A Gênese Cósmica da Suméria

 






A cosmologia suméria, a intrincada teia de crenças que explicava a origem e a estrutura do universo para a primeira civilização urbana da Mesopotâmia, fascina estudiosos há séculos. Longe de ser um relato linear e unívoco, a criação do cosmos na mitologia suméria emerge de um mosaico de mitos, hinos e inscrições cuneiformes, cuja interpretação e compreensão se beneficiaram enormemente de escavações arqueológicas e da análise filológica de textos antigos. Esta redação busca explorar a cosmogonia suméria, citando obras e estudos cruciais que lançam luz sobre essa visão ancestral do universo.


No princípio, para os sumérios, existia o Abzu, o oceano primordial de águas subterrâneas, personificado pela deusa Nammu. Essa entidade cósmica, frequentemente descrita como a mãe que deu à luz o céu e a terra, é o ponto de partida da gênese. Essa ideia é central em diversos mitos, como o encontrado no poema "Enki e a Ordem Mundial", traduzido e analisado por Samuel Noah Kramer em obras seminais como "History Begins at Sumer" e "The Sumerians: Their History, Culture, and Character". Kramer, um dos pioneiros na decifração da escrita cuneiforme e na interpretação da literatura suméria, demonstra como Nammu precede a existência dos próprios deuses primordiais.


A emergência do universo ordenado a partir desse caos aquático primordial se dá com o nascimento de An (o céu) e Ki (a terra). Inicialmente unidos como uma única entidade cósmica, An-Ki, sua separação é um ato crucial na cosmogonia suméria, geralmente atribuído a Enlil, o deus do ar, das tempestades e do poder. Essa separação cria o espaço, o lil, onde o mundo como os sumérios o conheciam poderia existir. Textos como o mito da criação encontrado em fragmentos e reconstruído por estudiosos como E.A. Wallis Budge em "The Gods of the Egyptians" (embora focando na mitologia egípcia, Budge também aborda paralelos com outras culturas mesopotâmicas) e mais especificamente por Thorkild Jacobsen em "The Treasures of Darkness: A History of Mesopotamian Religion" detalham essa separação e o estabelecimento das esferas cósmicas. Jacobsen, com sua profunda análise da religião mesopotâmica, enfatiza a importância de Enlil como força organizadora do cosmos.


A estrutura do universo sumério era concebida como um sistema de camadas. Acima da terra plana e disciforme estava a abóbada celeste, sólida e geralmente imaginada com três camadas. Abaixo da terra residia o Kur ou Irkalla, o submundo sombrio, governado por Ereshkigal. Entre o céu e a terra, o lil era o domínio de Enlil, o ar que permitia a respiração e a vida. O sol (Utu/Shamash) e a lua (Nanna/Sin) eram entidades divinas que percorriam seus caminhos celestes, observados e interpretados pelos sacerdotes sumérios, como evidenciado em hinos e preces traduzidos por Diane Wolkstein e Samuel Noah Kramer em "Inanna, Queen of Heaven and Earth: Her Stories and Hymns from Sumer", que embora focada em Inanna, oferece insights sobre a visão suméria dos corpos celestes.


A criação não era um evento único, mas um processo contínuo de organização e atribuição de funções. Após a separação do céu e da terra, os deuses, liderados por Enlil e auxiliados por Enki, o deus da sabedoria e das águas doces (também associado ao Abzu), estabeleceram a ordem no mundo. Enki, em particular, é frequentemente retratado como o deus criador e benfeitor da humanidade, responsável por moldá-la a partir do barro, como narrado no mito de "Enki e Ninmah", analisado por Stephanie Dalley em "Myths from Mesopotamia: Creation, The Flood, Gilgamesh and Others". Dalley oferece uma compilação acessível e erudita dos principais mitos mesopotâmicos, contextualizando a criação da humanidade dentro da cosmogonia geral.


A função da humanidade dentro dessa ordem cósmica era servir aos deuses, aliviando-os do trabalho braçal. Esse propósito é explicitamente declarado em diversos mitos de criação. A relação entre deuses e humanos era hierárquica, com os deuses no topo, mantendo a ordem cósmica através de leis divinas, os me, cuja natureza e distribuição são exploradas em estudos como "The Me of Inanna" de Inna Kozlova, que aprofunda a compreensão desses princípios fundamentais da civilização e da ordem cósmica suméria.


É crucial ressaltar que a cosmologia suméria não era estática ou completamente uniforme entre as diferentes cidades-estado e períodos históricos. Variações nos mitos e na ênfase dada a diferentes divindades existiam. A interpretação moderna dessa cosmologia depende da análise cuidadosa de fragmentos textuais, da comparação entre diferentes narrativas e da contextualização dentro do arcabouço social, político e religioso da Suméria antiga. O trabalho contínuo de assiriólogos e arqueólogos, como as recentes traduções e análises publicadas no "Journal of Near Eastern Studies" e em monografias especializadas, continua a refinar nossa compreensão da visão de mundo suméria.


Em suma, a cosmologia suméria descreve uma gênese que emerge das águas primordiais de Nammu, culminando na separação do céu e da terra por Enlil e na subsequente organização do cosmos pelos deuses, com Enki desempenhando um papel fundamental na criação da humanidade para servir à ordem divina. A compreensão dessa visão ancestral do universo é um processo contínuo, enriquecido pelas descobertas arqueológicas e pela análise aprofundada dos textos cuneiformes por estudiosos dedicados a desvendar os mistérios da primeira civilização da Mesopotâmia. As obras de Kramer, Jacobsen, Dalley e outros, juntamente com artigos acadêmicos e novas traduções, continuam a ser fontes indispensáveis para a exploração da fascinante cosmogonia suméria.







A mitologia suméria oferece uma rica tapeçaria de histórias sobre a origem do mundo e da humanidade, nas quais os deuses Enki e Enlil desempenham papéis cruciais, embora distintos. A criação da raça humana, segundo essas narrativas, não foi um ato isolado, mas sim uma resposta a necessidades divinas e um reflexo da complexa relação entre os deuses e o mundo que habitavam.


No princípio, existiam os deuses primordiais, mas eram sobrecarregados pelo trabalho de manter a ordem cósmica. Foi então que surgiu a ideia de criar seres que pudessem realizar essas tarefas. Enki (também conhecido como Ea), o deus da sabedoria, das águas doces e da criação, desempenhou um papel fundamental nesse processo. Inspirado por Nammu, a deusa primordial das águas, Enki propôs a criação da humanidade para aliviar o fardo dos deuses.


A narrativa mais difundida sobre a criação humana envolve a deusa Nintu (também conhecida por outros nomes como Ninhursag e Ninmah), a grande deusa mãe e da fertilidade. Com a astúcia e o conhecimento de Enki, Nintu moldou os primeiros seres humanos a partir do barro. Em algumas versões do mito, um deus menor foi sacrificado, e seu sangue foi misturado à argila, conferindo à humanidade uma centelha divina e um elo com o reino celestial. O propósito primordial dessa criação era, portanto, fornecer mão de obra para os deuses, cuidando da terra, dos templos e oferecendo-lhes sustento e adoração.


Enquanto Enki é frequentemente associado à concepção e à modelagem física da humanidade, Enlil, o deus do ar, das tempestades e do poder, teve um papel diferente, mas igualmente importante, na relação com os humanos. Enlil era visto como o governante do mundo terreno e, em algumas narrativas, demonstrava tanto cuidado quanto frustração com a humanidade.


Um mito famoso que ilustra essa complexidade é a história do Grande Dilúvio. Enfurecido com o barulho e a agitação da crescente população humana, Enlil decide exterminá-la através de uma grande inundação. No entanto, Enki, com sua sabedoria e compaixão, adverte um homem justo chamado Atrahasis (ou Utnapishtim em outras versões), instruindo-o a construir uma arca para salvar sua família e animais. Essa intervenção de Enki demonstra seu papel como protetor da humanidade, mesmo contra a ira de outros deuses.


Após o dilúvio, com a sobrevivência de Atrahasis e a continuidade da raça humana, os deuses, incluindo Enlil, reconhecem a necessidade da humanidade e estabelecem novas regras e limitações para controlar seu crescimento e evitar futuras perturbações. Enki, por sua vez, continua a ser visto como um benfeitor da humanidade, concedendo-lhes conhecimento e habilidades para prosperar.


Em suma, a origem da raça humana na mitologia suméria é um processo intrinsecamente ligado às necessidades e interações dos deuses, especialmente Enki e Enlil. Enki, como o deus criador e sábio, desempenha um papel crucial na formação física e na proteção da humanidade, enquanto Enlil, como o governante do mundo, representa o poder divino e a complexa relação entre os deuses e seus servos humanos, marcada tanto pela necessidade quanto pelo potencial de conflito. Essas narrativas oferecem uma visão fascinante sobre como os antigos sumérios compreendiam sua própria existência e seu lugar no cosmos.

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