A Dança Cósmica Compartilhada: Semelhanças entre as Cosmologias do Tibet, dos Vedas e do Xamanismo do Vale do Índo

 


As cosmologias antigas, tecidas a partir da observação da natureza, da introspecção e da transmissão oral, revelam uma fascinante tapeçaria de semelhanças entre culturas geograficamente distantes. Ao explorarmos as visões de mundo do Tibet pré-budista (influenciado pelo Bön), dos Vedas indianos e do xamanismo praticado no Vale do Índio (uma região com rica história de práticas espirituais indígenas), encontramos um fio condutor que sugere uma compreensão humana fundamental da relação entre o micro e o macrocosmo, o visível e o invisível.

Uma das semelhanças mais notáveis reside na centralidade da natureza e dos espíritos que a habitam. No Tibet Bön, o mundo era povoado por uma vasta hierarquia de espíritos associados a montanhas, rios e outros elementos naturais, demandando rituais para manter a harmonia. Da mesma forma, os Vedas personificam as forças da natureza em deuses e deusas poderosos como Indra (trovão), Agni (fogo) e Surya (sol), com rituais complexos para honrá-los e obter seus favores. O xamanismo do Vale do Índio, com suas raízes ancestrais, também provavelmente venerava espíritos da natureza, considerando certos locais como sagrados e buscando a comunicação com entidades espirituais ligadas ao ambiente. A sacralização da paisagem, com montanhas como eixos do mundo e rios como veias da vida, é um tema recorrente nas três cosmologias.

Outro ponto de convergência é a crença em múltiplos níveis de existência ou reinos espirituais. As tradições Bön antigas falavam de nove níveis do universo. Os Vedas, embora com uma cosmologia complexa e em evolução, também descrevem diferentes lokas ou planos de existência, habitados por diversas entidades. O xamanismo, por sua própria natureza, implica a capacidade do xamã de viajar entre diferentes realidades ou mundos espirituais para interagir com espíritos, buscar cura ou obter conhecimento. A ideia de uma realidade que transcende o mundo físico imediato é fundamental para as três visões de mundo.

A figura do intermediário espiritual também se destaca como um elo comum. No Tibet Bön, os xamãs (pawo e lumo) eram os especialistas em comunicação com o mundo espiritual. Nos Vedas, os rishis (sábios) eram videntes e canalizadores de conhecimento divino, e os sacerdotes realizavam os rituais complexos que ligavam o mundo humano ao divino. No xamanismo do Vale do Índio, o xamã é o principal elo entre a comunidade e o reino espiritual, realizando curas, divinação e guiando rituais. A função de um indivíduo especialmente treinado ou dotado para navegar entre os mundos é crucial para a manutenção do equilíbrio cósmico e do bem-estar da comunidade.

Além disso, a importância do ritual e da prática cerimonial é evidente nas três tradições. No Bön, rituais eram essenciais para apaziguar espíritos e manter a ordem. Os Vedas são ricos em hinos, mantras e elaborados sacrifícios (yajnas) destinados a influenciar as forças cósmicas. O xamanismo, por definição, é permeado por rituais específicos, como danças, cantos, uso de plantas sagradas e jornadas espirituais, para alcançar estados alterados de consciência e interagir com o mundo espiritual. A ação ritualística é vista como um meio poderoso de conectar o humano ao divino e de influenciar a realidade.

Embora as especificidades de cada cosmologia variem consideravelmente, a busca por compreender a origem do universo, o papel dos seres humanos dentro dele e a relação com as forças invisíveis revela uma preocupação fundamental com a ordem cósmica e o equilíbrio. Seja através da veneração dos espíritos da natureza, da personificação das forças cósmicas em divindades ou da jornada xamânica para outros reinos, as três tradições demonstram uma profunda interconexão entre todos os aspectos da existência.

Em suma, a análise das cosmologias do Tibet pré-budista, dos Vedas e do xamanismo do Vale do Índio revela semelhanças notáveis em sua ênfase na sacralidade da natureza, na crença em múltiplos reinos espirituais, no papel crucial do intermediário espiritual e na importância do ritual. Essas convergências sugerem uma raiz comum na experiência humana de tentar compreender o vasto e misterioso universo ao seu redor, buscando um lugar de significado e conexão dentro da dança cósmica da existência. A exploração dessas antigas visões de mundo nos oferece uma perspectiva valiosa sobre a profundidade e a diversidade da busca humana por sentido e transcendência.



Para aprofundar seus conhecimentos sobre a cultura Bön que antecedeu o Budismo Tibetano, aqui estão algumas sugestões de literatura, revistas e livros:

Livros:

 * "The Bön Religion of Tibet: The Iconography of a Living Tradition" de Per Kværne: Uma obra seminal que explora a história, doutrina e iconografia da religião Bön, com foco em suas formas mais antigas e sua relação com o Budismo.

 * "Bon: The Magic Word - The Indigenous Religion of Tibet" editado por Samten G. Karmay e Jeff Watt: Uma coleção de ensaios de diversos especialistas que abordam diferentes aspectos do Bön, incluindo sua história, rituais e textos.

 * "Sacred Landscape and Pilgrimage in Tibet: In Search of the Lost Kingdom of Bon" de Charles Ramble, Carroll Dunham e Gelek Jinpa: Embora também trate de aspectos contemporâneos, este livro explora a importância da paisagem sagrada na tradição Bön, um elemento chave de suas raízes pré-budistas.

 * "Healing with Form, Energy, and Light: The Five Elements in Tibetan Shamanism, Tantra, and Dzogchen" de Tenzin Wangyal Rinpoche: Oferece uma perspectiva sobre as práticas espirituais Bön, conectando-as a elementos xamanísticos e suas manifestações no contexto tibetano.

 * "Wonders of the Natural Mind: The Essence of Dzogchen in the Native Bon Tradition of Tibet" de Tenzin Wangyal Rinpoche: Explora as práticas de Dzogchen dentro da tradição Bön, que se afirma como uma linhagem espiritual autóctone do Tibete.

 * "Bonpo Dzogchen Teachings" de Lopon Tenzin Namdak: Uma apresentação das principais doutrinas e práticas do Dzogchen na tradição Bön por um dos seus mais importantes mestres contemporâneos.

 * "Masters of the Zhang Zhung Nyengyud" de Yongdzin Lopon Tenzin Namdak: Focado na linhagem de transmissão do Zhang Zhung Nyengyud, um sistema de práticas espirituais central para o Bön.

 * "Drenpa's Proclamation: The Rise and Decline of the Bon Religion in Tibet" de Per Kværne e Dan Martin: Analisa a história do Bön, desde suas origens até seu declínio de influência com a ascensão do Budismo.

 * "Bon: Tibet's Ancient Religion" de Christoph Baumer: Uma visão geral acessível da história, doutrina e práticas do Bön.

 * "Bo Bon: Ancient Shamanic Traditions of Siberia and Tibet in Their Relation to the Teachings of a Central Asian Buddha" de Dmitry Ermakov: Explora as possíveis conexões entre as tradições xamanísticas da Sibéria e do Tibet, incluindo o Bön.

Revistas Acadêmicas:

 * Journal of the International Association for Bon Research: Dedicada exclusivamente ao estudo acadêmico da religião Bön, publicando artigos sobre sua história, doutrina, rituais, arte e cultura.

 * Central Asiatic Journal: Embora não focada exclusivamente no Bön, frequentemente publica artigos sobre a história religiosa e cultural do Tibete e regiões vizinhas, incluindo pesquisas sobre o Bön.

 * Inner Asia: Uma revista acadêmica que cobre os estudos da Ásia Interior, incluindo o Tibete, e ocasionalmente apresenta artigos sobre o Bön e a cultura tibetana pré-budista.

 * The Tibet Journal: Publica artigos sobre diversos aspectos da cultura, história, religião e política do Tibete, podendo incluir pesquisas sobre o Bön.

Outras Fontes:

 * Rigpa Wiki (www.rigpawiki.org): Uma enciclopédia online colaborativa que oferece informações sobre o Budismo Tibetano e também possui seções dedicadas à religião Bön, com referências a fontes acadêmicas.

 * Websites de organizações Bön: Sites de comunidades e centros de estudo Bön, como Ligmincha International (ligmincha.org) e Namse Bangdzo Bookstore (www.namsebangdzo.com), podem oferecer informações e recursos sobre a tradição.

Ao explorar essas fontes, você poderá obter uma compreensão mais aprofundada da rica história e das complexas crenças da cultura Bön que floresceu no Tibete antes da chegada e da subsequente influência do Budismo. Lembre-se que a relação entre o Bön e o Budismo é um tema complexo e em debate, com diferentes perspectivas acadêmicas e dentro das próprias tradições religiosas


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