A REBELIÃO DE LÚCIFER "O ANJO DECAÍDO SEGUNDO JAKOB LORBER"



















Nessas linhas, Isaías resume a história da rebelião de Lúcifer, ‘filho da aurora’, e de sua queda, que deu origem ao conflito entre os anjos que eram fiéis a Deus e aqueles que se aliaram ao rebelde. É um mito que fascinou poetas como Dante e Byron.
Segundo Orígenes, existiam ainda alguns ‘anjos hesitantes’, em dúvida quanto ao partido que iriam tomar, se o de Deus ou o de Lúcifer. Foi dessas criaturas hesitantes e irresolutas, situadas permanentemente entre o bem e o mal e incapazes de chegar a alguma decisão definitiva, que alguns imaginam ter-se originado a raça humana.
Quando ocorreu essa divisão? Deve ter sido antes de Deus ter posto Adão e Eva no jardim de Éden, pois quando eles chegaram o ‘tentador’ já estava lá, alerta e pronto para agir. Por outro lado, porém, depois de ter completado a criação e antes de descansar no sétimo dia, Deus viu que tudo que tinha criado ‘era bom’. Isso significa que a rebelião ainda não tinha ocorrido.
A Bíblia não tem nenhum relato detalhado dessa rebelião contra Deus, embora encontremos breves referências no Antigo e no Novo Testamento, em particular, como vimos, em Isaías. No Apocalipse de João, afirma-se que Lúcifer conquistou um terço das estrelas do céu: “apareceu no céu outro sinal: e eis um grande dragão cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres e sobre as cabeças sete coroas. A cauda varreu do céu a terça parte dos astros e os precipitou sobre a terra (...)” (Apocalipse 12, 3-4).
Outro trecho da Bíblia: “Quando os homens começaram a multiplicar-se na terra e tiveram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram bonitas, escolheram para mulher as que entre elas mais lhe agradavam" (Gênesis 6,1-2). Isto sugere outro motivo possível para a queda dos anjos e sua perdição. E esses anjos que se deitaram na terra com as filhas dos homens ficaram cada vez mais malvados. Isto enfureceu Deus, que decidiu exterminar todos eles, com exceção de Noé. Essa é a história do dilúvio. Esta segunda tradição, como vimos, também se encontra no apócrifo Livro de Enoque, embora não faça menção a Lúcifer. Assim, continua a ser um mistério seu relacionamento com aquele a quem são Paulo se refere em sua Epístola aos Efésios (2, 2) como o ‘príncipe do poder’. Contudo, Ezequiel diz o seguinte a seu respeito:
“(...) Tu eras um modelo perfeito, cheio de sabedoria, a perfeita beleza. No Éden, no jardim de Deus, te achavas. De todo o tipo de pedras preciosas era o teu manto: cornalina, topázio, berilo, crisólito, ônix, jaspe, safira, granada e esmeralda. Teus engastes foram trabalhados em ouro, preparados no dia em que foste criado. Com um querubim protetor eu te havia colocado (...) Com teu intenso comércio, encheste teu interior de violência e pecaste (...) Teu coração se tornou soberbo por causa de tua beleza, corrompeste tua sabedoria por causa de teu esplendor (...)” (EzequieI28, 12-17).
Lúcifer, ‘o portador de luz’, foi o mais perfeito, o mais esplendoroso dos anjos que Deus criou para Sua glória. Mas não conseguiu continuar a desempenhar esse papel, e desejou governar os céus no lugar de Deus, ser a autoridade suprema. Cometeu o pecado do orgulho e tentou se apropriar daquilo que não lhe pertencia.
Se analisarmos bem, veremos que esse é o mesmo motivo de luta entre os próprios seres humanos. O conflito que se iniciou no céu prossegue na terra e envolve a todos, entra dia, sai dia. É o poder do bem contra o do mal, e tem tido lugar desde o princípio dos tempos — até hoje, exceto pela promessa que temos de que os poderes do mal não triunfarão.
A existência do Diabo é parte integrante da doutrina da Igreja Católica. Foi reiterada por vários papas e, com certa freqüência, tem sido tema de discussão entre os fiéis. Resumindo essa doutrina, o monsenhor Corrado Balducci, que dedicou muitas horas de estudo profundo ao diabo, diz em seu livro Le possessione diabólica.
Satã é, antes de mais nada, uma criatura de Deus, tal como o homem, embora dotado de poderes e de uma natureza muito superiores. Mais precisamente é um anjo decaído.
Mesmo os anjos, antes de poderem desfrutar da eterna beatitude, foram postos à prova. E uma boa parte deles se rebelou, embora não tenham tido — como os humanos — a possibilidade de redenção, pois estavam plenamente conscientes de sua condição e da posição da divindade. Desde aquele momento fala-se em demônios e inferno.
Enquanto os anjos usam seu poder com propositos positivos, os demônios os usam com fins maléficos e perversos, pois estão cheios de odio por Deus e pelos seres humanos. O senhor teve o poder de mandar todos os anjos rebeldes para o inferno, privando-os assim de qualquer oportunidade de fazerem o mal. Em sua infinita sabedoria e bondade, porém, permitiu que muitos deles permanecessem sobre a terra e exercessem seus poderes maléficos; contudo, apesar da vontade deles, os demônios representam um incentivo e um meio para se atingir a perfeição moral. Neste sentido, podemos dizer que o demônio é um instrumento e um coeficiente perene de santidade. Este desígnio é mais apropriado para a economia divina, que sabe como usar tudo, mesmo as piores de todas as coisas, para fazer algum bem.
Eis um plano vasto, a longo prazo, que transformou um gesto de rebelião — que aparentemente teria causado uma divisão irreparável — em um bem potencial. Assim, contra sua própria vontade, o anjo rebelde torna-se parte do plano divino de redenção. Ele é um instrumento para o aperfeiçoamento de toda a humanidade e, expostos como estamos à tentação, devemos emergir vitoriosos. Esse é o ensinamento da Igreja.





O ANJO DECAÍDO SEGUNDO JAKOB LORBER
Existe uma descrição extensa, poética e cativante — embora não muito ortodoxa — da revolta e queda de Lúcifer em um texto singular escrito por um modesto músico austríaco chamado Jakob Lorber. Sem dúvida, sua história merece ser contada, e aquilo que ele tem a dizer merece ser repetido.
Jakob Lorber (1800-1864) nasceu e viveu em Graz. Na manhã de 15 de março de 1840, esse homem simples teve uma experiência que o perturbou profundamente. Ele ouviu uma voz que vinha de uma região ‘perto do coração’, que lhe ordenou especificamente que “pegasse a pena e escrevesse”.
Esse evento mudou completamente sua vida, pois nesse mesmo dia ele deveria enviar uma carta confirmando que aceitava o cargo de segundo regente do coro do teatro de Trieste, uma situação bastante vantajosa para ele. Contudo, ao terminar de escrever aquilo que a voz lhe ditou naquele dia, percebeu que o céu lhe estava confiando uma tarefa excepcional, a qual certamente seria incapaz de levar a cabo caso aceitasse aquele emprego em Trieste. Assim, recusou o convite e abriu mão da idéia de se casar. Passou o resto de sua vida em quase total reclusão, vivendo em um cômodo simples com a renda modesta proporcionada por aulas de piano.
Todos os dias passava horas e horas escrevendo aquilo que a voz ditava. Seus manuscritos não contêm erros e, publicados apos sua morte, somam mais de dez mil páginas.
Parte daquilo que Lorber escreveu é de natureza científica e contém descrições e o conhecimento de coisas inimagináveis em sua época. Temos a impressão de que essas informações lhe foram dadas como forma de mostrar que se tratava do produto de uma mente divina e não humana. Com efeito, certas coisas que escreveu acerca de átomos, partículas elementares, informações astrológicas e outros assuntos mostram-se exatas e perfeitamente compreensíveis nos dias de hoje, embora ninguém tivesse informações suficientes em sua época para aquilatar a precisão de seus textos. Dizem, na verdade, que seriam informações destinadas ao mundo do século XX.
A outra parte dos escritos de Lorber, mais extensa, é de natureza religiosa, conhecida como a Nova Revelação. Atualmente uma editora alemã se dedica à divulgação de seus téxtos originais, que foram também traduzidos para muitas línguas. [1] A Nova Revelação faz uma exposição do ser humano e do universo, desde nossas origens até a atualidade, e delineia um proposito divino que revela o sentido oculto das escrituras. É um trabalho monumental e inclui uma descrição da queda de Lúcifer e suas legiões.
Quando a Divindade, por processos que sempre permanecerão misteriosos, identificou e reconheceu em si o espírito criativo que tudo abrange, surgiu uma poderosa tensão. É quando fala para si mesma: “Porei para fora minhas idéias, para que nelas possa contemplar aquilo que meus poderes conseguem realizar”.
Prossegue dizendo que, a menos que haja atividade, a Divindade só consegue Se conhecer até certo ponto. Só por meio de suas obras é que pode aprender mais e mais sobre Seu próprio poder, deleitando-se com ele, assim como os artistas compreendem, através de suas criações, aquilo que há em seu interior, extraindo disso grande alegria. Assim, a Divindade deseja criar e se repetir. “Em Mim está o poder das eternidades; portanto, vamos criar um ser que será dotado de todo poder que Eu tenho, mas de modo a trazer em si as qualidades pelas quais posso Me reconhecer”.
Foi criado então um espírito dotado de todos os poderes, com o propósito de demonstrar serenamente à Divindade os poderes de que estaria dotada. Esse primeiro espírito criado é chamado de Lúcifer (ou seja, aquele que porta a luz), e as pessoas compreenderão porque ele tem esse nome. Lúcifer continha a luz da percepção e, como primeiro ser espiritual, conseguia reconhecer claramente os limites da polaridade espiritual interior.
Lúcifer — consciente de que tinha de representar em si o pólo oposto a Deus — acreditava que estava agora em posição de absorver, de certo modo, a Divindade em si mesmo, cometendo o erro de achar que poderia assumir em si, como ser criado e portanto finito, até o infinito... Mas o finito jamais compreende o infinito. Apesar disso, Lúcifer, em seu devaneio, achava que seria capaz de aprisionar a Divindade. Desse modo, perdeu sua verdadeira posição, distanciando-se do centro do coração da Divindade, tomado pelo desejo cada vez mais falso de unir à sua volta, como suas, as criaturas que surgiram da Divindade, para dominar os espaços povoados por seres de todos os tipos. Surgiu o conflito — a separação das partes — que, no final, fez com que a Divindade retirasse de Lúcifer o poder que lhe fora conferido; Lúcifer ficou com seus seguidores, mas privado de poder e da força criadora.
Naturalmente, restou a questão referente ao que a Divindade faria com a legião de decaídos: deveria aniquilar Lúcifer e todos os seus seguidores, criando depois um segundo Lúcifer — que provavelmente cometeria os mesmos erros, pois criar um espírito perfeito, não sujeito à vontade divina, seria inconcebível? Mais fácil seria criar máquinas sem vontade própria, mas não era esse o objetivo.
Para atingir a iluminação da autoconsciência, o caminho seguido até então era o único caminho. Como Lúcifer, cuja queda ocorrera em virtude de um erro, poderia conquistar a possibilidade subseqüente de expiar esse erro? Onde estaria a sabedoria da Divindade caso não antevisse a possibilidade de uma queda? E onde estaria o Seu amor, se não houvesse renunciado à destruição, encontrando na sabedoria um meio para reconduzir os seres perdidos à luz, ao equilíbrio entre as polaridades? Restava apenas o segundo caminho, aquele alcançado com a criação material.
Para compreender melhor a complexa dinâmica da criação do universo material segundo a vontade de Deus após a revolta de Lúcifer, a Voz relatou a Lorber
“que um cristal, depois de cristalizado, não pode mais mudar em sua essência, permanecendo cristalizado como um rombóide, hexaedro ou octaedro, dependendo da forma que corresponde a sua natureza. Se os cristais não são perfeitamente puros, devem ser dissolvidos pelo calor (amor) e em seguida cristalizados novamente, depois da maré quente do amor ter esfriado, e isto corres- ponde à liberação da vontade humana. Nesse ponto, é possível formar belos cristais novos, e qualquer químico prudente é capaz de produzir cristais puros.
Vê, sou um químico! Dissolvi os cristais que tinham se tornado impuros (Lúcifer e seus seguidores) nas águas cálidas do amor, e depois fiz com que essas almas cristalizassem novamente, para se tornarem transparentes como o cristal. Você sabe que isso acontece na ascensão pelos reinos mineral e vegetal, até o humano. Como a alma de Lúcifer, porém, abrangia a totalidade da criação física, deve também encontrar expressão na forma de homem.
Por isso, então, o mundo material, ou o universo como um todo, ou o homem da criação material, foi instituído. Nele, conforme o grau de maleficência, os espíritos foram envolvidos pela matéria, expostos a conflitos, tentações e sofrimentos; em primeiro lugar, para fazer com que reconheçam pouco a pouco os seus próprios erros, por meio das condições que os influenciam e, em segundo, fazendo com que procurem retomar por conta própria, de acordo com sua vontade (...) Em toda parte, o princípio da liberdade se estabelece como o primeiro, e o princípio da perfeição como o segundo (...) a totalidade da criação visível consiste meramente de partículas do grande espírito Lúcifer que caiu e foi ligado à matéria, e seus seguidores.
Veja o que estou fazendo agora em função de um único anjo presunçoso! É isso, nunca haveria terra ou sol, jamais algo material teria sido criado, se esse anjo tivesse se mantido longe do orgulho (...) Na evolução de meus inúmeros -embora ainda imperfeitos -filhos, em sua perfeição e intuição cada vez maiores, e nas ações derivadas disso, reside minha alegria mais sublime. O prazer que têm no aperfeiçoamento atingido através de grande esforço, também é o meu prazer”.
É impossível não reconhecer a grandeza e a beleza dessas palavras, que, em minha opinião, expressam uma interpretação excepcional da rebelião de Lúcifer contra seu Criador e o caminho escolhido por Deus em Seu amor para trazer voluntariamente de volta à morada celeste o anjo rebelde e sua legião de seguidores. Mais adiante, referindo-se à parábola do filho pródigo, a Voz deu a Lorber outras explicações sobre Lúcifer, o anjo decaído. Ele disse que nas Escrituras não existe capítulo e versículo que contenha algo tão grande quanto a parábola do filho pródigo... O nome ‘Lúcifer’ contém toda a essência do filho que se perdeu. Praticamente toda a humanidade atual consiste, nem mais, nem menos, de membros desse ‘filho perdido’, e precisamente daqueles que descendem da de- safortunada semente de Adão. ‘Filho pródigo’ é praticamente todo indivíduo... e todos os que vivem segundo a palavra de Deus são novamente gerados pela redenção, e o filho perdido (ou seja, a natureza essencial) volta para casa. Com efeito, toda a matéria que constitui o universo é obra de Deus e, portanto, traz em si o Divino. Contudo, encontramos também a mentira, a ilusão e a corrupção, das quais deveriam a inveja, o orgulho, a soberba, as perseguições e todos os tipos de vício, sem número nem medida.
A falsidade, mentira ou ilusão são, do ponto de vista espiritual, ‘Satanás’, e os vários vícios são o que chamamos de ‘diabo’.
Lorber também registrou o ditado que lhe foi feito sobre o plano divino para levar os espíritos decaídos de volta para o lar do Pai, seguindo o caminho da matéria. Isso levará um tempo inconcebivelmente longo até se concretizar. Chegará a época em que não mais haverá um sol e uma terra física girando no espaço infinito, mas uma magnífica e nova criação espiritual de espíritos abençoados e livres vai preencher o espaço infinito, e essa condição abençoada nunca terá fim. Haverá um só rebanho, um só oril, um só pastor. Quando? Não podemos determinar uma data segundo a contagem terrestre e, mesmo que a conhecêssemos, seríamos incapazes de compreendê-la.
.Com base no que foi ditado a Lorber, a criação material seria o meio previsto pelo amor divino para redimir e salvar os espíritos que caíram com Lúcifer. Esse caminho material de redenção é longo e acarreta sofrimentos, mas no final leva-nos de volta a Deus.
A Voz disse ainda a Lorber, referindo-se a todos os homens: “Agora, vocês são como embriões no útero materno. Eram, porém, espírito e novamente espírito tornar-se-ão!”










Extraído de:GIOVETTI, Paola. Anjos. Trd. Marcello Borges. São Paulo, Siciliano, 1995, p 31-37.

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