O Livro dos Mortos do Tibet

 



A natureza búdica é a essência fundamental de cada ser senciente, inerentemente pura, desperta e dotada do potencial para a iluminação completa, assim como um Buda. É a base de todas as qualidades positivas como compaixão, sabedoria e amor incondicional, obscurecida temporariamente por véus de ignorância e emoções negativas. Reconhecer e realizar essa natureza é o objetivo da prática budista.


O Livro Tibetano dos Mortos, conhecido como Bardo Thodol, é um texto budista tibetano tradicionalmente atribuído a Padma Sambhava, um mestre budista do século VIII. No entanto, foi descoberto séculos depois, no século XIV, por Rigzin Karma Lingpa. Longe de ser um manual para os falecidos no sentido literal, o livro serve como um guia para a consciência através dos estágios (bardos) entre a morte e o renascimento.

A obra descreve três bardos principais:

 * Chikai Bardo (O Bardo do Momento da Morte): Este é o período imediato após a morte, caracterizado pela experiência da "clara luz" primordial da consciência. O texto instrui o falecido a reconhecer essa luz como sua própria natureza búdica, o que pode levar à libertação imediata. Se não reconhecida, a consciência entra no próximo bardo.

 * Chönyid Bardo (O Bardo da Realidade): Nesta fase, surgem visões de divindades pacíficas e iradas, que são projeções dos próprios pensamentos e emoções do falecido. O livro encoraja o falecido a não temer essas visões, mas a reconhecê-las como manifestações de sua própria mente. O reconhecimento pode levar à libertação neste bardo também.

 * Sidpa Bardo (O Bardo do Devir): Se a libertação não for alcançada nos bardos anteriores, a consciência entra no bardo do devir, onde experimenta um forte impulso para buscar um novo renascimento. O texto descreve várias visões e experiências que levam à escolha de um novo útero.

O Que o Livro Fala Sobre a Vida Após a Morte:

O Bardo Thodol essencialmente descreve a vida após a morte como uma série de estados de consciência transitórios. Não há um julgamento externo ou um céu e inferno permanentes no sentido das religiões abraâmicas. Em vez disso, a experiência após a morte é determinada pelas impressões kármicas e pelos estados mentais do indivíduo durante a vida.

As visões e experiências descritas nos bardos são entendidas como projeções da mente. Indivíduos que cultivaram qualidades positivas, como compaixão e sabedoria, tendem a ter experiências mais pacíficas, enquanto aqueles dominados por emoções negativas podem vivenciar visões aterradoras.

O "Caminho Certo" a Seguir:

Do ponto de vista do Bardo Thodol, o "caminho certo" a seguir, tanto na vida quanto após a morte, envolve:

 * Reconhecer a natureza da mente: A prática espiritual visa reconhecer a natureza vazia e luminosa da própria mente. Esse reconhecimento é a chave para a libertação durante o chikai bardo.

 * Cultivar a não-apego: O apego a pessoas, bens e à própria identidade dificulta a transição pelos bardos e leva a um renascimento condicionado pelo karma. O livro enfatiza a importância de abandonar esses apegos.

 * Desenvolver qualidades positivas: Cultivar a compaixão, o amor, a generosidade e a sabedoria cria impressões kármicas positivas que influenciam as experiências nos bardos e o próximo renascimento. Evitar ações negativas e emoções destrutivas é crucial.

 * Manter a consciência: Durante os bardos, a lucidez e a capacidade de reconhecer a natureza das experiências são fundamentais para evitar o renascimento no ciclo da existência (samsara). As instruções do livro servem como lembretes para manter essa consciência.

 * Prática espiritual: A familiaridade com práticas meditativas e a compreensão dos ensinamentos budistas durante a vida preparam o indivíduo para reconhecer as oportunidades de libertação que surgem nos bardos.

Em essência, o Bardo Thodol não apenas descreve o processo após a morte, mas também serve como um guia para viver uma vida com significado e propósito, preparando o indivíduo para a inevitável transição e oferecendo um caminho para a libertação do ciclo do sofrimento. A leitura do livro para um moribundo ou recém-falecido visa guiá-lo através dessas etapas, lembrando-o das práticas e da compreensão que podem levá-lo à libertação ou a um renascimento mais favorável


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