam ter visto seu rosto. Numa dessas ocasiões, encontramos um cadáver de mulher." A exemplo de outros perseguidores de criminosos nazistas, Wiesenthal acredita que se encontra em curso uma manobra destinada a forjar a morte de Mengele e, assim, dar-lhe fôlego para prolongar a clandestinidade. "O corpo exumado no Brasil não é o de Josef Mengele e sim o de um impostor ali colocado para tirar da pista os caçadores do 'Anjo da Morte'", endossa John Loftus, ex-promotor do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que em anos anteriores participou da caçada ao médico de Auschwitz.
"A pista é fria", afirmou na quinta-feira passada Neal Sher, também do Departamento de Justiça americano. Na sexta-feira, por via das dúvidas, Sher desembarcou em São Paulo para acompanhar os trabalhos de identificação do cadáver. Depois de terem formulado ironias contra a hipótese de que Mengele morreu em 1979, tanto Wiesendial quanto o casal Serge e Beate Klarsfeld, que há anos se dedicam a buscar o criminoso nazista, julgaram melhor, no final da semana, esperar os resultados dos exames nos restos exumados no cemitério do Embu.
De qualquer forma, todos eles permanecem céticos. "Se realmente Mengele tivesse morrido, o mundo inteiro seria informado 5 minutos depois, não cinco anos depois", diz Wiesendial. "Sua mulher, os filhos, todos os parentes, além dos amigos e simpatizantes, teriam feito tudo para anunciar a morte de Mengele, para passarem tranqüilos o resto de suas vidas. Para Wiesenthal, Mengele está vivo e escondido no Paraguai - país no qual chegou a se naturalizar e onde passou a maior parte do tempo desde que sumiu da Alemanha, no final da guerra. Assim também pensa Beate Klarsfeld, que em maio passado esteve no Paraguai, sempre à procura do célebre foragido alemão. "O governo do general Alfredo Stroessner teria todo o interesse em informar que Mengele está morto se isso fosse verdade", raciocina Beate. "Assim, o país se livraria da imagem de valhacouto de nazistas."
TEORIAS EQUIVOCADAS - "É muito estranho que essa história apareça no momento em que se anuncia uma recompensa de 3,4 milhões de dólares a quem oferecer informações capazes de levar à captura de Mengele", intriga-se Beate Klarsfeld. "Além disso, Stroessner programou uma viagem à Alemanha em julho. É muito compreensível que ele tente livrar-se do fantasma de Mengele antes dessa visita." Na sexta-feira, precavido, o próprio Stroessner tratou de adiar a viagem. Em Paris, Serge Klarsfeld mostrou-se mais cauteloso que sua esposa e Wiesenthal. "Tanto pode ser Mengele como o sinal de um trabalho bem-feito", comentou. Na quinta-feira, ele ouvira de um procurador da Justiça alemã que não são poucas as chances de efetivamente ter-se encontrado o cadáver do médico nazista.
Em Moscou, a agência de notícias Tass vislumbrou os culpados de sempre: "Os Estados Unidos estão por trás dessa trama, cujo objetivo é encerrar o caso Josef Mengele", decidiu um despacho da agência soviética. Em Haifa, Israel, funcionários do Instituto de Pesquisas sobre o Nazismo suspeitam de que policiais brasileiros caíram numa armadilha montada por neonazistas e deixam claro que não confiam no delegado Romeu Tuma, por tratar-se de um policial que já exercia funções idênticas "nos tempos do regime autoritário". Também no instituto baseado em Haifa circula a tese de que o Brasil não costuma empenhar-se no cerco a fugitivos nazistas.
Ambas as teorias são equivocadas. Afinal, foram policiais brasileiros os autores da prisão em 1967 do nazista Franz Paul Stangl, antigo comandante dos campos de concentração de Treblinka e Sobibor, na Polônia, e que sob identidade falsa trabalhava na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo. Em 1978, o próprio Romeu Tuma comandou a operação que resultou na captura de Franz Wagner, responsável pela morte de milhares de prisioneiros judeus no campo de concentração de Sobibor. No caso da busca ao suposto Josef Mengele, Tuma e os demais policiais brasileiros fizeram o que lhes cabia fazer - e, também corretamente, passaram as investigações ao Instituto Médico Legal. Agora, resta esperar pelas conclusões dos exames.
LAUDO CONCLUSIVO - Ao contrário do que se supõe, é possível que o exame do esqueleto do Embu não seja suficiente para determinar com absoluta segurança que nele viveu Josef Mengele. Através de cálculos de medicina legal, pode-se estabelecer o sexo, a altura e a idade aproximadas de uma ossada. Já se sabe que na cova estava um homem. Em poucos dias se saberá sua altura, com uma margem de erro de 5 centímetros. Como Mengele tinha 1,74 metro, daí resultará um bom elemento de comparação. Os exames químicos permitirão estabelecer a idade com que a pessoa morreu, tolerando-se uma margem de erro de dois anos. Mengele, nascido em 1911, teria 68 anos em 1979. Além disso, os legistas poderão descobrir a que grupo étnico pertencia a pessoa.
Mesmo que se possa garantir que no Embu estava um homem branco, caucasiano, com pouco mais de 1,70 metro de altura e com pouco menos de 70 anos de idade, isso será certamente pouco para que termine a lenda de Mengele. Precisa-se de mais de algo que apenas Mengele tivesse. Essa curiosidade só poderá ser saciada pela comparação da única ficha dentária de Mengele, datada de 1938, com as arcadas do esqueleto do Embu. Nele foram encontrados sete dentes, quatro na arcada superior e três na inferior, um dos quais com um trabalho de restauração. A ficha de 1938 é a de um homem de 27 anos em cuja boca ainda estavam quase todos os 32 dentes. Por isso, a comparação será muito mais definitiva para provar que o esqueleto não é de Mengele do que para sustentar sua identidade. Basta que na ficha de 1938 um dente esteja assinalado por alguma restauração e que nas arcadas de 1985 esse mesmo dente esteja intacto para que se possa proclamar com certeza que o homem do Embu não é Mengele.
Embora haja a possibilidade do mistério de Mengele sobreviver ao exame dos dentes, a junção de todas as pesquisas dos legistas poderá levá-los a emitir um laudo diante do qual só não acreditará que ele era o dono do esqueleto do Embu quem não quiser. Isso porque o exame dos ossos da mão esquerda mostrará se nela ocorreu, na juventude de seu dono, uma fratura. Mengele sofreu um ferimento nessa mão e o senhor Pedro carecia de alguns movimentos com ela. Na verdade, com a ajuda de legistas americanos e alemães, o IML de São Paulo poderá ir até os limites da medicina legal de hoje - uma ciência tão avançada que ao fim da guerra do Vietnam, onde morreram cerca de 46.000 soldados americanos, um centro de análises montado no Havaí conseguiu identificar todos os corpos, exceto um, que se tornou no ano passado o Soldado Desconhecido.
MEDO E ÓDIO - Por que o casal Bossert não anunciou antes Bossert o fim de Mengele? "Tínhamos medo de sofrer perseguições ao se saber que havíamos abrigado Mengele", alega Liselotte Bossert. Na sexta-feira, ela constatou que seus temores tinham fundamento: foi demitida do Colégio Humboldt, onde lecionava há nove anos para crianças do jardim da infância e do pré-escolar. "Não queremos ser acusados de acobertar nazistas", argumenta o professor Adolfo Ernesto Gothelf Krause, 44 anos. "A demissão é irreversível", diz Krause. "Ela só voltaria a dar aulas se provasse estar inocente no caso."
Assim, Josef Mengele acabou fazendo mais uma vítima - seja dele ou não o cadáver exumado no Embu. Quarenta anos depois do fim da guerra, o médico que horrorizou o mundo com seus experimentos em Auschwitz continua a suscitar ondas de ódio e medo. Essa trajetória, por sinal, requeria um desfecho mais espetacular que a cena de Mengele morrendo quando se divertia numa tarde de verão em Bertioga. O jornalista Ottmar Katz, dono de um dos mais completos arquivos sobre o "Anjo da Morte", vê com naturalidade a eventual confirmação dessa hipótese. "Nesse caso, a história se repetirá mais uma vez", diz Katz. "Diante da imensidão dos rumores que circularam em torno da lenda de Mengele, a verdade de seu fim será surpreendentemente singela."
NA TRILHA DO CARRASCO
“Eram nove horas quando ele apareceu em frente à Casa da Crianças, pedindo auxílio. Logo vimos que era uma pessoa estranha, mas importante, pois vestia uma roupa boa e estava descalço. Pediu para ficar na entidade por dois ou três dias, já que não tinha para onde ir”. O relato de dona Irene Ribeiro Salotti, de 93 anos, presidente da instituição na época, é sobre um desconhecido que pediu abrigo na casa e lá ficou durante cinco meses e meio, na segunda metade da década de 1970, tornando-se um ajudante elogiado e bem visto pelos funcionários.
Ela só não sabia que estava abrigando o médico nazista Joseph Mengele, conhecido mundialmente como “Anjo da Morte” e responsável por experiências científicas em seres humanos no campo de concentração de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial e acusado pelas mortes de 400 mil deles. Por isso, era o homem mais perseguido do mundo, sobretudo pelas milícias secretas de Israel, que ofereciam milhões de dólares por informações sobre seu paradeiro, enquanto ele estava em Assis, cuidando da horta da Casa das Crianças.
Na memória de dona Irene, o carrasco nazista não lembra em nada o homem discreto, calado e até bondoso que tomava conta da horta e do jardim e por vezes medicava os garotos assistidos pela associação, que naquela época funcionava como internato. A convite do Diário de Assis, a ex-presidente recordou a época em que o nazista esteve abrigado na Casa da Crianças, sua rotina e hábitos.
Mengele chegou à instituição em uma manhã (dona Irene não recorda o ano exato), deixado “ao acaso”, por um carro escuro. Bem vestido, porém descalço, ele pediu abrigo por “três ou quatro dias”, já que não tinha onde ficar. A presidente e a diretora da casa, irmã Georgette, o hospedaram em um cômodo com quarto e banheiro, onde atualmente está instalado o consultório odontológico da instituição. O local fica um pouco afastado do prédio central e era onde o médico passava a maior parte de seu tempo.
O nazista, como lembra dona Irene, falava português “arrastado”, com bastante sotaque e não deu nenhuma referência de seu passado, tampouco respondia às perguntas de dona Irene e Georgette. Assim, a irmã decidiu chamá-lo de “seu Pedro”. O que era para ser uma hospedagem de três dias, se prolongou para uma estadia de cinco meses e meio, devido a uma solicitação da própria irmã, que “achou que seria útil ele ficar” na entidade.
Sua rotina era cuidar do jardim da associação, onde ele plantou uma muda de paineira, próxima ao seu antigo quarto e que hoje é uma frondosa árvore. A horta também era zelada pelo médico, que ainda cultivava morangos, vendidos e consumidos pelas crianças. No restante do tempo, Mengele costumava ler, sempre isolado em seu quarto. Solitário, ele não permitia contato direto com os funcionários e nem mesmo nas horas das refeições se juntava aos demais servidores. Conversava apenas com dona Irene e Georgette e “não tomava conhecimento de ninguém”. Quando a instituição recebia visitas, o médico costumava se trancar na despensa da cozinha e somente saía do local quando não pudesse mais ser visto. Suas atitudes despertavam a suspeita dos funcionários, que o consideravam “estranho” e desconfiavam que se tratava de alguém importante.
O nazista trabalhava em troca de abrigo e nunca aceitou pagamento em dinheiro. Nos raros momentos em que não havia funcionários na cozinha da casa, ele ensinava dona Irene a fazer chás medicinais para as crianças. Por isso, percebeu que o abrigado acumulava conhecimentos médicos, que ela própria identificou facilmente, pois é farmacêutica. No entanto, como já conhecia o “estilo calado” do hóspede, ela não fez mais perguntas relacionadas à sua vida. “Percebemos que era o jeito dele e não adiantava perguntar nada”, recordou a ex-presidente. Mesmo assim, os funcionários continuavam desconfiados com o jeito esquisito do forasteiro. “O que mais nos intrigava é que ele escrevia e recebia cartas sem que víssemos nada. Sabíamos disso somente porque às vezes ele comentava”, contou dona Irene.
Mengele surpreendeu a presidente e a diretora da instituição quando revelou que ia embora, sem especificar, no entanto, para onde. Disse apenas que “tinha compromissos” e precisaria ir embora no dia seguinte, às cinco horas da manhã. Do mesmo jeito misterioso que chegou, também desapareceu.
Irene lhe deu de presente uma camisa de linho de manga comprida, que foi recusada pelo médico. “Não quero. Fica de presente para as crianças”, teria respondido o hóspede à presidente. Naquele momento, ele beijou sua mão e agradeceu pela hospedagem. “Deus lhe pague por tudo que a senhora fez por mim. Agradeço pelo leite que tomei aqui”, teriam sido algumas palavras ditas pelo nazista à dona Irene.
Mengele foi embora no dia seguinte às quatro horas da manhã, em um carro que apareceu para buscá-lo. A cena foi vista por Georgette, escondida atrás de uma janela. Depois da ida do hóspede, a irmã e dona Irene inspecionaram o quarto do médico, em busca de materiais esquecidos, mas nada encontraram de objetos pessoais ou documentos.
A verdade sobre sua identidade foi descoberta por dona Irene somente anos depois, após a revista “IstoÉ” publicar uma foto do nazista Joseph Mengele, encontrado morto tempos antes em uma praia de Bertioga, no litoral paulista. No entanto, há indícios de que Georgette pudesse saber quem era na verdade o homem que hospedou na Casa da Criança. “Uma vez, flagrei a irmã conversando em alemão com o ‘seu Pedro’. Perguntei e ela me disse: ‘não, você entendeu errado, eu não sei falar alemão’”, revelou dona Irene. Para a ex-presidente, Georgette “desconfiava” de algo errado com o hóspede.
A morte do nazista comoveu dona Irene, que chegou a chorar quando soube da notícia. Ao ter conhecimento, porém, dos atos de seu abrigado, a ex-presidente teve uma “decepção muito grande”. “É difícil acreditar que ele fez tudo isso de mau, pois também fez muita coisa de bom”, considerou.
Em sua memória, impera ainda hoje a lembrança de uma “pessoa boa” e que ajudou a entidade. “Ele foi uma pessoa praticamente boa”, avaliou a ex-presidente, que durante cinco meses conviveu com um dos criminosos mais cruéis da história, mas que prefere manter a lembrança do ajudante calado, discreto e prestativo.
“O seu direito termina onde começa o meu”
Roberto Silo lembra que a religiosa Irmã Georgette, de origem húngara, então encarregada pela Casa das Crianças, foi quem mais proximamente conviveu com Mengele, durante sua estadia na instituição e a entrevistou, provavelmente entre 1984 e 1985, quando então dirigia o Asilo São Vicente de Paulo, onde recebeu Silo e Kiko Roselli, depois de constantes apelos.
Então, se travou o seguinte diálogo entre o repórter e a religiosa (reprodução de memória):
- Irmã,
ARQUIVOS VIVOS
O caso Mengele: novos mistérios
Por Deonísio da Silva em 23/11/2004
Os papéis esquecidos na Polícia Federal, em São Paulo, que levaram à descoberta de mais documentos sobre o criminoso de guerra Joseph Mengele, que morreu afogado em Bertioga, em 1979, sem jamais prestar contas de seus atos, levantaram mais um dos muitos véus que cobrem a atuação dos nazistas na América do Sul, especialmente no Brasil, na Argentina e no Paraguai.
Nos próximos dias e nas próximas semanas, enquanto o assunto está quente, seria de bom tom que os editores pautassem bons repórteres para aprofundar o quadro. São alarmantes os indícios de que documentos reveladores de verdades terríveis jazem em escaninhos insólitos. Ainda insuficientemente estudados, demandam pesquisas sérias. E a imprensa tem função inescapável de mexer no abelheiro. Certamente também haverá quem agora possa falar o que tanto tempo calou.
Quem sabe, como ocorreu a Uki Goñi, jovem repórter do Buenos Aires Herald, jornal dedicado à comunidade britânica, que se interessou por entender os mecanismos e o modo de operar da ditadura militar argentina, algum repórter venha a desencavar os fios que faltam para esclarecer enigmas restantes.
Goñi alude a 304 campos de detenção na Argentina, responsáveis pelo desaparecimento de 8.956 pessoas, entre as quais 1.296 de etnia judaica. Isto é, mesmo sendo pequena comunidade – os judeus eram menos de 1% da população – eram judeus 12% do total de desaparecidos, eufemismo demoníaco para aglutinar sob a rubrica pessoas mortas sob tortura ou simplesmente executadas, às vezes à revelia de ordens superiores, outras vezes a mando cifrado.
Goñ trabalhou seis anos compulsando arquivos em dois continentes. Dos 480 criminosos de guerra que chegaram à Argentina, ele identificou quase 300 deles. (Ver A verdadeira Odessa, Editora Record, R$ 59,90).
São igualmente imperdíveis as matérias da Folha de S. Paulo dos dias 21 e 22 deste novembro. O leitor tem o direito de ficar assustado com o que pode ser concluído: uma rede de cúmplices, muito eficiente, permitiu que um criminoso de guerra somente viesse a ser identificado depois de morrer afogado em Bertioga. E assim mesmo graças a um esforço descomunal de busca da verdadeira identidade. Ainda que – sublinhemos – paire alguma controvérsia sobre se aquele era de fato o cadáver de Joseh Mengele. Mas quem teve competência para o ato inaudito certamente não praticou exclusivamente a tarefa de ocultar Mengele.
Escrevi um romance sobre o tema do neonazismo no Brasil meridional -- Orelhas de aluguel (Editora Siciliano) – e sempre guardei comigo a secreta convicção, nascida da intuição de ficcionista, que havia mais coisa em certos bastidores ainda indevassáveis nos anos oitenta, quando escrevi o romance. O texto de Ana Flor e Andréa Michael, pela gravidade do que traz, merece releitura e reflexão mais demorada. Aguardemos os desdobramentos. O assunto é pertinente e quentíssimo. Não será surpresa se encontrarmos nos arquivos dos anos pós-64 ligações que esclareçam certas pendências ainda muito obscuras.
Segue o texto da Folha de S. Paulo (22/11/2004).
Após viver 26 anos longe da Europa, 14 deles no Brasil, o médico nazista Josef Mengele quase retornou para a Áustria em 1974. A tentativa de voltar para perto da família e de seu país -não concretizada e que fez o médico ficar no Brasil até sua morte por afogamento, em 1979- pode ser percebida nas cartas recebidas por Mengele e que foram apreendidas entre os 85 documentos esquecidos na sede da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo.
Os documentos, cuja existência foi revelada ontem pela Folha, mostram detalhes inéditos sobre Mengele, chefe do serviço médico do campo de concentração de Auschwitz (Polônia) de 1943 a 1945. No campo, Mengele usou prisioneiros como cobaias em experimentos pseudo-centíficos.
A maior parte das mais de 20 cartas escritas a Mengele apreendidas pela PF são do amigo Wolfgang Gerhard, cujo nome Mengele usava no Brasil. Austríaco, Gerhard esteve nos quadros do partido nazista. Nunca foi um fugitivo de guerra, mas decidiu morar no Brasil após a Segunda Guerra Mundial por não concordar com a política imposta pelos aliados.
Em uma carta de quatro páginas escrita em novembro de 1974, Gerhard, que havia voltado para a Áustria em 1971, aconselhava Mengele a fazer o mesmo o quanto antes, "antes que esteja muito velho para a viagem". O amigo dizia ainda que, na Europa, Mengele poderia se tratar e ser operado.
Segundo biografia publicada em 1986, Mengele ficou doente em 1972. Por causa da tensão de estar em constante fuga, ele desenvolveu o hábito de morder a ponta do seu bigode. O costume fez com que uma bola de cabelo obstruísse seu intestino, que lhe causava grande dor. Mengele chegou a procurar um hospital no Brasil, apesar do risco.
Na carta, Gerhard relatava ainda com detalhes a doença da mulher, Ruth, que sofria de câncer. Escreve sobre dificuldades financeiras e de uma viagem de tratamento feita a Beirute (Líbano).
A longa explanação sobre a falta de dinheiro parece ser uma forma de explicar ao amigo no Brasil a razão da impossibilidade de lhe enviar dinheiro. Nesta época, segundo cartas enviadas por Mengele, o médico já vivia uma difícil situação financeira.
Gerhard conheceu Mengele no Brasil. Antes de voltar para a Europa, deixou com o nazista seus documentos de identificação. Mais tarde, teria voltado ao Brasil para renovar os documentos.
Gerhard chegava a dizer a Mengele que a ida para a Áustria não era tão difícil como poderia imaginar, e que insistia na idéia porque "jamais daria um conselho que prejudicasse o amigo".
Gerhard quase sempre começava suas cartas referindo-se ao médico como "Lieber Alter" (querido velho), expressão que mostra a proximidade dos dois.
Dos quatro laudos produzidos pela polícia na época, o de número 09516 assinala a análise dos registros manuscritos e mecanografados encontrados entre os pertences de Mengele. Na página 35, está a confirmação da autoria das cartas que o nazista recebeu do amigo Wolfgang Gerhard.
O laudo informa que "a identificação [dos escritos encontrados entre os pertences de Mengele] se deu graças aos exames preliminares realizados entre as assinaturas constantes nos documentos (carteira de identidade para estrangeiro, carteira profissional e carteira Nacional de Habilitação) apreendidos, em nome de Wolfgang Gerhard, adulterados quanto às fotografias neles constantes, que serão objeto de laudo próprio, e aquelas lançadas nos documentos (missivas) com os números 16, 23 e 28, possibilitando, assim, a individualização gráfica do punho de Wolfgang Gerhard também para os documentos com os números 15, 17 a 22, 24 a 27, 29 e 30, bem como lançamentos manuscritos apostos nos documentos mecanografados de número 40".
Vida abastada
Durante quase toda a vida, Mengele viveu longe de apertos financeiros. Seu pai, Karl, era dono de uma empresa de equipamentos agrícolas. Quando, em 1948, Mengele decidiu sair da Alemanha, foi seu pai quem teve a idéia mandá-lo para a Argentina.
Com bons contatos no país sul-americano, Karl viu a possibilidade de Mengele ser seu representante nos negócios, o que deu ao nazista uma vida confortável para um fugitivo. Anos depois, no Paraguai, Menguele já não dispunha de recursos como antes. Sua situação tornou-se crítica no Brasil, por volta de 1974, quando precisou vender o apartamento que tinha em São Paulo -e cujo aluguel era vital- para comprar documentos falsificados.
A partir da mesma época, as quantias que precisava pagar pelo silêncio de quem conhecia sua verdadeira identidade passaram a ficar mais pesadas. Anotações de 1976 em excertos de um diário manuscrito mostram que Mengele passou por momentos em que faltou dinheiro para pagar a gasolina necessária para uma viagem de carro ao Rio de Janeiro.
Sua volta para a Europa, em uma provável tentativa de se esconder com Gerhard na Áustria, era ainda mais difícil. Além dos documentos falsificados de maneira bastante imperfeita, havia a falta de dinheiro para a viagem. (Ana Flor e Andréa Michael, Sucursal de Brasília.)
A Argentina e os nazistas
A história do bispo inglês Richard Williamson que negou o holocausto e ontem foi deportado da Argentina é apenas a ponta de um iceberg. A relação Argentina-nazistas-judeus vem de muito antes, dos anos 30, 40 e 50.
Para se estabelecer no período 1943-1946, o presidente Perón incluiu seu amigo pessoal e empresário Rodolfo Freude entre os conselheiros econômicos do peronismo. Rodolfo Freude era reconhecidamente ligado as teorias nazistas, e isso foi refletido no período, quando a Argentina passou a permitir a entrada de capitais de industriais alemães após a batalha de Stalingrado, em 1943.
Depois, seu filho Rodolfo "Rudy" Freude assume cargo de secretario no governo, permitindo a entrada de milhares de criminosos e colaboracionistas nazistas à Argentina. Não só Alemanha, mas da Polônia, Croácia, França, etc.
Em 1947 é lançado o primeiro plano quinquenal, que incentiva a boa imigração, que permite a chegada dos últimos cientistas nazistas não absolvidos pelos aliados. Von Braun, cientista nazista que criara a bomba voadora B-2, tendo trabalhado depois na Nasa, veio à Argentina. Vários como Von Braun, tiveram suas penas diminuídas em Nuremberg. A intenção da Argentina era atrair esses cérebros a partir de 1947, depois de quatro anos atraindo capital.
Carlos Fuldner funda uma empresa em 1948 e abre para a chegada de nazistas, lançando licenças aos montes. Foi um ótimo negócio para ele, Fuldner, e para os nazistas recém-chegados, como Eichman.
Na mesma época, Perón concedeu documentos para tornar legais todos os imigrantes. Milhares de nazistas se regularizaram, como Otto Papper, que voltou a utilizar seu nome original, após alguns anos de clandestinidade na Argentina. Mengele é outro que regulariza seu nome. Ele chegou à Argentina com uma mala com tipos sanguinios e experimentos de Auschwitz.
Em 16 de setembro de 1955, as Forças Armadas, lideradas pela Marinha, promoveram a revolução libertadora e retiraram Perón do poder. Os militares contavam com a ajuda da Igreja, que passou a apoiar o golpe pouco antes, em março daquele ano, quando Perón lançou uma série de projetos como lei do divórcio, separação da Igreja e Estado.
A proteção militar, contudo, continuava efetiva aos criminosos. Logo após a queda de Perón, Adolf Eichman, que utilizava o nome de Ricardo Klement, assume cargo na Mercedes-Benz na Província de Buenos Aires.
A partir de 1956, o Estado de Israel já estava equilibrado e estabelecido. Com o apoio dos Estados Unidos, passa a colocar seu serviço de inteligência e espionagem para procurar os nazistas que viviam e trabalhavam na América Latina. O foco especial era, claro, a Argentina, um berço de refugiados.
Uma denúncia anônima de um colega de trabalho de Ricardo Klement (Eichman) ao serviço EUA/Israel no início de 1960 provocou uma prática nada ortodoxa. Os israelenses entraram na Argentina e sequestraram Eichman, entre abril e maio de 60, levando-o a Israel. Lá ele seria julgado e condenado à morte pelos crimes dos anos Hitler na Alemanha. Seria morto em 31 de maio de 1962.
A vida dos nazistas na Argentina funcionou normalmente nas décadas de 40, 50 e 60, a não ser pelas incursões dos israelenses ou por políticas da Alemanha (que depois de 45 seria dividida entre os ocidentais e a União Soviética). Em novembro de 1956, após anos de tranquilidade na Argentina - mesmo com as turbulências internas que depuseram Perón um ano antes - um alemão clandestino deu entrada em sua embaixada com nome verdadeiro: Joseph Mengele. Por quase três anos isso não gerou problemas a ele, que continuou levando a vida na Argentina com sua situação normalizada com a Alemanha. Em setembro de 1959, no entanto, a República Alemã pediu sua extradição à Argentina.
Lernforum Deutsch, Bonn
Jornal do Brasil 06/10/2002
América do Sul: alvo nazista
Embaixador revela que partes do Brasil e do Chile seriam dominadas pelos alemães
Denise Assis
Especial para o JB
Não tivessem os aliados derrotado Adolf Hitler, pondo um ponto final à Segunda Guerra Mundial, e a América do Sul, hoje, teria outra feição. Os 13 países do continente seriam transformados em apenas cinco, sendo que a Argentina - país, na época, com muitos simpatizantes do nazismo - teria primazia sobre os demais.
O Brasil cederia a parte sul, onde se encontrava uma das maiores colônias alemãs da época. Gigante pela própria natureza, como nos versos do hino, o país da região com maior território se veria submetido a uma nova linha geopolítica determinada pelos arianos.
A revelação foi feita, esta semana, pelo embaixador Sérgio Corrêa da Costa, no Rio. Para comprovar a informação, dada após 60 anos de silêncio, ele exibiu também um mapa apreendido pelo British Security Coordination (serviço secreto inglês) em 1941, na Rua Paissandu, no Flamengo, próximo ao consulado alemão.
O mundo, então, estava em guerra e o Brasil era alvo de americanos - que sonhavam estabelecer aqui bases militares - e nazistas, cujo espírito expansionista não tinha limites. Apesar de uma simpatia inicial pelos arroubos nazistas, o Brasil acabou optando pelos americanos, em troca da instalação da Companhia Siderúrgica Nacional.
O que não se sabia, até então, era a amplitude da volúpia de Hitler com relação à América do Sul. Pelo mapa da cúpula nazista, o Chile praticamente desapareceria, ficando restrito à sua atual Região Norte. A Venezuela se fundiria à Colômbia, dando origem a um país chamado Newspanien (Nova Espanha).
A queda do espião portador da nova carta da América do Sul, no Rio, diz o embaixador, foi mais um dos fatores para que o presidente Franklin Roosevelt decidisse pela entrada dos EUA na guerra. O governo americano passou a se preocupar com a situação do Brasil:
-Por ser um imenso celeiro de recursos naturais, e por ter uma importante parcela de sua população de origem alemã - observa o embaixador, acrescentando que a maioria das escolas de Santa Catarina era mantida pelos alemães.
Adolph Berle - secretário de Estado assistente, encarregado da ligação com o FBI e com os serviços militares de informação - previu o ataque partindo da Noruega em direção aos Estados Unidos e um outro visando ao Brasil. Por isso, o chefe da missão militar americana no Rio, coronel Lehman Miller, solicitou o alto comando brasileiro a criar um serviço secreto para vigiar os súditos do Eixo.
Contemporâneo de tudo isso, Sérgio Corrêa da Costa, 81 anos, contou em entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil, que acompanhou decisões políticas e militares não apenas como funcionário do Itamaraty - na época lotado no Arquivo Histórico de Buenos Aires - mas também como jovem irrequieto, que por não ter chance de ser convocado para o front, pela função que desempenhava, fez ''uma guerra particular''.
Perguntado se isso queria dizer que atuou como espião pelos aliados, Corrêa da Costa assentiu. Os olhos faiscaram e, com o ar de quem fez uma viagem no tempo, protestou:
-Você acabou de me arrancar um segredo de mais de 50 anos, que não revelei nem para a minha mulher.
Pudera. Suas peripécias como espião incluíam encontros furtivos em cinemas, teatros e restaurantes, com eventuais colaboradoras dos serviços inglês e americano, onde as informações eram passadas sob a forma de cochichos.
· Se fosse meu superior e soubesse metade do que aprontei, me demitia. Fiz loucuras pela causa.
Diplomata guardava segredos de guerra
A primeira missão do embaixador Sérgio Corrêa da Costa no exterior foi em Buenos Aires. Ele que ao longo da vida serviu em Londres, Nova Iorque e Washington, chegou à capital Argentina aos 20 anos, logo após o golpe de que já participara o coronel Juan Domingo Perón, e que havia deposto o governo civil. Os militares, que não escondiam suas simpatias pela Alemanha nazista , assumiram o controle total.
Apesar de suspensas as relações com o Brasil, o Itamaraty o fez partir para lá, onde conheceu uma figura de expressão da política local, o secretário-geral do Ministério das Relações exteriores, José Embrioni. Dos almoços e conversas reservadas com a alta patente surgiram revelações que o então simples funcionário do Itamaraty achou por bem registrar em diário.
Logo a brochura estava recheada de segredos militares e de guerra. Um dia Sérgio concluiu que, sem poder publicar uma linha sequer do que anotava, acabaria refém daquele caderno. E se fosse roubado? Fez chegar ao Itamaraty as informações que julgou importantes e o incinerou. Desde então, deixou de tomar notas de fatos que presenciou e marcaram a história contemporânea, como o assassinato acontecido a cinco metros dele, do colombiano Jorge Eliezer Gaitán, em 1948, a quem o embaixador descreve como um misto de Getúlio Vargas e Luiz Carlos Prestes.
Apesar de ter estado sempre na cena de episódios cruciais, Corrêa da Costa furtou-se de anotá-los e de escrever suas memórias. Hoje, aos 81 anos, revê a decisão.
- Menos de 10 minutos depois da minha saída, o tempo de alcançar o Hotel Metrópole, que ficava a uma quadra, o palácio presidencial foi arrasado - recorda.
Autor de livros como Palavras sem Fronteiras, e Brasil, Segredo de Estado, lançados pela Editora Record em 2001 e já na quarta edição, Sérgio Corrêa da Costa é membro da Academia Brasileira de Letras. Agora, prepara-se para mudar-se de Paris para o Rio.
Mapa reduzia o Brasil
Descoberta foi citada por Roosevelt
O registro de ocorrência da apreensão do mapa elaborado pelos nazistas e que daria uma nova feição à América do Sul era sucinto: ''Funcionário alemão seguido por agentes ingleses sofreu um acidente. Sua pasta foi tomada e aberta. Dentro dela encontrava-se um mapa da América do Sul''. O embaixador Sérgio Corrêa da Costa conta que teve acesso ao exemplar, do qual tem uma cópia pendurada na parede de sua sala, em Paris.
- O sujeito sofreu um discreto esbarrão na calçada da Rua Paissandu e teve morte instantânea. Quem esbarrou recolheu discretamente sua pasta, bem ao feitio das ações dos funcionários do British Security Coordination (BSC).
Era a seguinte a proposta de redistribuição territorial nazista para a América do Sul, em caso de vitória:
1- O Brasil perderia os Estados da Região Sul do país, no novo desenho do continente.
2- A Argentina absorveria o Uruguai, o Paraguai, toda a parte baixa da Bolívia e um corredor para o Pacífico na altura de Antofagasta; com isso, o território do país vizinho se estenderia em direção à Amazônia, indo muito além de Corumbá.
3- O Chile perderia sua parte inferior, e incluiria o restante do Peru e da Bolívia.
4- Surgiria a Nova Espanha, formada pela Colômbia, Venezuela e Equador, mais o Panamá e a Zona do Canal.
5- As três Guianas seriam unificadas. O mapa foi mostrado ao presidente Roosevelt, que o citou em discurso irradiado em 27 de outubro de 1941.
''Os peritos geógrafos de Berlim obliteraram brutalmente todas as linhas divisórias para reduzir a América do Sul a cinco estados vassalos, todos sob dominação alemã'', protestou o presidente americano, durante discurso em Washington.
Soube-se depois, que a própria Gestapo havia investigado o incidente. Havia apenas dois exemplares desse mapa. Um no cofre de Hitler, outro confiado ao embaixador alemão em Buenos Aires, Von Thermann. A culpa do vazamento foi atribuída a Gottfied Sandstede, antigo adido civil da embaixada germânica e membro proeminente no partido nazista argentino. O funcionário alemão pagou muito caro por reproduzir o mapa.
Acabou assassinado em Buenos Aires por seus próprios homens.
Wir danken der Botschaft von Brasilien für die Überlassung dieses Artikels.
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Mengele fugiu, indo se tornar nômade por um tempo, até entrar no Brasil, de maneira clandestina. Morreu nos anos 80, de ataque cardíaco, numa praia brasileira. Teria sido mantido pelo Estado alemão até alguns anos antes de sua morte.
Postado por João Villaverde às 13:20
Marcadores: Alemanha, América Latina
COMENTÁRIO DO DONO DO BLOG
A Mercedes ajudou vários nazistas, a exemplo de Eichman. Mengele, porém não precisou de emprego. Criou suas próprias empresas com o dinheiro paterno. Os investimentos foram feitos por meio do empresário alemão radicado na Argentina Roberto Mertig, dono da fábrica de fogões Orbis. Uma das firmas que ele montou foi a Tameba (sigla em espanhol de Oficinas Metalúrgicas de Buenos Aires). “Ele fabricava hastes de torneira e vendia para Eichmann, que nessa época, trabalhava na industria de sanitários FV, do alemão Franz Viegener”.
O mistério do caso Mengele
pode estar chegando ao fim
O último capítulo de um mistério que já dura quarenta anos pode ter sido exumado na quarta-feira passada no modesto cemitério do Rosário, na cidade de Embu, a 27 quilômetros de São Paulo. Ali jaziam, desde 8 de fevereiro de 1979, os restos de um homem que um casal de austríacos residente em São Paulo jura ser Josef Mengele, o célebre médico nazista que entre 1943 e 1945 comandou, no campo de concentração de Auschwitz, pavorosas experiências que lhe valeram o apelido de "Anjo da Morte" e fizeram dele o criminoso de guerra mais procurado em todo o mundo nos últimos anos. Os indícios de que a trajetória de Mengele terminou na sepultura número 321 do cemitério do Embu são decididamente fortes. Caso se comprove que não é dele o cadáver, a ativa e discreta rede de proteção aos foragidos nazistas, que há quatro décadas os esconde e ajuda, terá montado a maior, mais arrojada e mais minuciosa operação de despistamento já desencadeada desde o fim da II Guerra Mundial.
No final da semana, colocado no centro da curiosidade mundial, o enigma exumado no Embu - um monte de ossos enegrecidos, mechas de cabelos e sete dentes - encontrava-se numa caixa lacrada, protegida por gradis, no Instituto Médico Legal de São Paulo. Até a última semana deste mês, especialistas do IML tentarão colher provas suficientes para identificar os restos como pertencentes ao alemão Josef Mengele, nascido a 16 de março de 1911 em Günzburg, na Baviera - a origem de uma biografia que nas décadas seguintes incorporaria espetaculares histórias de horror e mistério. Os técnicos do IML têm como trunfo principal os quatro dentes que restaram da arcada superior, sustentados por uma prótese, e outros três da arcada inferior, um dos quais com uma obturação aparentemente em ouro. Se a confrontação entre esses dentes e uma ficha dentária de Josef Mengele feita na Alemanha e datada de 1938 não levar a resultados conclusivos, haverá a alternativa da ossada, sempre uma boa fonte de revelações quando submetida a exames minuciosos. Ainda que os trabalhos do IML resultem inúteis, é improvável que o cadáver permaneça sem identificação. Na sexta-feira passada, médicos legistas da Alemanha e dos EUA informaram que, nesses países, aparelhagens moderníssimas têm plenas condições de desvendar o enigma do Embu. Assim, o mundo parece prestes a saber se afinal terminou a mais longa caçada jamais empreendida contra um criminoso nazista - pelas autoridades da própria Alemanha, em primeiro lugar, e de todos os países que, como o Brasil, mantêm o compromisso de extraditar-lhe os autores de crimes cometidos durante a era de Adolf Hitler.
BUSCA PROVEITOSA - Até o final da semana passada, havia à disposição das autoridades uma extensa coleção de fatos concretos e incontroversos. O primeiro deles ocorreu em maio deste ano, quando um professor universitário alemão repassou à polícia da Alemanha confidências feitas a ele por Hans Sedlmeier, ex-procurador da empresa de máquinas agrícolas que dois sobrinhos de Mengele têm em Günzburg. Segundo o informante, Sedlmeier se gabara de ter providenciado, em anos anteriores, uma vultosa ajuda financeira a Josef Mengele. A polícia alemã mantinha Sedlmeier em observação desde 1960, quando ficou comprovado que ele se encontrara no Paraguai com Mengele - àquela altura um colecionador de furtivas passagens por outros pontos do planeta. Decidiu-se promover mais uma busca na casa de Sedlmeier em Günzburg no último dia 31 de maio. Desta vez, ao contrário das ocasiões anteriores, a investida foi proveitosa. Foram apreendidas algumas cartas do próprio Mengele, duas delas remetidas por um casal de austríacos, Wolfram e Liselotte Bossert, que vivia em São Paulo. Ficou evidente, pelo conteúdo das cartas, que os Bossert sabiam onde estava Mengele. Sedlmeier foi preso e, no mesmo dia 31 de maio, a informação foi transmitida pelos policiais alemães para o gabinete do delegado Romeu Tuma, superintendente da Polícia Federal em São Paulo, acompanhada pelo endereço do casal austríaco: Rua Missouri, número 7, no Brooklin, um bairro de classe média tradicionalmente favorecido por estrangeiros.
Até quarta-feira passada, policiais paulistas vigiaram o sobrado dos Bossert, que moravam em companhia de dois filhos, e seus movimentos. Nesse dia, quando três agentes da polícia alemã já voavam rumo a São Paulo para participar das investigações, a casa foi invadida. Liselotte, embora inquieta, não pareceu surpresa. Em meio a uma crise de choro, disse que ela e o marido haviam acobertado Josef Mengele em São Paulo entre 1970 e 1979, quando o fugitivo morreu afogado durante uma curta temporada de verão numa praia de Bertioga, no Litoral Norte do Estado. Nas horas seguintes, Wolfram e Liselotte contaram à Polícia Federal uma história que, indiscutivelmente, tem começo, meio e fim.
HÓSPEDE NO SÍTIO - Nessa história, Wolfram Bossert, um ex-cabo do Exército nazista que mora no Brasil desde 1952, foi apresentado a Mengele em 1970 num sítio no município de Caieiras, a 30 quilômetros de São Paulo, por Wolfgang Gerhard, um compatriota austríaco que chegara ao país quatro anos depois do fim da II Guerra Mundial. Gerhard apresentou-o a Bossert como "Peter Gerhard", um viúvo que estava sendo perseguido por motivos políticos e saíra poucos meses antes do Paraguai, onde vivia escondido desde 1959. Precisava, explicou Gerhard, da ajuda de amigos. Bossert aceitou o pedido. Na semana passada, ele disse à Polícia Federal que preferiu "não fazer perguntas". Nem haveria necessidade de fazê-las para saber que tipo de pessoa estava ajudando - em 1970, alemães com mais de 45 anos de idade só poderiam ser perseguidos por motivos políticos se fossem criminosos nazistas.
Não há dúvida de que alguns amigos efetivamente ajudaram o fugitivo. Entre 1969 e 1974, "Peter", ou "seu Pedro", viveu como hóspede no sítio de Caieiras em que fora apresentado a Wolfram Bossert. O sítio, de 5 hectares, pertencia ao imigrante húngaro Gesa Stammer, que prestava serviços como topógrafo à prefeitura do município e ali morava em companhia da mulher, Gittara. Na semana passada, Luiz Carlos Luz, 36 anos, comerciante em Caieiras, contou que nessa época costumava freqüentar o sítio a convite de seus amigos Miklus e Peter Stammer, filhos de Gesa e hoje oficiais da Marinha brasileira. "Foi então que conheci um estrangeiro com cerca de 60 anos, cabelos e bigodes brancos, robusto", lembra Luz.
O comerciante notou que se tratava de um homem de pouca conversa - até porque praticamente ignorava o português. "Nas raras vezes em que falou comigo, não consegui entender", diz Luz. O hóspede dos Stammer, costumava usar um grande chapéu de palha e exibir uma barba de alguns dias. Calçava botas de cano comprido e passava a maior parte do tempo entretido em trabalhos de jardinagem. Já nessa época o discretíssimo Pedro freqüentava o sobrado do casal Bossert na Rua Missouri, onde consumia horas a fio em conversas sobre os velhos tempos, sem tocar em assuntos ligados à guerra, ou ouvindo discos de músicas alemãs. Em 1974, os Stammer venderam o sítio em Caieiras e Pedro transferiu-se para uma casa encravada num terreno de 1.000 metros quadrados na Estrada do Alvarenga, 5773, perto da Represa Billings. A casa pertencente aos Bossert tem dois quartos, sala, saleta, cozinha e banheiro. Hoje, suas paredes estão descascadas pelo abandono e o mato tomou conta do quintal.
CASA DE PRAIA - Wolfram Bossert, técnico em mecânica desempregado, e sua mulher, Liselotte, então professora do Colégio Humboldt, em Santo Amaro, muito procurado por imigrantes alemães com filhos em idade escolar, compõem um típico casal de classe média - e é certo que casais nessa faixa não costumam ceder moradias gratuitamente mesmo aos melhores amigos. Pedro, todavia, pôde alojar-se na Estrada do Alvarenga sem pagar aluguéis, embora haja evidências de que não lhe faltava dinheiro. "Ele me pagava um bom salário e chegou a me fazer empréstimos algumas vezes", conta Elza Gulpian de Oliveira, 34 anos, que foi sua empregada doméstica em 1977 e 1978. "Era um homem bastante atencioso e amigo de todos, inclusive dos empregados." Em certa ocasião, documentada por uma fotografia recolhida pela Polícia Federal na semana passada, Pedro levou para jantar num restaurante em Santo Amaro a empregada Elza, Dalva Vigerelli, que lhe prestava serviços como costureira, e um amigo de Dalva.
Celebrações desse gênero eram, contudo, raríssimas - o morador do número 5773 da Estrada do Alvarenga, cujas contas de luz vinham em nome não de "Peter Gerhard", como fora inicialmente apresentado, mas de "Pedro Stammer", em um homem de hábitos rígidos e morno cotidiano. Acordava às 8 horas, dava longos passeios pelas cercanias, fazia pequenos consertos na casa, cuidava do jardim e saía para compras modestas, sempre de ônibus e trajando terno e gravata. Uma vez, com amigos, fez um passeio pela região de Itatiaia. Ouvia muita música clássica, sobretudo sinfonias de Beethoven, escrevia cartas e demorava-se em anotações no livro Die Evolution der Organismen, de Gerhard Heberer. Nas margens das páginas do livro, que traça um paralelo entre a visão do Gênese segundo a Bíblia e a visão do darwinismo, fazia observações vagamente filosóficas em alemão e as traduzia para uma mistura de palavras em espanhol e português.
Pedro contentava-se em almoçar pratos simples da cozinha brasileira e substituir o jantar por saladas de frutas, mas não gostava de falhas funcionais: numa espécie de diário, em meio a observações banais sobre como fora seu dia-a-dia, anotava os erros eventualmente cometidos pelos empregados. Além da empregada Elza e do jardineiro Luís Rodrigues, hoje com 25 anos, Pedro tinha a companhia de um vira-lata. E falava com carinho de um jovem cujas fotos às vezes guardava entre seus pertences e a quem se referia como "um sobrinho" que morava na Alemanha. Em 1977, esse jovem, descrito sumariamente por Elza como "um moço muito bonito que falava alemão e italiano", hospedou-se por duas semanas na casa da Estrada do Alvarenga.
CONVERSAS A DOIS - Às terças-feiras, Pedro recebia a visita de Wolfram Bossert, em companhia de quem jantava para depois ouvir música clássica. Nas noites de sábado, também Liselotte se sentava à mesa de jantar. Uma vez por mês, um homem com cerca de 70 anos, alto e magro, visitava Pedro para longas conversas a dois, sempre em alemão, e para entregar-lhe um envelope. Elza deduz que havia dinheiro nesse envelope. "Eu recebia o pagamento sempre um dia depois da visita desse homem", lembra a empregada. O conteúdo do envelope era imediatamente guardado num baú que Pedro conservava em seu quarto, fechado com uma chave da qual jamais se separava.
É incontestável que o homem da Estrada do Alvarenga se comportava como um foragido. Evitava falar sobre o próprio passado, não costumava mostrar fotografias de amigos ou parentes e jamais recebia cartas das mãos de carteiros - a correspondência era invariavelmente entregue no endereço dos Bossert, que a encaminhavam a Pedro. Ele também sempre fez questão de não ter telefone em casa. Não tinha conta bancária nem usava talão de cheques. Esporadicamente, recebia visitas de vizinhos, que retribuía com parcimônia, e procurava não emitir juízos sobre outras pessoas, mesmo quando lhes votava evidente hostilidade. Segundo a empregada Elza, o silencioso patrão não gostava de pretos. "Bem que ainda podia existir a escravidão", disse Pedro certa feita. Nos momentos de irritação, dava um tapa na testa e exclamava: "Sacramento!"
O monástico alemão não gostava de ter a rotina perturbada pela aparição de desconhecidos. "Em 1978, ele sofreu um derrame e ficou três dias na cama, sem chamar um médico", lembra o jardineiro Luís Rodrigues. "Quem cuidou dele nesses dias foi dona Liselotte, que preparava as refeições e lhe levava a comida na cama." Também o visitou, na época, o homem que lhe levava o misterioso envelope mensal. Ao fim dos três dias, por lá apareceu Wolfram Bossert, que se encarregou de transferi-lo para um hospital nas imediações do aeroporto de Congonhas. "O senhor Pedro me dizia que, antes de vir para São Paulo, ele cuidava de animais numa fazenda", recorda Luís Rodrigues. "Ele tinha em casa seringas para aplicar injeções e soro contra picadas de cobras."
MORTE NA PRAIA - Segundo o jardineiro, Pedro gostava de trabalhos manuais, mas queixava-se de dores freqüentes na mão esquerda. "Ele não conseguia movimentar direito os dedos", diz Luís Rodrigues. Inês Mehlich, 48 anos, que trabalhou cerca de um ano na casa da Estrada do Alvarenga e ali permaneceu até dois meses depois da morte do patrão, recorda que nos últimos meses ele parecia inquieto com uma teimosa alergia que lhe castigava o pescoço. "Ficou distraído, quase foi atropelado na porta da casa e por pouco não caiu num poço que havia no quintal", conta Inês.
A última empregada do misterioso fugitivo lembra que, no verão de 1979, ele não pareceu animar-se com o convite para uma curta temporada em Bertioga, feito pelo casal Bossert. Dizia-se muito cansado, mas afinal concordou em viajar. "Vou para a praia porque minha vida está no fim", disse Pedro. Em Bertioga, os três amigos alugaram uma casa na Rua Manoel da Nóbrega, 272, e também ali implantaram o código da discrição. "A casa vivia fechada e nunca ouvíamos barulho na cozinha", atesta Arnaldo Santana, 31 anos, que mora com sua mulher, Dulcinéia, 29, numa edícula nos fundos da casa. "Eles só conversavam em alemão e nunca falavam com a gente", diz Santana.
Na tarde do dia 7 de fevereiro de 1979, Santana, que hoje trabalha como escriturário no Sesc em Bertioga, foi à praia jogar futebol e viu Liselotte chorando, rodeada por um grupo de pessoas. "Notei que havia um corpo no chão", conta Santana. "Era um senhor idoso, amigo deles, que também estava hospedado na casa." E incontestável que, naquele 7 de fevereiro, um homem que estava em companhia do casal Bossert morreu afogado na praia da Enseada, em Bertioga, como também é certo que desde então o enigmático morador da Estrada do Alvarenga nunca mais foi visto.
INDÍCIOS DE DERRAME - O cabo Espedito Dias Romão, 39 anos, da PM de Bertioga, patrulhava a praia da Enseada naquela tarde quando viu o grupo de banhistas em torno de um homem aparentando quase 70 anos, trajando um calção preto. "Ao lado dele, uma mulher de maiô chorava muito, e dizia palavras numa língua estrangeira", lembra Romão. Perto, um homem curvado sobre a própria barriga parecia sentir-se mal. "A mulher me disse que era seu marido e que ele tentara salvar o amigo do afogamento", conta o cabo da PM. Wolfram Bossert explicou-lhe mais tarde que, ao observar o amigo nadando, notou que ele tinha dificuldade para movimentar um dos braços. Atirou-se à água para salvá-lo e quase afundou também. Há indícios de que o homem que nadava sofreu um derrame e não conseguiu ficar à tona.
No boletim de ocorrência que registra o caso do afogado de Bertioga, preenchido pelo plantão do 6º Distrito Policial, não aparecem, contudo, os nomes "Peter" ou "Pedro". Ali se informa que o morto era "Wolfgang Gerhard, de nacionalidade austríaca, cor branca, 54 anos, viúvo, técnico mecânico, residente à Rua Missouri, 7, Brooklin Novo, São Paulo" - ou seja, "Pedro" morria com o nome do homem que o apresentara ao casal Bossert. "A mulher que chorava parecia desesperada e só chamava o homem de Wolfgang", confirma o cabo Romão. Na verdade, esse nome já o acompanhava há muito tempo. É indiscutível que desde 1969, quando chegou ao Brasil, o fugitivo usava documentos falsos com o nome do seu protetor - mais precisamente, uma carteira modelo 19 de Wolfgang Gerhard, da qual fora retirada a foto do legítimo portador e colocada, em seu lugar, uma foto de Pedro. Em 1976, ao refazer alguns documentos, tangido por mudanças na carteira modelo 19, o falso Wolfgang Gerhard estava em perigo. Sua falsa carteira de identidade perderia o valor.
Nessa ocasião, para socorrer o amigo em dificuldades com a documentação, o verdadeiro Wolfgang Gerhard, que regressara à Áustria em 1975, veio ao Brasil - e é certo que ninguém faz viagens tão dispendiosas para socorrer um conhecido qualquer. Wolfgang Gerhard teve de vir ao Brasil porque só ele podia tirar a nova carteira modelo 19 exigida pelas mudanças legais - para, em seguida, entregá-la a Pedro. Os dois Wolfgang Gerhard - o verdadeiro e o falso - passaram no mesmo dia 3 de fevereiro de 1976 para as fotografias da nova carteira. Semanas depois, o verdadeiro Gerhard retirou o documento na Delegacia de Estrangeiros, entregou-o ao amigo e voltou à Áustria. Assim, entre 1969, quando chegou ao Brasil, e 1979, quando morreu afogado em Bertioga, um estrangeiro viveu no país com documentos falsificados, alguns deles de forma grosseira. Esse estranho senhor não se chamava "Wolfgang Gerhard", nem "Peter Gerhard", tampouco "Peter Stammer", muito menos "Pedro". É certo, enfim, que esse homem foi enterrado no cemitério do Embu com o nome de Wolfgang Gerhard.
CRISE NERVOSA - A policia alemã tem evidências de que o verdadeiro Wolfgang Gerhard morreu a 16 de dezembro de 1978 e está enterrado na cidade de Graz, na Áustria. A polícia brasileira constatou na semana passada, de forma igualmente indiscutível, que um falso Wolfgang Gerhard foi sepultado no cemitério de fevereiro de 1979, acompanhado de um atestado de óbito assinado pelos médicos Jaime Edson Andrade Mendonça e Carlos Affonso Novaes de Figueiredo, ambos da cidade de Santos. O enterro foi feito pelo coveiro José Laurindo, 49 anos, o mesmo que na quinta-feira passada participou dos trabalhos de exumação.
"Lembro-me bem daquele enterro, porque só havia uma mulher acompanhando o caixão", recordava Laurindo na semana passada. "É a mesma mulher que está aqui hoje." Era Liselotte Bossert. Quando o amigo morreu afogado, ela decidiu enterrá-lo na sepultura onde jazia a mãe do verdadeiro Wolfgang Gerhard. No momento em que o administrador do cemitério do Embu, que conhecia Gerhard graças às suas visitas ao túmulo materno, preparava-se para abrir o caixão, Liselotte sofreu uma crise nervosa. O incidente apressou o sepultamento e o caixão não foi aberto. Se o fosse, o administrador perceberia que o morto não era o homem que havia conhecido. Na semana passada Liselotte confessou que a crise nervosa fora uma simulação.
Dois dias depois do enterro, Wolfram Bossert foi à casa da Estrada do Alvarenga para transmitir a notícia à empregada Inês e pedir que ficasse à espera de alguns amigos do morto, que apareceriam nos próximos dias. Pouco depois, lá estiveram uma mulher e dois oficiais da Marinha Mercante cuja descrição corresponde à esposa de Gesa, Gittara Stammer, e seus filhos Peter e Miklus. Na semana passada, agentes da Polícia Federal vasculharam a casa e já encontraram, no livro em que o inquilino fazia insistentes anotações, fotos e cartas que na sexta-feira eram examinadas com extremo interesse por técnicos brasileiros e alemães. É possível que ali estejam a caligrafia e o rosto de Josef Mengele - a verdadeira identidade, neste caso, do homem que chegara ao Brasil em 1969, vindo do Paraguai como "perseguido por motivos políticos", e que em seus dez anos de silenciosa vida no sítio de Caieiras e na casa da Estrada do Alvarenga usara os nomes de "Wolfgang", "Peter" e "Pedro".
VISITAS DO FILHO - "Ele era Josef Mengele", afirmou Wolfram Bossert na semana passada ao depor na Polícia Federal. "Dois ou três anos depois que nos conhecemos, ele próprio revelou-me sua verdadeira identidade. Como já éramos amigos, eu e minha mulher resolvemos nada dizer às autoridades e continuamos a ajudá-lo." Na última sexta-feira, confrontada com fotos antigas do "Anjo da Morte", Elza Gulpian de Oliveira não hesitou: "É o seu Pedro". Também na semana passada, um envelope apreendido na casa da Estrada do Alvarenga traz uma carta que Rolf Mengele, o filho do primeiro casamento do médico de Auschwitz, enviou em 1983 ao casal Bossert. A carta veio acompanhada por uma foto que mostra Rolf ao lado da mulher e do filho pequeno do casal - portanto, o neto de Mengele. Ao ver a foto, Elza reconheceu nela o "moço bonito que falava alemão e italiano" e lhe fora apresentado como "sobrinho" do patrão. "É esse o rapaz que passou duas semanas com o seu Pedro em 1977", disse Elza.
"Rolf Mengele esteve duas vezes no Brasil", garante Wolfram Bossert. "Além da visita que fez ao pai em 1977, ele voltou ao Brasil depois da morte de Mengele. Entreguei-lhe uma pulseira de ouro e um diário que haviam pertencido a seu pai." Bossert também entregou a Rolf algumas fotografias que tiraram do amigo, mas várias outras permaneceram na casa da Estrada do Alvarenga. Elas retratam o fugitivo em diferentes poses, trajes e situações. "Gosto muito de fotografar e uso meus amigos para me exercitar", explica Bossert.
Graças a tais exercícios, a polícia dispunha na semana passada de um farto material para a comparação de traços fisionômicos. "Existe 90% de chance de que o corpo encontrado no Embu seja o de Josef Mengele", diz o delegado Romeu Tuma. Mais comedido, o comissário alemão Gerhard Schöller, um dos policiais enviados ao Brasil para acompanhar as investigações, limita-se por enquanto a informar que, nos últimos meses, se haviam multiplicado as pistas que apontavam para a presença de Josef Mengele no Brasil.
'PISTA FRIA' - "Esta é a sétima morte de Mengele", ironizou em Nova York o célebre caçador de nazistas Simon Wiesenthal, abrindo uma ofensiva de ceticismo quanto à possibilidade de que sejam do "Anjo da Morte" os restos mortais exumados no Embu. "Só no Paraguai ele já foi sepultado três vezes, sempre com testemunhas que juravam ter visto seu rosto. Numa dessas ocasiões, encontramos um cadáver de mulher." A exemplo de outros perseguidores de criminosos nazistas, Wiesenthal acredita que se encontra em curso uma manobra destinada a forjar a morte de Mengele e, assim, dar-lhe fôlego para prolongar a clandestinidade. "O corpo exumado no Brasil não é o de Josef Mengele e sim o de um impostor ali colocado para tirar da pista os caçadores do 'Anjo da Morte'", endossa John Loftus, ex-promotor do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que em anos anteriores participou da caçada ao médico de Auschwitz.
"A pista é fria", afirmou na quinta-feira passada Neal Sher, também do Departamento de Justiça americano. Na sexta-feira, por via das dúvidas, Sher desembarcou em São Paulo para acompanhar os trabalhos de identificação do cadáver. Depois de terem formulado ironias contra a hipótese de que Mengele morreu em 1979, tanto Wiesendial quanto o casal Serge e Beate Klarsfeld, que há anos se dedicam a buscar o criminoso nazista, julgaram melhor, no final da semana, esperar os resultados dos exames nos restos exumados no cemitério do Embu.
De qualquer forma, todos eles permanecem céticos. "Se realmente Mengele tivesse morrido, o mundo inteiro seria informado 5 minutos depois, não cinco anos depois", diz Wiesendial. "Sua mulher, os filhos, todos os parentes, além dos amigos e simpatizantes, teriam feito tudo para anunciar a morte de Mengele, para passarem tranqüilos o resto de suas vidas. Para Wiesenthal, Mengele está vivo e escondido no Paraguai - país no qual chegou a se naturalizar e onde passou a maior parte do tempo desde que sumiu da Alemanha, no final da guerra. Assim também pensa Beate Klarsfeld, que em maio passado esteve no Paraguai, sempre à procura do célebre foragido alemão. "O governo do general Alfredo Stroessner teria todo o interesse em informar que Mengele está morto se isso fosse verdade", raciocina Beate. "Assim, o país se livraria da imagem de valhacouto de nazistas."
TEORIAS EQUIVOCADAS - "É muito estranho que essa história apareça no momento em que se anuncia uma recompensa de 3,4 milhões de dólares a quem oferecer informações capazes de levar à captura de Mengele", intriga-se Beate Klarsfeld. "Além disso, Stroessner programou uma viagem à Alemanha em julho. É muito compreensível que ele tente livrar-se do fantasma de Mengele antes dessa visita." Na sexta-feira, precavido, o próprio Stroessner tratou de adiar a viagem. Em Paris, Serge Klarsfeld mostrou-se mais cauteloso que sua esposa e Wiesenthal. "Tanto pode ser Mengele como o sinal de um trabalho bem-feito", comentou. Na quinta-feira, ele ouvira de um procurador da Justiça alemã que não são poucas as chances de efetivamente ter-se encontrado o cadáver do médico nazista.
Em Moscou, a agência de notícias Tass vislumbrou os culpados de sempre: "Os Estados Unidos estão por trás dessa trama, cujo objetivo é encerrar o caso Josef Mengele", decidiu um despacho da agência soviética. Em Haifa, Israel, funcionários do Instituto de Pesquisas sobre o Nazismo suspeitam de que policiais brasileiros caíram numa armadilha montada por neonazistas e deixam claro que não confiam no delegado Romeu Tuma, por tratar-se de um policial que já exercia funções idênticas "nos tempos do regime autoritário". Também no instituto baseado em Haifa circula a tese de que o Brasil não costuma empenhar-se no cerco a fugitivos nazistas.
Ambas as teorias são equivocadas. Afinal, foram policiais brasileiros os autores da prisão em 1967 do nazista Franz Paul Stangl, antigo comandante dos campos de concentração de Treblinka e Sobibor, na Polônia, e que sob identidade falsa trabalhava na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo. Em 1978, o próprio Romeu Tuma comandou a operação que resultou na captura de Franz Wagner, responsável pela morte de milhares de prisioneiros judeus no campo de concentração de Sobibor. No caso da busca ao suposto Josef Mengele, Tuma e os demais policiais brasileiros fizeram o que lhes cabia fazer - e, também corretamente, passaram as investigações ao Instituto Médico Legal. Agora, resta esperar pelas conclusões dos exames.
LAUDO CONCLUSIVO - Ao contrário do que se supõe, é possível que o exame do esqueleto do Embu não seja suficiente para determinar com absoluta segurança que nele viveu Josef Mengele. Através de cálculos de medicina legal, pode-se estabelecer o sexo, a altura e a idade aproximadas de uma ossada. Já se sabe que na cova estava um homem. Em poucos dias se saberá sua altura, com uma margem de erro de 5 centímetros. Como Mengele tinha 1,74 metro, daí resultará um bom elemento de comparação. Os exames químicos permitirão estabelecer a idade com que a pessoa morreu, tolerando-se uma margem de erro de dois anos. Mengele, nascido em 1911, teria 68 anos em 1979. Além disso, os legistas poderão descobrir a que grupo étnico pertencia a pessoa.
Mesmo que se possa garantir que no Embu estava um homem branco, caucasiano, com pouco mais de 1,70 metro de altura e com pouco menos de 70 anos de idade, isso será certamente pouco para que termine a lenda de Mengele. Precisa-se de mais de algo que apenas Mengele tivesse. Essa curiosidade só poderá ser saciada pela comparação da única ficha dentária de Mengele, datada de 1938, com as arcadas do esqueleto do Embu. Nele foram encontrados sete dentes, quatro na arcada superior e três na inferior, um dos quais com um trabalho de restauração. A ficha de 1938 é a de um homem de 27 anos em cuja boca ainda estavam quase todos os 32 dentes. Por isso, a comparação será muito mais definitiva para provar que o esqueleto não é de Mengele do que para sustentar sua identidade. Basta que na ficha de 1938 um dente esteja assinalado por alguma restauração e que nas arcadas de 1985 esse mesmo dente esteja intacto para que se possa proclamar com certeza que o homem do Embu não é Mengele.
Embora haja a possibilidade do mistério de Mengele sobreviver ao exame dos dentes, a junção de todas as pesquisas dos legistas poderá levá-los a emitir um laudo diante do qual só não acreditará que ele era o dono do esqueleto do Embu quem não quiser. Isso porque o exame dos ossos da mão esquerda mostrará se nela ocorreu, na juventude de seu dono, uma fratura. Mengele sofreu um ferimento nessa mão e o senhor Pedro carecia de alguns movimentos com ela. Na verdade, com a ajuda de legistas americanos e alemães, o IML de São Paulo poderá ir até os limites da medicina legal de hoje - uma ciência tão avançada que ao fim da guerra do Vietnam, onde morreram cerca de 46.000 soldados americanos, um centro de análises montado no Havaí conseguiu identificar todos os corpos, exceto um, que se tornou no ano passado o Soldado Desconhecido.
MEDO E ÓDIO - Por que o casal Bossert não anunciou antes Bossert o fim de Mengele? "Tínhamos medo de sofrer perseguições ao se saber que havíamos abrigado Mengele", alega Liselotte Bossert. Na sexta-feira, ela constatou que seus temores tinham fundamento: foi demitida do Colégio Humboldt, onde lecionava há nove anos para crianças do jardim da infância e do pré-escolar. "Não queremos ser acusados de acobertar nazistas", argumenta o professor Adolfo Ernesto Gothelf Krause, 44 anos. "A demissão é irreversível", diz Krause. "Ela só voltaria a dar aulas se provasse estar inocente no caso."
Assim, Josef Mengele acabou fazendo mais uma vítima - seja dele ou não o cadáver exumado no Embu. Quarenta anos depois do fim da guerra, o médico que horrorizou o mundo com seus experimentos em Auschwitz continua a suscitar ondas de ódio e medo. Essa trajetória, por sinal, requeria um desfecho mais espetacular que a cena de Mengele morrendo quando se divertia numa tarde de verão em Bertioga. O jornalista Ottmar Katz, dono de um dos mais completos arquivos sobre o "Anjo da Morte", vê com naturalidade a eventual confirmação dessa hipótese. "Nesse caso, a história se repetirá mais uma vez", diz Katz. "Diante da imensidão dos rumores que circularam em torno da lenda de Mengele, a verdade de seu fim será surpreendentemente singela."
NA TRILHA DO CARRASCO
“Eram nove horas quando ele apareceu em frente à Casa da Crianças, pedindo auxílio. Logo vimos que era uma pessoa estranha, mas importante, pois vestia uma roupa boa e estava descalço. Pediu para ficar na entidade por dois ou três dias, já que não tinha para onde ir”. O relato de dona Irene Ribeiro Salotti, de 93 anos, presidente da instituição na época, é sobre um desconhecido que pediu abrigo na casa e lá ficou durante cinco meses e meio, na segunda metade da década de 1970, tornando-se um ajudante elogiado e bem visto pelos funcionários.
Ela só não sabia que estava abrigando o médico nazista Joseph Mengele, conhecido mundialmente como “Anjo da Morte” e responsável por experiências científicas em seres humanos no campo de concentração de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial e acusado pelas mortes de 400 mil deles. Por isso, era o homem mais perseguido do mundo, sobretudo pelas milícias secretas de Israel, que ofereciam milhões de dólares por informações sobre seu paradeiro, enquanto ele estava em Assis, cuidando da horta da Casa das Crianças.
Na memória de dona Irene, o carrasco nazista não lembra em nada o homem discreto, calado e até bondoso que tomava conta da horta e do jardim e por vezes medicava os garotos assistidos pela associação, que naquela época funcionava como internato. A convite do Diário de Assis, a ex-presidente recordou a época em que o nazista esteve abrigado na Casa da Crianças, sua rotina e hábitos.
Mengele chegou à instituição em uma manhã (dona Irene não recorda o ano exato), deixado “ao acaso”, por um carro escuro. Bem vestido, porém descalço, ele pediu abrigo por “três ou quatro dias”, já que não tinha onde ficar. A presidente e a diretora da casa, irmã Georgette, o hospedaram em um cômodo com quarto e banheiro, onde atualmente está instalado o consultório odontológico da instituição. O local fica um pouco afastado do prédio central e era onde o médico passava a maior parte de seu tempo.
O nazista, como lembra dona Irene, falava português “arrastado”, com bastante sotaque e não deu nenhuma referência de seu passado, tampouco respondia às perguntas de dona Irene e Georgette. Assim, a irmã decidiu chamá-lo de “seu Pedro”. O que era para ser uma hospedagem de três dias, se prolongou para uma estadia de cinco meses e meio, devido a uma solicitação da própria irmã, que “achou que seria útil ele ficar” na entidade.
Sua rotina era cuidar do jardim da associação, onde ele plantou uma muda de paineira, próxima ao seu antigo quarto e que hoje é uma frondosa árvore. A horta também era zelada pelo médico, que ainda cultivava morangos, vendidos e consumidos pelas crianças. No restante do tempo, Mengele costumava ler, sempre isolado em seu quarto. Solitário, ele não permitia contato direto com os funcionários e nem mesmo nas horas das refeições se juntava aos demais servidores. Conversava apenas com dona Irene e Georgette e “não tomava conhecimento de ninguém”. Quando a instituição recebia visitas, o médico costumava se trancar na despensa da cozinha e somente saía do local quando não pudesse mais ser visto. Suas atitudes despertavam a suspeita dos funcionários, que o consideravam “estranho” e desconfiavam que se tratava de alguém importante.
O nazista trabalhava em troca de abrigo e nunca aceitou pagamento em dinheiro. Nos raros momentos em que não havia funcionários na cozinha da casa, ele ensinava dona Irene a fazer chás medicinais para as crianças. Por isso, percebeu que o abrigado acumulava conhecimentos médicos, que ela própria identificou facilmente, pois é farmacêutica. No entanto, como já conhecia o “estilo calado” do hóspede, ela não fez mais perguntas relacionadas à sua vida. “Percebemos que era o jeito dele e não adiantava perguntar nada”, recordou a ex-presidente. Mesmo assim, os funcionários continuavam desconfiados com o jeito esquisito do forasteiro. “O que mais nos intrigava é que ele escrevia e recebia cartas sem que víssemos nada. Sabíamos disso somente porque às vezes ele comentava”, contou dona Irene.
Mengele surpreendeu a presidente e a diretora da instituição quando revelou que ia embora, sem especificar, no entanto, para onde. Disse apenas que “tinha compromissos” e precisaria ir embora no dia seguinte, às cinco horas da manhã. Do mesmo jeito misterioso que chegou, também desapareceu.
Irene lhe deu de presente uma camisa de linho de manga comprida, que foi recusada pelo médico. “Não quero. Fica de presente para as crianças”, teria respondido o hóspede à presidente. Naquele momento, ele beijou sua mão e agradeceu pela hospedagem. “Deus lhe pague por tudo que a senhora fez por mim. Agradeço pelo leite que tomei aqui”, teriam sido algumas palavras ditas pelo nazista à dona Irene.
Mengele foi embora no dia seguinte às quatro horas da manhã, em um carro que apareceu para buscá-lo. A cena foi vista por Georgette, escondida atrás de uma janela. Depois da ida do hóspede, a irmã e dona Irene inspecionaram o quarto do médico, em busca de materiais esquecidos, mas nada encontraram de objetos pessoais ou documentos.
A verdade sobre sua identidade foi descoberta por dona Irene somente anos depois, após a revista “IstoÉ” publicar uma foto do nazista Joseph Mengele, encontrado morto tempos antes em uma praia de Bertioga, no litoral paulista. No entanto, há indícios de que Georgette pudesse saber quem era na verdade o homem que hospedou na Casa da Criança. “Uma vez, flagrei a irmã conversando em alemão com o ‘seu Pedro’. Perguntei e ela me disse: ‘não, você entendeu errado, eu não sei falar alemão’”, revelou dona Irene. Para a ex-presidente, Georgette “desconfiava” de algo errado com o hóspede.
A morte do nazista comoveu dona Irene, que chegou a chorar quando soube da notícia. Ao ter conhecimento, porém, dos atos de seu abrigado, a ex-presidente teve uma “decepção muito grande”. “É difícil acreditar que ele fez tudo isso de mau, pois também fez muita coisa de bom”, considerou.
Em sua memória, impera ainda hoje a lembrança de uma “pessoa boa” e que ajudou a entidade. “Ele foi uma pessoa praticamente boa”, avaliou a ex-presidente, que durante cinco meses conviveu com um dos criminosos mais cruéis da história, mas que prefere manter a lembrança do ajudante calado, discreto e prestativo.
“O seu direito termina onde começa o meu”
Roberto Silo lembra que a religiosa Irmã Georgette, de origem húngara, então encarregada pela Casa das Crianças, foi quem mais proximamente conviveu com Mengele, durante sua estadia na instituição e a entrevistou, provavelmente entre 1984 e 1985, quando então dirigia o Asilo São Vicente de Paulo, onde recebeu Silo e Kiko Roselli, depois de constantes apelos.
Então, se travou o seguinte diálogo entre o repórter e a religiosa (reprodução de memória):
- Irmã,
ARQUIVOS VIVOS
O caso Mengele: novos mistérios
Por Deonísio da Silva em 23/11/2004
Os papéis esquecidos na Polícia Federal, em São Paulo, que levaram à descoberta de mais documentos sobre o criminoso de guerra Joseph Mengele, que morreu afogado em Bertioga, em 1979, sem jamais prestar contas de seus atos, levantaram mais um dos muitos véus que cobrem a atuação dos nazistas na América do Sul, especialmente no Brasil, na Argentina e no Paraguai.
Nos próximos dias e nas próximas semanas, enquanto o assunto está quente, seria de bom tom que os editores pautassem bons repórteres para aprofundar o quadro. São alarmantes os indícios de que documentos reveladores de verdades terríveis jazem em escaninhos insólitos. Ainda insuficientemente estudados, demandam pesquisas sérias. E a imprensa tem função inescapável de mexer no abelheiro. Certamente também haverá quem agora possa falar o que tanto tempo calou.
Quem sabe, como ocorreu a Uki Goñi, jovem repórter do Buenos Aires Herald, jornal dedicado à comunidade britânica, que se interessou por entender os mecanismos e o modo de operar da ditadura militar argentina, algum repórter venha a desencavar os fios que faltam para esclarecer enigmas restantes.
Goñi alude a 304 campos de detenção na Argentina, responsáveis pelo desaparecimento de 8.956 pessoas, entre as quais 1.296 de etnia judaica. Isto é, mesmo sendo pequena comunidade – os judeus eram menos de 1% da população – eram judeus 12% do total de desaparecidos, eufemismo demoníaco para aglutinar sob a rubrica pessoas mortas sob tortura ou simplesmente executadas, às vezes à revelia de ordens superiores, outras vezes a mando cifrado.
Goñ trabalhou seis anos compulsando arquivos em dois continentes. Dos 480 criminosos de guerra que chegaram à Argentina, ele identificou quase 300 deles. (Ver A verdadeira Odessa, Editora Record, R$ 59,90).
São igualmente imperdíveis as matérias da Folha de S. Paulo dos dias 21 e 22 deste novembro. O leitor tem o direito de ficar assustado com o que pode ser concluído: uma rede de cúmplices, muito eficiente, permitiu que um criminoso de guerra somente viesse a ser identificado depois de morrer afogado em Bertioga. E assim mesmo graças a um esforço descomunal de busca da verdadeira identidade. Ainda que – sublinhemos – paire alguma controvérsia sobre se aquele era de fato o cadáver de Joseh Mengele. Mas quem teve competência para o ato inaudito certamente não praticou exclusivamente a tarefa de ocultar Mengele.
Escrevi um romance sobre o tema do neonazismo no Brasil meridional -- Orelhas de aluguel (Editora Siciliano) – e sempre guardei comigo a secreta convicção, nascida da intuição de ficcionista, que havia mais coisa em certos bastidores ainda indevassáveis nos anos oitenta, quando escrevi o romance. O texto de Ana Flor e Andréa Michael, pela gravidade do que traz, merece releitura e reflexão mais demorada. Aguardemos os desdobramentos. O assunto é pertinente e quentíssimo. Não será surpresa se encontrarmos nos arquivos dos anos pós-64 ligações que esclareçam certas pendências ainda muito obscuras.
Segue o texto da Folha de S. Paulo (22/11/2004).
Após viver 26 anos longe da Europa, 14 deles no Brasil, o médico nazista Josef Mengele quase retornou para a Áustria em 1974. A tentativa de voltar para perto da família e de seu país -não concretizada e que fez o médico ficar no Brasil até sua morte por afogamento, em 1979- pode ser percebida nas cartas recebidas por Mengele e que foram apreendidas entre os 85 documentos esquecidos na sede da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo.
Os documentos, cuja existência foi revelada ontem pela Folha, mostram detalhes inéditos sobre Mengele, chefe do serviço médico do campo de concentração de Auschwitz (Polônia) de 1943 a 1945. No campo, Mengele usou prisioneiros como cobaias em experimentos pseudo-centíficos.
A maior parte das mais de 20 cartas escritas a Mengele apreendidas pela PF são do amigo Wolfgang Gerhard, cujo nome Mengele usava no Brasil. Austríaco, Gerhard esteve nos quadros do partido nazista. Nunca foi um fugitivo de guerra, mas decidiu morar no Brasil após a Segunda Guerra Mundial por não concordar com a política imposta pelos aliados.
Em uma carta de quatro páginas escrita em novembro de 1974, Gerhard, que havia voltado para a Áustria em 1971, aconselhava Mengele a fazer o mesmo o quanto antes, "antes que esteja muito velho para a viagem". O amigo dizia ainda que, na Europa, Mengele poderia se tratar e ser operado.
Segundo biografia publicada em 1986, Mengele ficou doente em 1972. Por causa da tensão de estar em constante fuga, ele desenvolveu o hábito de morder a ponta do seu bigode. O costume fez com que uma bola de cabelo obstruísse seu intestino, que lhe causava grande dor. Mengele chegou a procurar um hospital no Brasil, apesar do risco.
Na carta, Gerhard relatava ainda com detalhes a doença da mulher, Ruth, que sofria de câncer. Escreve sobre dificuldades financeiras e de uma viagem de tratamento feita a Beirute (Líbano).
A longa explanação sobre a falta de dinheiro parece ser uma forma de explicar ao amigo no Brasil a razão da impossibilidade de lhe enviar dinheiro. Nesta época, segundo cartas enviadas por Mengele, o médico já vivia uma difícil situação financeira.
Gerhard conheceu Mengele no Brasil. Antes de voltar para a Europa, deixou com o nazista seus documentos de identificação. Mais tarde, teria voltado ao Brasil para renovar os documentos.
Gerhard chegava a dizer a Mengele que a ida para a Áustria não era tão difícil como poderia imaginar, e que insistia na idéia porque "jamais daria um conselho que prejudicasse o amigo".
Gerhard quase sempre começava suas cartas referindo-se ao médico como "Lieber Alter" (querido velho), expressão que mostra a proximidade dos dois.
Dos quatro laudos produzidos pela polícia na época, o de número 09516 assinala a análise dos registros manuscritos e mecanografados encontrados entre os pertences de Mengele. Na página 35, está a confirmação da autoria das cartas que o nazista recebeu do amigo Wolfgang Gerhard.
O laudo informa que "a identificação [dos escritos encontrados entre os pertences de Mengele] se deu graças aos exames preliminares realizados entre as assinaturas constantes nos documentos (carteira de identidade para estrangeiro, carteira profissional e carteira Nacional de Habilitação) apreendidos, em nome de Wolfgang Gerhard, adulterados quanto às fotografias neles constantes, que serão objeto de laudo próprio, e aquelas lançadas nos documentos (missivas) com os números 16, 23 e 28, possibilitando, assim, a individualização gráfica do punho de Wolfgang Gerhard também para os documentos com os números 15, 17 a 22, 24 a 27, 29 e 30, bem como lançamentos manuscritos apostos nos documentos mecanografados de número 40".
Vida abastada
Durante quase toda a vida, Mengele viveu longe de apertos financeiros. Seu pai, Karl, era dono de uma empresa de equipamentos agrícolas. Quando, em 1948, Mengele decidiu sair da Alemanha, foi seu pai quem teve a idéia mandá-lo para a Argentina.
Com bons contatos no país sul-americano, Karl viu a possibilidade de Mengele ser seu representante nos negócios, o que deu ao nazista uma vida confortável para um fugitivo. Anos depois, no Paraguai, Menguele já não dispunha de recursos como antes. Sua situação tornou-se crítica no Brasil, por volta de 1974, quando precisou vender o apartamento que tinha em São Paulo -e cujo aluguel era vital- para comprar documentos falsificados.
A partir da mesma época, as quantias que precisava pagar pelo silêncio de quem conhecia sua verdadeira identidade passaram a ficar mais pesadas. Anotações de 1976 em excertos de um diário manuscrito mostram que Mengele passou por momentos em que faltou dinheiro para pagar a gasolina necessária para uma viagem de carro ao Rio de Janeiro.
Sua volta para a Europa, em uma provável tentativa de se esconder com Gerhard na Áustria, era ainda mais difícil. Além dos documentos falsificados de maneira bastante imperfeita, havia a falta de dinheiro para a viagem. (Ana Flor e Andréa Michael, Sucursal de Brasília.)
A Argentina e os nazistas
A história do bispo inglês Richard Williamson que negou o holocausto e ontem foi deportado da Argentina é apenas a ponta de um iceberg. A relação Argentina-nazistas-judeus vem de muito antes, dos anos 30, 40 e 50.
Para se estabelecer no período 1943-1946, o presidente Perón incluiu seu amigo pessoal e empresário Rodolfo Freude entre os conselheiros econômicos do peronismo. Rodolfo Freude era reconhecidamente ligado as teorias nazistas, e isso foi refletido no período, quando a Argentina passou a permitir a entrada de capitais de industriais alemães após a batalha de Stalingrado, em 1943.
Depois, seu filho Rodolfo "Rudy" Freude assume cargo de secretario no governo, permitindo a entrada de milhares de criminosos e colaboracionistas nazistas à Argentina. Não só Alemanha, mas da Polônia, Croácia, França, etc.
Em 1947 é lançado o primeiro plano quinquenal, que incentiva a boa imigração, que permite a chegada dos últimos cientistas nazistas não absolvidos pelos aliados. Von Braun, cientista nazista que criara a bomba voadora B-2, tendo trabalhado depois na Nasa, veio à Argentina. Vários como Von Braun, tiveram suas penas diminuídas em Nuremberg. A intenção da Argentina era atrair esses cérebros a partir de 1947, depois de quatro anos atraindo capital.
Carlos Fuldner funda uma empresa em 1948 e abre para a chegada de nazistas, lançando licenças aos montes. Foi um ótimo negócio para ele, Fuldner, e para os nazistas recém-chegados, como Eichman.
Na mesma época, Perón concedeu documentos para tornar legais todos os imigrantes. Milhares de nazistas se regularizaram, como Otto Papper, que voltou a utilizar seu nome original, após alguns anos de clandestinidade na Argentina. Mengele é outro que regulariza seu nome. Ele chegou à Argentina com uma mala com tipos sanguinios e experimentos de Auschwitz.
Em 16 de setembro de 1955, as Forças Armadas, lideradas pela Marinha, promoveram a revolução libertadora e retiraram Perón do poder. Os militares contavam com a ajuda da Igreja, que passou a apoiar o golpe pouco antes, em março daquele ano, quando Perón lançou uma série de projetos como lei do divórcio, separação da Igreja e Estado.
A proteção militar, contudo, continuava efetiva aos criminosos. Logo após a queda de Perón, Adolf Eichman, que utilizava o nome de Ricardo Klement, assume cargo na Mercedes-Benz na Província de Buenos Aires.
A partir de 1956, o Estado de Israel já estava equilibrado e estabelecido. Com o apoio dos Estados Unidos, passa a colocar seu serviço de inteligência e espionagem para procurar os nazistas que viviam e trabalhavam na América Latina. O foco especial era, claro, a Argentina, um berço de refugiados.
Uma denúncia anônima de um colega de trabalho de Ricardo Klement (Eichman) ao serviço EUA/Israel no início de 1960 provocou uma prática nada ortodoxa. Os israelenses entraram na Argentina e sequestraram Eichman, entre abril e maio de 60, levando-o a Israel. Lá ele seria julgado e condenado à morte pelos crimes dos anos Hitler na Alemanha. Seria morto em 31 de maio de 1962.
A vida dos nazistas na Argentina funcionou normalmente nas décadas de 40, 50 e 60, a não ser pelas incursões dos israelenses ou por políticas da Alemanha (que depois de 45 seria dividida entre os ocidentais e a União Soviética). Em novembro de 1956, após anos de tranquilidade na Argentina - mesmo com as turbulências internas que depuseram Perón um ano antes - um alemão clandestino deu entrada em sua embaixada com nome verdadeiro: Joseph Mengele. Por quase três anos isso não gerou problemas a ele, que continuou levando a vida na Argentina com sua situação normalizada com a Alemanha. Em setembro de 1959, no entanto, a República Alemã pediu sua extradição à Argentina.
Lernforum Deutsch, Bonn
Jornal do Brasil 06/10/2002
América do Sul: alvo nazista
Embaixador revela que partes do Brasil e do Chile seriam dominadas pelos alemães
Denise Assis
Especial para o JB
Não tivessem os aliados derrotado Adolf Hitler, pondo um ponto final à Segunda Guerra Mundial, e a América do Sul, hoje, teria outra feição. Os 13 países do continente seriam transformados em apenas cinco, sendo que a Argentina - país, na época, com muitos simpatizantes do nazismo - teria primazia sobre os demais.
O Brasil cederia a parte sul, onde se encontrava uma das maiores colônias alemãs da época. Gigante pela própria natureza, como nos versos do hino, o país da região com maior território se veria submetido a uma nova linha geopolítica determinada pelos arianos.
A revelação foi feita, esta semana, pelo embaixador Sérgio Corrêa da Costa, no Rio. Para comprovar a informação, dada após 60 anos de silêncio, ele exibiu também um mapa apreendido pelo British Security Coordination (serviço secreto inglês) em 1941, na Rua Paissandu, no Flamengo, próximo ao consulado alemão.
O mundo, então, estava em guerra e o Brasil era alvo de americanos - que sonhavam estabelecer aqui bases militares - e nazistas, cujo espírito expansionista não tinha limites. Apesar de uma simpatia inicial pelos arroubos nazistas, o Brasil acabou optando pelos americanos, em troca da instalação da Companhia Siderúrgica Nacional.
O que não se sabia, até então, era a amplitude da volúpia de Hitler com relação à América do Sul. Pelo mapa da cúpula nazista, o Chile praticamente desapareceria, ficando restrito à sua atual Região Norte. A Venezuela se fundiria à Colômbia, dando origem a um país chamado Newspanien (Nova Espanha).
A queda do espião portador da nova carta da América do Sul, no Rio, diz o embaixador, foi mais um dos fatores para que o presidente Franklin Roosevelt decidisse pela entrada dos EUA na guerra. O governo americano passou a se preocupar com a situação do Brasil:
-Por ser um imenso celeiro de recursos naturais, e por ter uma importante parcela de sua população de origem alemã - observa o embaixador, acrescentando que a maioria das escolas de Santa Catarina era mantida pelos alemães.
Adolph Berle - secretário de Estado assistente, encarregado da ligação com o FBI e com os serviços militares de informação - previu o ataque partindo da Noruega em direção aos Estados Unidos e um outro visando ao Brasil. Por isso, o chefe da missão militar americana no Rio, coronel Lehman Miller, solicitou o alto comando brasileiro a criar um serviço secreto para vigiar os súditos do Eixo.
Contemporâneo de tudo isso, Sérgio Corrêa da Costa, 81 anos, contou em entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil, que acompanhou decisões políticas e militares não apenas como funcionário do Itamaraty - na época lotado no Arquivo Histórico de Buenos Aires - mas também como jovem irrequieto, que por não ter chance de ser convocado para o front, pela função que desempenhava, fez ''uma guerra particular''.
Perguntado se isso queria dizer que atuou como espião pelos aliados, Corrêa da Costa assentiu. Os olhos faiscaram e, com o ar de quem fez uma viagem no tempo, protestou:
-Você acabou de me arrancar um segredo de mais de 50 anos, que não revelei nem para a minha mulher.
Pudera. Suas peripécias como espião incluíam encontros furtivos em cinemas, teatros e restaurantes, com eventuais colaboradoras dos serviços inglês e americano, onde as informações eram passadas sob a forma de cochichos.
· Se fosse meu superior e soubesse metade do que aprontei, me demitia. Fiz loucuras pela causa.
Diplomata guardava segredos de guerra
A primeira missão do embaixador Sérgio Corrêa da Costa no exterior foi em Buenos Aires. Ele que ao longo da vida serviu em Londres, Nova Iorque e Washington, chegou à capital Argentina aos 20 anos, logo após o golpe de que já participara o coronel Juan Domingo Perón, e que havia deposto o governo civil. Os militares, que não escondiam suas simpatias pela Alemanha nazista , assumiram o controle total.
Apesar de suspensas as relações com o Brasil, o Itamaraty o fez partir para lá, onde conheceu uma figura de expressão da política local, o secretário-geral do Ministério das Relações exteriores, José Embrioni. Dos almoços e conversas reservadas com a alta patente surgiram revelações que o então simples funcionário do Itamaraty achou por bem registrar em diário.
Logo a brochura estava recheada de segredos militares e de guerra. Um dia Sérgio concluiu que, sem poder publicar uma linha sequer do que anotava, acabaria refém daquele caderno. E se fosse roubado? Fez chegar ao Itamaraty as informações que julgou importantes e o incinerou. Desde então, deixou de tomar notas de fatos que presenciou e marcaram a história contemporânea, como o assassinato acontecido a cinco metros dele, do colombiano Jorge Eliezer Gaitán, em 1948, a quem o embaixador descreve como um misto de Getúlio Vargas e Luiz Carlos Prestes.
Apesar de ter estado sempre na cena de episódios cruciais, Corrêa da Costa furtou-se de anotá-los e de escrever suas memórias. Hoje, aos 81 anos, revê a decisão.
- Menos de 10 minutos depois da minha saída, o tempo de alcançar o Hotel Metrópole, que ficava a uma quadra, o palácio presidencial foi arrasado - recorda.
Autor de livros como Palavras sem Fronteiras, e Brasil, Segredo de Estado, lançados pela Editora Record em 2001 e já na quarta edição, Sérgio Corrêa da Costa é membro da Academia Brasileira de Letras. Agora, prepara-se para mudar-se de Paris para o Rio.
Mapa reduzia o Brasil
Descoberta foi citada por Roosevelt
O registro de ocorrência da apreensão do mapa elaborado pelos nazistas e que daria uma nova feição à América do Sul era sucinto: ''Funcionário alemão seguido por agentes ingleses sofreu um acidente. Sua pasta foi tomada e aberta. Dentro dela encontrava-se um mapa da América do Sul''. O embaixador Sérgio Corrêa da Costa conta que teve acesso ao exemplar, do qual tem uma cópia pendurada na parede de sua sala, em Paris.
- O sujeito sofreu um discreto esbarrão na calçada da Rua Paissandu e teve morte instantânea. Quem esbarrou recolheu discretamente sua pasta, bem ao feitio das ações dos funcionários do British Security Coordination (BSC).
Era a seguinte a proposta de redistribuição territorial nazista para a América do Sul, em caso de vitória:
1- O Brasil perderia os Estados da Região Sul do país, no novo desenho do continente.
2- A Argentina absorveria o Uruguai, o Paraguai, toda a parte baixa da Bolívia e um corredor para o Pacífico na altura de Antofagasta; com isso, o território do país vizinho se estenderia em direção à Amazônia, indo muito além de Corumbá.
3- O Chile perderia sua parte inferior, e incluiria o restante do Peru e da Bolívia.
4- Surgiria a Nova Espanha, formada pela Colômbia, Venezuela e Equador, mais o Panamá e a Zona do Canal.
5- As três Guianas seriam unificadas. O mapa foi mostrado ao presidente Roosevelt, que o citou em discurso irradiado em 27 de outubro de 1941.
''Os peritos geógrafos de Berlim obliteraram brutalmente todas as linhas divisórias para reduzir a América do Sul a cinco estados vassalos, todos sob dominação alemã'', protestou o presidente americano, durante discurso em Washington.
Soube-se depois, que a própria Gestapo havia investigado o incidente. Havia apenas dois exemplares desse mapa. Um no cofre de Hitler, outro confiado ao embaixador alemão em Buenos Aires, Von Thermann. A culpa do vazamento foi atribuída a Gottfied Sandstede, antigo adido civil da embaixada germânica e membro proeminente no partido nazista argentino. O funcionário alemão pagou muito caro por reproduzir o mapa.
Acabou assassinado em Buenos Aires por seus próprios homens.
Wir danken der Botschaft von Brasilien für die Überlassung dieses Artikels.
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Mengele fugiu, indo se tornar nômade por um tempo, até entrar no Brasil, de maneira clandestina. Morreu nos anos 80, de ataque cardíaco, numa praia brasileira. Teria sido mantido pelo Estado alemão até alguns anos antes de sua morte.
Postado por João Villaverde às 13:20
Marcadores: Alemanha, América Latina
COMENTÁRIO DO DONO DO BLOG
Mengele lecionou medicina aqui em Porto Alegre, usava nome falso, e ensinou muitas técnicas de transplantes de orgãos para médicos aqui de minha cidade, é claro as custas de muitas vidas humanas(cobaias) entre elas muitas crianças que eram mutiladas e assassinadas pelo carrasco nazista, sim tudo pelo bem da Ciência como estes satanistas afirmam para justificar seus genocídios, os porões da UFRGS e da PUCRS que o digam.
Documentos inéditos reconstituem os passos de Josef Mengele na América do Sul e mostram como ele usou a identidade real na Argentina, no Uruguai e no Paraguai.
Como exigia a lei no Uruguai, em 1958, um singelo proclama de casamento foi publicado no jornal do povoado de Nova Helvécia, a 120 Km de Montevidéu. O oficial Pedro Izacelaya anunciou o nome dos noivos e recomendava: quem soubesse de algum impedimento contra a união deveria denunciá-lo durante os oito dias de divulgação do registro, a contar de 17 de Julho.
Casariam-se Marta Maria Will e Josef Mengele. Ela viúva e dona de casa. Ele divorciado, médico, nazista e torturador sádico, responsável direto pela morte de ao menos 3 mil pessoas em experimentos bizarros no campo de extermínio de Auschwitz.
Ninguém apresentou obstáculos. E Mengele retomou a rotina tranqüila de empresário bem sucedido em Buenos Aires. Até que a Alemanha pedisse a sua extradição em 1959, o homem que mereceu ser chamado de Anjo da Morte sobreviveu na barbas de autoridades alemãs, argentinas, uruguaias e paraguaias incólume. E feliz.
Gunzburg é um vilarejo ao sul da Alemanha. Parece pintado a mão. Ali a família Mengele é reverenciada. Em 1907, Karl Mengele comprou uma fábrica de máquinas agrícolas e faria dela uma das maiores da Europa. Sob novos donos, existe ainda hoje, batizada Mengele Agrartechnik. Boa parte dos moradores esta empregada lá.
Há 100 anos, em 16 de março, Karl e a esposa, Walburg, tiveram o primeiro de três filhos, Josef. Karl esperava que o primogênito, assumisse os negócios e perpetuasse a dinastia”, afirmam Gerald Posner e Jonh Ware em Mengele: The Complete Story (sem edição no Brasil). Mas o ambicioso Josef Queria construir sua própria fama. Dizia que todos ainda veriam seu nome na enciclopédia.”
O rapaz estudou medicina e antropologia nas universidades de Munique e Frankfurt. Em 1937, já formado descolou uma vaga no Instituto para Hereditariedade , Biologia e Pureza Racial da universidade de Frankfurt e filiou-se ao partido nazista. No ano seguinte, ingressou na SS, que administrava os campos de extermínio.
Casou-se pouco depois com Irene Schoenbein, mãe de seu único filho, Rolf. Entre 1939 e 1942. Mengele lutou no front oriental e recebeu cinco medalhas por bravura.
O emprego que, enfim, o colocaria na enciclopédia veio em 1943: um posto de médico em Birkenau, parte do complexo de Auschvitz, na Polônia. O sempre elegante doutor ganhou sinal verde para realizar atrocidades “em nome da ciência’. Era parte de sua função selecionar os presos recém chegados. Em segundos, analisava as feições de cada um e mandava-os as fileiras da direita ou da esquerda: trabalho escravo ou a morte. Assim teria determinado a execução de 200 mil a 400 mil pessoas.
Um terceiro destino era reservado a certos prisioneiros, sobretudo os gêmeos: servir de cobaia em testes cruéis. O jornalista Bem Abraham, 86 anos, lembra-se muito bem daquele homem de macabra imponência. “Mengele liderava a junta médica que fez a seleção de meu grupo. Era o Anjo da Morte mesmo. Ele decidia com um polegar quem iria para os fornos crematórios e quem seria usado nas experiências.
Nunca vou esquecer.” Abrahan conseguiu escapar e mora no Brasil. Perdeu a mãe ali. Outros sobreviventes recordam como ele, á primeira vista, muito bem educado e galante, “desarmava suas vítimas.
Não há consenso sobre onde Mengele viveu logo após o fim da Segunda Guerra. O Exercito Vermelho invadiu Auschwitz e libertou 7,6 mil prisioneiros em 27 de janeiro de 1945.
Nazistas como Adolf Eichmann e Erich Priebke seguiram rotas semelhantes, mas Mengele tinha um diferencial. Ele sempre viveu como um milionário, diz o historiador Argentino Carlos de Nápoli, que investiga a trajetória do carrasco há trinta anos.
O médico se amparava na fortuna do pai – multiplicada durante o nazismo graças a mecanização da agricultura e depois na reconstrução do país. Para ajuda-lo, Karl entrou em contato com Jorge Antonio, braço direito de Perón e homem de confiança dos alemães no Rio da Prata. Argentino de origem Síria, el Turco enriqueceu noa anos de 1950 usando seus vínculos com o poder, a ponto de se tornar presidente da filial argentina da Mercedez Benz e sócio de dezenas de outras empresas.
A Mercedes ajudou vários nazistas, a exemplo de Eichman. Mengele, porém não precisou de emprego. Criou suas próprias empresas com o dinheiro paterno. Os investimentos foram feitos por meio do empresário alemão radicado na Argentina Roberto Mertig, dono da fábrica de fogões Orbis. Uma das firmas que ele montou foi a Tameba (sigla em espanhol de Oficinas Metalúrgicas de Buenos Aires). “Ele fabricava hastes de torneira e vendia para Eichmann, que nessa época, trabalhava na industria de sanitários FV, do alemão Franz Viegener”.
O Carrasco levava uma vida social regular na capitalo do Tango(onde esta curiosamente, a maior comunidade judia da América Latina. A ponto de fazer parte de um grupo que jogava Bridge no qual havia judeus, relata Gerald Astor em Mengele O Ultimo Nazista. Ele se sentia tranqüilo sabendo que havia uma rede de proteção no Estado. E ela continuou mesmo após o golpe contra Perón, em 1955, afirma Sergio Widder, diretor do Centro Simon Wiesenthal.
Em 1956, um novo negócio, o laboratório Fradofarm(fábrica de drogas farmacêuticas). E voltou a ser Josef Mengele. Na embaixada alemã, deu o nome e endereço e pedou uma cópia da certidão de nascimento. Com ela, obteve uma cédula de identidade argentina.
O nazista saiu do armário(teve até o nome na lista telefônica) para garantir sua participação na herança da família. A essa altura, seu pai estava á beira da morte e ele precisava recuperar seu nome. ‘Se continuasse como Helmut Gregor, não receberia nada. Assim o segundo passo foi retomar a identidade”Diz De Nápoli. O seguinte seria se casar com a viúva do irmão mais novo, Kal Jr.
Sim, Marta Maria era sua cunhada. Chegara a Argentina com o filho, Karl Heinz, em 1956. Como divorciados não podiam se casar no país, Mengele foi com ela ao Uruguai. Com as bênçãos de Karl pai, ambos garantiram que os bens da família não se dispersassem.
Em maio de 1985, a policia alemã fez uma busca na casa de Hans Sedlmeier, que havia sido procurador da empresa de maquinas dos Mengeles, em Gunzburg, e encontrou cartas escritas por Josef Mengele e remetidas do Brasil pelos Bosserts. O delegado Romeu Tum, superintendente da PF, foi informado e interrogou o casal. Eles disseram que encobriram Mengele entre 1970 e 1979. Em fevereiro daquele ano, já com a saúde debilitada, o médico foi a convite deles passear em Bertioga, no litoral paulista... E teria se afogado, talvez vítima de um derrame. No boletim de ocorrência, o morto é o austríaco Wolfgang Gerhard. Na verdade, esse era o nome do sujeito que apresentou Mengele aos Bosserts.
A tumba de Mengele, revelaram os Bossert, estava no cemitério do Rosário, em Embu, Grande São Paulo. Uma equipe de legistas exumou os restos do corpo, em junho de 1985, e concluiu que eram do nazista. Em 1992, um exame de DNA confirmou a descoberta. A analise utilizou uma amostra de sangue de Rolf, filho do carrasco, e foi conbduzida pelo geneticista britânico Alec Jonh Jeffreys. Sete anos antes Rolf dissera não ter percebido no pai, na visita a São Paulo, nenhum sentimento de culpa ou remorso.
Marco Antonio Veronezi, ex diretor regional da PF, recorda a expectativa mundial que havia em torno do cadáver achado em Embu. Estranhamos o fato de conhecidos de Mengele aparecerem anos após a morte, para falar da ossada. Bem Abrahan sempre duvidou da ossada. Aponta há anos uma série de incongruências, inclusive entre o corpo e a ficha médica do nazista na SS. Para ele o médico fabricou um sósia.
Para Carlos De Nápoli, a “farsa’ dos restos no Brasil foi criada, mais uma vez, para fins econômicos. A Fradofarm não foi vendida e seus testas de ferro, Ernest Timermann e Heinz Truppel, iam até a Alemanha para prestar contas.
A família nunca requisitou o corpo.
De todo o material publicado pelo criminoso nazista Josef Mengele a partir de 1960, quando ele se tornou conhecido do grande público, após a chegada á Argentina do pedido de extradição feito pela republica federal da Alemanha, destaca-se o enrome valor documental da autobiografia de Miklos Nyisxli, prisioneiro judeu que foi assistente de Mengele em Auschwitz, Médico o autor realizava autopsias das vítimas mortas em vários experimentos e enviava os resultados a um endereço: Berlin Dahlen, Institut Fur Rassenbiologische Forschunagen(...) Um dos institutos mais famosos do mundo.”
Em outro trecho, diz: “Os gêmeos morreram na mesma hora. Agora jazem aqui, sobre minha mesa para dissecação dos cadáveres. Graças a sua morte, agora será possível analisa-los por meio de uma autópsia e descobrir o segredo da multiplicação humana. O grande objetivo dessas investigações é, de fato, a multiplicação raça superior. Trata-se, exatamente de colocar uma mãe alemã em condições de criar sempre gêmeos no futuro. Esse plano é uma loucura! Foi promovido pelos loucos teóricos da raça do Terceiro Reich. E, para as pesquisas necessárias, encarregam o doutor Mengele(...) Esse criminoso é capaz de passar horas comigo entre microscópios e fármacos, ou de estar na mesa de anatomia, com o jaleco sujo de sangue, observando e tocando com as mãos, também sujas de sangue. Trata-se da multiplicação da raça germânica: o objetivo final é que haja alemães suficientes para repovoar os territórios chamados de Lebensraun, ou seja espaço vital do Terceiro Reich, depois de deixa-los limpos da presença de checos, húngaros, poloneses, holandeses e outras populações. Nyiszli conseguiu obter, com os resultados das autópsias que podia analisar, uma aproximação bastante certeira dos planos finais dos nazistas. No entanto como muita gente, nunca conseguiu compreende-los em sua real extensão.
Isso se deve a que, por motivos políticos, o verdadeiro ideólogo racial do nazismo, o argentino Ricardo Walther Darré, passou como um fantasma pelas páginas da História. Darré foi a primeira pessoa a levar á prática as idéias raciais nazistas, impondo aos integrantes da SS, desde 1929, todo o tipo de restrição a sua admissão. Rambém fundou a Rusha, sigla em alemão de Escritório Central de Raça e Reassentamento.
FONTE DE PESQUISA:
Revista Aventuras na História Editora Abril, matéria de Eduardo Szklars, resportagem de Eduardo Cordeiro.
A ciência, do infinito passado ao infinito futuro, esta sempre no estado do presente. Rodrigo Veronezi Garcia é Blogueiro e estuda sobre Mitologia, Religião, História, Ciências Ocultas, Parapsicologia, Ufologia, Geo Política, Arqueologia.https://www.facebook.com/RodrigoVeroneziGarcia https://www.youtube.com/user/rodrigo29704 http://rodrigoenok.wordpress.com/ https://pt.gravatar.com/rvg1973 br.linkedin.com/pub/rodrigo-veronezi-garcia/59/55b/251 https://twitter.com/rodrigoenok https://plus.google.com/u/0/b/102085412413409116922 https://plus.google.com/+RodrigoenokBlogspotrodrigoveronezigarcia https://plus.google.com/u/0/+RodrigoVeroneziGarciarodrigoenok |
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