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A CONTENDA ENTRE HÓRUS E SETH
























A CONTENDA ENTRE HÓRUS E SETH


Os essênios previram que na Guerra Final entre os homens, a Companhia do Divino se aliaria à Congregação dos Mortais e nos campos de batalha se mesclariam "gritos de guerra de homens e deuses". Seria isso apenas um triste comentário sobre a história sangrenta das guerras da humanidade? Nada disso. O que o texto A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas nos informa é apenas que as contendas entre os homens terminarão exatamente como iniciaram: com deuses e mortais lutando lado a lado. Por mais incrível que pareça, existe um documento que descreve a primeira guerra em que os deuses envolveram os mortais. Trata-se de uma inscrição nas paredes do grande templo de Edfu, uma antiga cidade sagrada do Egito, dedicada ao deus Hórus. Foi lá, segundo as tradições do Antigo Egito, que Hórus instalou uma fundição de "ferro divino" e onde guardava, num recinto especial, o Disco Alado em que percorria os céus. Um dos textos diz: "Quando as portas da fundição se abrem, o Disco se eleva". A inscrição no templo de Edfu, notável por sua exatidão geográfica, começa com uma data - não relacionada com a contagem de tempo da humanidade - e fala de eventos ocorridos muito antes da época dos faraós, quando o Egito era governado pelos deuses.  No ano 363, Sua Majestade, Ra, o Santo, o Falcão do Horizonte, O  Imortal Eterno, foi à terra de Khenn. Com ele estavam seus guerreiros, pois os inimigos tinham conspirado contra seu senhor no distrito que ainda hoje tem o nome de Ua-Ua. 

 
Ra foi até lá em seu barco, junto com seus companheiros, e desceu no distrito da Sede do Trono de Hórus, na parte ocidental desse distrito, ao leste da Casa de Khennu, que desde então passou a ser chamada de Khennu Real. 

 
Hórus, o Medidor Alado, aproximou-se do barco de Ra e disse a seu ancestral: "Ó, Falcão do Horizonte, tenho visto os inimigos conspirarem contra vós, Senhor, para se apoderarem da Coroa Luminosa".
Em poucas palavras, o escriba conseguiu nos dar um panorama geral da situação e criar a cena para a guerra que iria estourar. Entendemos que a causa do conflito era uma conspiração de certos "inimigos" dos deuses Ra e Hórus, que pretendiam conquistar a Coroa Luminosa, ou seja, a soberania. É óbvio que essa pretensão só podia partir de um outro deus dos deuses. Para sufocar a conspiração, Ra reuniu seus guerreiros e tornou seu barco para ir ao local onde Hórus estabelecera seu quartel-general. O "barco" de Ra, como sabemos a partir de muitos outros textos, era uma embarcação celestial, com o qual o deus podia viajar aos céus mais distantes. Nesse caso, Ra usou-o para descer num lugar distante de qualquer tipo de extensão de água, "na parte ocidental" do distrito de Da-Da, ao leste da "Sede do Trono" de Hórus. Este, então, contou-lhe que o inimigo estava reunindo suas forças: 

 
Então Ra, o Santo, o Falcão do Horizonte, disse a Hórus, o Medidor
Alado: "Altíssimo rebento de Ra, meu escolhido, vá rápido, extermine o inimigo que você avistou".  Obedecendo a ordem, Hórus partiu no Disco Alado para enfrentar o inimigo.  E assim Hórus, o Medidor Alado, voou para o horizonte no Disco Alado de Ra e, por isso, desde esse dia é chamado de "Grande Deus, Senhor dos Céus". voando no Disco Alado, Hórus avistou as forças inimigas e atacou-as com uma arma poderosa:  Dos céus, do Disco Alado, ele viu os inimigos e atacou-os pela retaguarda. 


De sua parte dianteira lançou sobre eles uma Tempestade que não podiam ver com os olhos nem escutar com os ouvidos. Isso trouxe morte a todos num único instante; ninguém se salvou. 

 
Cumprida a missão. Hórus voltou para junto de Ra ainda viajando no Disco Alado, "que brilhava com muitas cores" e ouviu sua vitória ser oficializada por Thot, o deus das artes mágicas: Então Hórus, o Medidor Alado, reapareceu no Disco Alado que brilhava com muitas cores; ele voltou para o barco de Ra, o Falcão do Horizonte. 

 
E Thot disse: "Ó, Senhor dos Deuses! O Medidor Alado voltou no grande
Disco Alado, brilhando em muitas cores...".
Por isso, desde esse dia ele também é conhecido como "O Medidor Alado", e em sua honra a cidade de Hut passou a ser chamada de Behutet.  Essa primeira batalha entre Hórus e os "inimigos" teve lugar no Alto Egito. Heinrich Brugsch, o primeiro a publicar o texto dessa inscrição, o que aconteceu por volta de 1870 (Die Sage von dergeflüten Sonnenscheibe), sugeria que a "Terra de Khenn" seria a Núbia e que Hórus avistou o inimigo em Siena, a atual Assuã. Estudos mais recentes, como Egypt in Nubia, de Walter B. Emery, concordam que Ta-Khenn era mesmo a Núbia e que Da-Da era o nome de sua parte norte, a área entre a primeira e a segunda catarata do Nilo. (A parte sul da Núbia era chamada de Kuch.) Essa identificação é válida, já que Behutet, a cidade concedida a Hórus como prêmio por sua vitória, era a mesma Edfu, que através dos tempos sempre foi dedicada a esse deus. As tradições afirmam que Hórus estabeleceu em Edfu uma fundição onde eram forjadas armas especiais feitas de "ferro divino". E foi lá também que ele treinou um exército de mesniu - "povo de metal". Nas paredes do templo dessa cidade, esses guerreiros foram retratados como homens de cabeça raspada, usando túnicas curtas de colarinhos largos e carregando armas nas duas mãos. O desenho de uma arma não identificada, parecida com um arpão, foi incluído nas palavras hieroglíficas para "ferro divino" e "povo de metal" . Ainda segundo as tradições egípcias, os primeiros homens a receber armas de metal dos deuses foram os mesniu. E veremos, com os prosseguimentos do texto, que eles foram também os primeiros mortais convocados para lutar nas guerras entre os deuses. Como a área Assuã e Edfu agora estava garantida, e Hórus tinha seus guerreiros armados e treinados, os deuses sentiram-se prontos para avançar em direção ao norte, penetrando no interior do Egito. As vitórias iniciais parecem ter servido para fortalecer a aliança entre esses aliados, pois ficamos sabendo que a deusa asiática Ishtar (o texto egípcio a chama pelo seu nome cananeu, Astarot) juntara-se ao grupo. Pairando no céu, Hórus gritou para Ra se encarregar do reconhecimento do terreno abaixo dele: 

 
E Hórus disse: "Avance, ó, Ra! Procure os inimigos que jazem sobre a terra”!  Então Ra, o Santo, avançou; Astarot estava com ele. Ambos procuraram o inimigo no terreno, mas todos eles estavam escondidos.
Como não podia ver o adversário, Ra teve uma idéia:
E Ra disse aos deuses que o acompanhavam: "Guiemos nossa embarcação até a água, pois o inimigo está em terra...". Então deram às águas o nome de "Águas Viajadas", e assim elas são conhecidas até hoje.
Mas enquanto Ra possuía um veículo anfíbio, Hórus não tinha como entrar no rio.
Então os deuses lhe deram um barco, ao qual deram o nome de Mak-A
("O Grande Protetor"), e assim ele é conhecido até hoje.
Seguiu-se a primeira batalha entre os mortais:



Mas os inimigos também entraram na água, fingindo-se de crocodilos e
Hórus, o Medidor Alado, chegou com seus criados, que lhe serviam de guerreiros, cada um com seu próprio nome, carregando o Ferro Divino e uma corrente nas mãos, e eles afugentaram os crocodilos e os hipopótamos.  Arrastaram 651 inimigos até aquele lugar; eles foram mortos perto da cidade. 

 
E Ra, o Falcão do Horizonte, disse a Hórus, o Medidor Alado: "Que este local seja conhecido como o lugar onde ficou estabelecida sua vitória sobre as terras do sul”! 

 
Tendo vencido o inimigo no céu, na terra e na água, o triunfo de Hórus parecia completo. Thot achou que era o momento de comemorar:
Então Thot disse aos outros deuses: "Ó, deuses do céu, rejubilem-se! Ó, deuses da terra, rejubilem-se! O jovem Hórus trouxe a paz por ter conseguido realizar feitos extraordinários nesta campanha”!
Nessa ocasião, o Disco Alado foi adotado como o emblema de Hórus vitorioso: 

 
Desde esse dia existem os símbolos de metal de Hórus. Foi ele que confeccionou como seu emblema o Disco Alado, que colocou na parte dianteira do barco de Ra. A deusa do norte e a deusa do sul, representadas por duas serpentes, foram colocadas uma em cada lado. E Hórus posicionou-se no barco de Ra, atrás do emblema, tendo nas mãos o Ferro Divino e a corrente. 

 
Apesar de Thot ter proclamado Hórus como aquele que trouxera a paz, ela ainda não fora alcançada. Prosseguindo em seu avanço para o norte, a companhia dos deuses "avistou dois brilhos numa planície ao leste de Tebas. Ra então disse a Thot: 'Esse é o inimigo; que Hórus o elimine...'. E Hórus fez um grande massacre". Novamente, com o auxílio do exército de homens que armara e treinara, Hórus conseguiu conquistar a vitória. E Thot continuou dando nomes aos locais onde as batalhas bem-sucedidas haviam se desenrolado. O primeiro combate aéreo de Hórus tinha rompido as defesas que separavam o Egito da Núbia em Siena (Assuã). As batalhas seguintes, tanto em terra como na água, garantiram ao deus a curva do Nilo que vai de Tebas até Dendera, local onde, no futuro, proliferariam templos e cidades reais. Agora estava aberto o caminho para o interior do Egito. Por vários dias os deuses continuaram avançando rumo ao norte - Hórus vigiando do alto, no Disco Alado, e Ra e seus companheiros navegando pelo rio, enquanto o povo de metal guardava os flancos em terra. Houve então uma série de combates, breves, mas ferozes. Os nomes dos locais - bem estabelecidos na geografia do Antigo Egito - indicam que os deuses atacantes atingiriam a área dos lagos que, na Antiguidade, iam desde o Mediterrâneo até o mar Vermelho (atualmente ainda restam alguns deles). 

 
Então os inimigos se distanciaram deles, dirigindo-se para o norte. Eles acamparam no distrito das águas, diante do mar Mediterrâneo. Seus corações estavam cheios de medo. Mas Hórus, o Medidor Alado, perseguiu-os no barco de Ra, levando na mão o Ferro Divino.
E seus ajudantes, carregando armas de ferro forjado, estavam por todos os lados. 

 
No entanto, a tentativa de cercar e capturar os inimigos não foi bemsucedida. 

 
Por quatro dias e quatro noites Hórus percorreu as águas em perseguição aos inimigos, mas não conseguiu avistar nenhum deles.
Ra então aconselhou-o a subir novamente no Disco Alado, e dessa vez
Hórus avistou os inimigos em fuga. Hórus atirou sua Lança Divina contra eles e causou grande confusão em suas fileiras, matando muitos deles. Também trouxe 142 prisioneiros, que colocou na parte dianteira do barco de Ra, onde foram rapidamente executados. 

 
Nesse ponto a inscrição no templo de Edfu termina e recomeça num novo painel. De fato, inicia-se um novo capítulo da Guerra dos Deuses.
Os inimigos que conseguiram escapar "foram para o Lago do Norte, dirigindo-se para o Mediterrâneo, que tentavam atingir navegando pelo distrito das águas. Mas o deus encheu seus corações de medo e, quando atingiram o meio das águas, eles fugiram para as águas que se ligam com os lagos do distrito de Mer, com o propósito de se juntarem aos inimigos que estavam nas terras de Set". 

 
Esses versos nos oferecem mais que informações geográficas, pois, pela primeira vez, encontramos uma identificação dos "inimigos". A arena do conflito agora era o conjunto de lagos que, na Antiguidade, separava o Egito propriamente dito na península do Sinai. Para o leste, além dessa barreira de água, ficavam os domínios de Set adversário e assassino de Osíris, pai de Hórus. Portanto, Set era o inimigo sobre cujas forças Hórus vinha avançando, vindo do sul. 

 
Com a fuga dos inimigos houve uma calmaria no conflito, e durante esse período Ra chegou à região que separava o Egito do país de Set, e Hórus levou seu povo de metal à linha de frente. Mas o adversário também teve tempo para reagrupar suas forças e voltou a atravessar a barreira de água, entrando no Egito. Seguiu-se então uma grande batalha, na qual
381 inimigos foram capturados e executados.
(Os textos não fazem referência ao número de baixas no lado de Hórus).
Hórus, no calor da perseguição, atravessou as águas, e entrou nos domínios de Set. Este, furioso com a invasão, desafiou-o para um combate pessoal. 

 
As lutas entre os dois deuses, que transcorreram tanto em terra como no ar, foram tema de inúmeras lendas, e falarei delas mais adiante. Nesta altura, porém, é interessante analisarmos o aspecto salientado por E. A. Wallis Budge em The Gods of the Egyptians: no primeiro envolvimento dos homens nas guerras dos deuses, o que trouxe a vitória a Hórus foi o fato de ele ter armado os mortais com o Ferro Divino. "Está bem claro que ele deveu seu êxito, sobretudo à superioridade das armas que seus homens portavam e ao material de que eram feitas”. Portanto, segundo os textos egípcios, foi nessa guerra dos deuses que o homem aprendeu a levantar a espada contra seu semelhante. Quando os combates terminaram, Ra expressou sua satisfação pelos feitos do "povo de metal de Hórus" e decretou que dali em diante aqueles homens morariam em santuários e seriam servidos com libações e oferendas, porque haviam matado os inimigos do deus Hórus. Assim, esses mesniu estabeleceram-se nas duas capitais de Hórus: Edfu, no Alto Egito, e Tis (Tânis, em grego; Zoan, na Bíblia), no Baixo Egito. Com o passar do tempo, eles abandonaram seu papel puramente militar e ganharam o titulo de Shamsu-Hor ("Atendentes de Hórus"), passando a servir como assessores e emissários dos deuses. Segundo os estudiosos, a inscrição nas paredes do templo de Edfu é uma cópia de um texto bem mais antigo e muito conhecido dos escribas. No entanto, ninguém ainda foi capaz de determinar quando o relato original foi escrito. Os peritos concluíram que a exatidão dos dados geográficos e outros indicam (nas palavras de E. A. Wallis Budge) "que não estamos lidando com eventos puramente mitológicos; é quase certo que o triunfante avanço atribuído a Hor-Behutet (Hórus de Edfu) é baseado nos feitos de algum invasor aventureiro que se estabeleceu em Edfu em tempos muito primitivos". Como acontece em todas as inscrições egípcias, essa também começa com uma data: "No ano de 363...". Essas datas sempre indicam o ano do período de reinado do faraó envolvido no evento descrito. Assim, cada governante tinha seu primeiro ano de reinado, o segundo, e assim por diante. No entanto, o texto em questão trata de assuntos divinos, e não de atividades de reis, portanto relata acontecimentos que tiveram lugar no "ano 363" do reinado de um certo deus, ou deuses, levando-nos de volta a tempos primitivos em que o Egito era governado por deuses e não por homens. As tradições do Antigo Egito nunca deixaram dúvida de que houve realmente uma época como essa. Durante sua longa viagem pelo Egito, o historiador grego Heródoto (século 5 a.C.) recebeu informações detalhadas sobre reinos e dinastias faraônicas. "Os sacerdotes me contaram que Mên foi o primeiro rei do Egito; ele construiu o dique que protege Mênfis das inundações do Nilo”. 

 
Depois de fazer o desvio do rio, o faraó começou a construir a cidade nas terras tomadas das águas. Heródoto prossegue: "Além dessas obras, segundo os sacerdotes, ele construiu o templo de Vulcano, que fica dentro da cidade, um imenso edifício, digno de ser mencionado". O historiador acrescenta: "Em seguida, os sacerdotes foram buscar um papiro e leram para mim os nomes de 330 monarcas que ocuparam o trono depois de Mên. Entre eles, dezoito eram reis etíopes, e havia uma rainha, que era nativa; todos os outros eram homens e egípcios". Os informantes de Heródoto também lhes mostraram fileiras de estátuas representando faraós e lhes contaram vários pormenores sobre esses governantes, afirmando que possuíam ancestrais divinos. "Os seres representados por essas imagens estavam muito longe de ser divinos", duvidou Heródoto, mas escreveu: 

 
Em épocas anteriores a situação era bem diferente. O Egito era governado por deuses que habitavam a Terra junto com os homens, e um deles sempre exercia a supremacia sobre os restantes. O ultimo desses deuses foi Hórus, filho de Osíris, a quem os gregos chamavam Apolo. Hórus depôs Tífon e então reinou sobre o Egito. 

 
Em seu livro Contra Apião, o historiador judeu Flávio Josefo, do século I, citou os escritos de um sacerdote egípcio chamado Manetho como uma de suas fontes sobre a História do Egito. Esses textos jamais foram encontrados, mas qualquer dúvida que pudesse haver sobre a existência de tal sacerdote desfez-se quando os estudiosos descobriram que sua obra serviu de base para vários autores gregos. Atualmente acredita-se que Manetho (o nome, em hieróglifos, significa "Presente de Thot") tenha sido realmente o alto sacerdote e grande erudito que, por volta de 270 a.C., compilou a história do Egito em diversos volumes, por ordem do rei Ptolomeu Filadelfo. O manuscrito original encontrava-se na Biblioteca de Alexandria quando, junto com numerosos outros documentos de valor incalculável, foi consumido pelo fogo por ocasião do incêndio provocado por conquistadores muçulmanos no ano de 642. Manetho foi o primeiro historiador a dividir os governantes egípcios em dinastias, prática que continua até hoje. Sua Lista de Reis - nomes, duração dos reinados, ordem de sucessão e outras informações pertinentes - foi preservada principalmente por meio das obras de Julio Africano (século 3) e
Eusébio de Cesaréia (século 4). Essas e outras versões baseadas no historiador egípcio trazem como ponto comum que o primeiro governante da primeira dinastia foi o rei Mên (Menés, em grego) - o mesmo que Heródoto citou, com base nas próprias investigações no Egito. Esse fato foi confirmado por descobertas mais modernas, como a Tábua de Abidos, em que o faraó Seti I, acompanhado de seu filho, Ramsés I, listou o nome de 75 de seus antecessores. O primeiro deles é Mena. Se Heródoto estava correto ao citar as dinastias dos faraós egípcios, teria ele acertado também quanto à existência de uma "época precedente", quando o Egito era governado por deuses? Manetho corrobora as afirmações de Heródoto quanto a essa questão. Segundo ele, as dinastias dos faraós foram precedidas por outras quatro: duas de deuses, uma de semi-deuses e uma outra de transição. Primeiro, sete grandes deuses reinaram sobre o Egito, perfazendo um total de 12 300 anos.
Ptah reinou 9000 anos Ra reinou 1000 anos Shu reinou 700 anos Geb reinou 500 anos Osíris reinou 450 anos Set reinou 350 anos
Hórus reinou 300 anos.




MITOLOGIA EGÍPCIA: HÓRUS

HÓRUS

Hórus, mítico soberano do Egipto, desdobra as suas divinas asas de falcão sob a cabeça dos faraós, não somente meros protegidos, mas, na realidade, a própria incarnação do deus do céu. Pois não era ele o deus protector da monarquia faraónica, do Egipto unido sob um só faraó, regente do Alto e do Baixo Egipto? Com efeito, desde o florescer da época história, que o faraó proclamava que neste deus refulgia o seu ka (poder vital), na ânsia de legitimar a sua soberania, não sendo pois inusitado que, a cerca de 3000 a. C., o primeiro dos cinco nomes da titularia real fosse exactamente “o nome de Hórus”. No panteão egípcio, diversas são as deidades que se manifestam sob a forma de um falcão. Hórus, detentor de uma personalidade complexa e intrincada, surge como a mais célebre de todas elas. Mas quem era este deus, em cujas asas se reinventava o poder criador dos faraós? Antes de mais, Hórus representa um deus celeste, regente dos céus e dos astros neles semeados, cuja identidade é produto de uma longa evolução, no decorrer da qual Hórus assimila as personalidades de múltiplas divindades. 

Originalmente, Hórus era um deus local de Sam- Behet (Tell el- Balahun) no Delta, Baixo Egipto. O seu nome, Hor, pode traduzir-se como “O Elevado”, “O Afastado”, ou “O Longínquo”. Todavia, o decorrer dos anos facultou a extensão do seu culto, pelo que num ápice o deus tornou-se patrono de diversas províncias do Alto e do Baixo Egipto, acabando mesmo por usurpar a identidade e o poder das deidades locais, como, por exemplo, Sopedu (em zonas orientais do Delta) e Khentekthai (no Delta Central). Finalmente, integra a cosmogonia de Heliópolis enquanto filho de Ísis e Osíris, englobando díspares divindades cuja ligação remonta a este parentesco. O Hórus do mito osírico surge como um homem com cabeça de falcão que, à semelhança de seu pai, ostenta a coroa do Alto e do Baixo Egipto. É igualmente como membro desta tríade que Hórus saboreia o expoente máximo da sua popularidade, sendo venerado em todos os locais onde se prestava culto aos seus pais. A Lenda de Osíris revela-nos que, após a celestial concepção de Hórus, benção da magia que facultou a Ísis o apanágio de fundir-se a seu marido defunto em núpcias divinas, a deusa, receando represálias por parte de Seth, evoca a protecção de Ré- Atum, na esperança de salvaguardar a vida que florescia dentro de si. 

Receptivo às preces de Ísis, o deus solar velou por ela até ao tão esperado nascimento. Quando este sucedeu, a voz de Hórus inebriou então os céus: “ Eu sou Hórus, o grande falcão. O meu lugar está longe do de Seth, inimigo de meu pai Osíris. Atingi os caminhos da eternidade e da luz. Levanto voo graças ao meu impulso. Nenhum deus pode realizar aquilo que eu realizei. Em breve partirei em guerra contra o inimigo de meu pai Osíris, calcá-lo-ei sob as minhas sandálias com o nome de Furioso... Porque eu sou Hórus, cujo lugar está longe dos deuses e dos homens. Sou Hórus, o filho de Ísis.” Temendo que Seth abraçasse a resolução de atentar contra a vida de seu filho recém- nascido, Ísis refugiou-se então na ilha flutuante de Khemis, nos pântanos perto de Buto, circunstância que concedeu a Hórus o epíteto de Hor- heri- uadj, ou seja, “Hórus que está sobre a sua planta de papiro”. Embora a natureza inóspita desta região lhe oferecesse a tão desejada segurança, visto que Seth jamais se aventuraria por uma região tão desértica, a mesma comprometia, concomitantemente, a sua subsistência, dada a flagrante escassez de alimentos característica daquele local. Para assegurar a sua sobrevivência e a de seu filho, Ísis vê-se obrigada a mendigar, pelo que, todas as madrugadas, oculta Hórus entre os papiros e erra pelos campos, disfarçada de mendiga, na ânsia de obter o tão necessário alimento. Uma noite, ao regressar para junto de Hórus, depara-se com um quadro verdadeiramente aterrador: o seu filho jazia, inanimado, no local onde ela o abandonara. Desesperada, Ísis procura restituir-lhe o sopro da vida, porém a criança encontrava-se demasiadamente débil para alimentar-se com o leite materno. Sem hesitar, a deusa suplica o auxílio dos aldeões, que todavia se relevam impotentes para a socorrer.
Quando o sofrimento já quase a fazia transpor o limiar da loucura, Ísis vislumbrou diante de si uma mulher popular pelos seus dons de magia, que prontamente examinou o seu filho, proclamando Seth alheio ao mal que o atormentava. Na realidade, Hórus ( ou Harpócrates, Horpakhered- “Hórus menino/ criança”) havia sido simplesmente vítima da picada de um escorpião ou de uma serpente. Angustiada, Ísis verificou então a veracidade das suas palavras, decidindo-se, de imediato, e evocar as deusas Néftis e Selkis (a deusa- escorpião), que prontamente ocorreram ao local da tragédia, aconselhando-a a rogar a Ré que suspendesse o seu percurso usual até que Hórus convalescesse integralmente. Compadecido com as suplicas de uma mãe, o deus solar ordenou assim a Toth que salvasse a criança. Quando finalmente se viu diante de Hórus e Ísis, Toth declarou então: “ Nada temas, Ísis! Venho até ti, armado do sopro vital que curará a criança. Coragem, Hórus! Aquele que habita o disco solar protege-te e a protecção de que gozas é eterna. Veneno, ordeno-te que saias! Ré, o deus supremo, far-te-á desaparecer. A sua barca deteve-se e só prosseguirá o seu curso quando o doente estiver curado. Os poços secarão, as colheitas morrerão, os homens ficarão privados de pão enquanto Hórus não tiver recuperado as suas forças para ventura da sua mãe Ísis. Coragem, Hórus. O veneno está morto, ei- lo vencido.”

Após haver banido, com a sua magia divina, o letal veneno que estava prestes a oferecer Hórus à morte, o excelso feiticeiro solicitou então aos habitantes de Khemis que velassem pela criança, sempre que a sua mãe tivesse necessidade de se ausentar. Muitos outros sortilégios se abateram sobre Hórus no decorrer da sua infância (males intestinais, febres inexplicáveis, mutilações), apenas para serem vencidos logo de seguida pelo poder da magia detida pelas sublimes deidades do panteão egípcio. No limiar da maturidade, Hórus, protegido até então por sua mãe, Ísis, tomou a resolução de vingar o assassinato de seu pai, reivindicando o seu legítimo direito ao trono do Egipto, usurpado por Seth. Ao convocar o tribunal dos deuses, presidido por Rá, Hórus afirmou o seu desejo de que seu tio deixasse, definitivamente, a regência do país, encontrando, ao ultimar os seus argumentos, o apoio de Toth, deus da sabedoria, e de Shu, deus do ar. Todavia, Ra contestou-os, veementemente, alegando que a força devastadora de Seth, talvez lhe concedesse melhores aptidões para reinar, uma vez que somente ele fora capaz de dominar o caos, sob a forma da serpente Apópis, que invadia, durante a noite, a barca do deus- sol, com o fito de extinguir, para toda a eternidade, a luz do dia. Ultimada uma querela verbal, que cada vez mais os apartava de um consenso, iniciou-se então uma prolixa e feroz disputa pelo poder, que opôs em confrontos selváticos, Hórus a seu tio. Após um infrutífero rol de encontros quase soçobrados na barbárie, Seth sugeriu que ele próprio e o seu adversário tomassem a forma de hipopótamos, com o fito de verificar qual dos dois resistiria mais tempo, mantendo-se submergidos dentro de água. 

Escoado algum tempo, Ísis foi incapaz de refrear a sua apreensão e criou um arpão, que lançou no local, onde ambos haviam desaparecido. Porém, ao golpear Seth, este apelou aos laços de fraternidade que os uniam, coagindo Ísis a sará-lo, logo em seguida. A sua intervenção enfureceu Hórus, que emergiu das águas, a fim de decapitar a sua mãe e, acto contíguo, levá-la consigo para as montanhas do deserto. Ao tomar conhecimento de tão hediondo acto, Rá, irado, vociferou que Hórus deveria ser encontrado e punido severamente. Prontamente, Seth voluntariou-se para capturá-lo. As suas buscas foram rapidamente coroadas de êxito, uma vez que este nem ápice se deparou com Hórus, que jazia, adormecido, junto a um oásis. Dominado pelo seu temperamento cruel, Seth arrancou ambos os olhos de Hórus, para enterrá-los algures, desconhecendo que estes floresceriam em botões de lótus. Após tão ignóbil crime, Seth reuniu-se a Rá, declarando não ter sido bem sucedido na sua procura, pelo que Hórus foi então considerado morto. Porém, a deusa Hátor encontrou o jovem deus, sarando-lhe, miraculosamente, os olhos, ao friccioná-los com o leite de uma gazela. Outra versão, pinta-nos um novo quatro, em que Seth furta apenas o olho esquerdo de Hórus, representante da lua. Contudo, nessa narrativa o deus-falcão, possuidor, em seus olhos, do Sol e da lua, é igualmente curado.



Em ambas as histórias, o Olho de Hórus, sempre representado no singular, torna-se mais poderoso, no limiar da perfeição, devido ao processo curativo, ao qual foi sujeito. Por esta razão, o Olho de Hórus ou Olho de Wadjet surge na mitologia egípcia como um símbolo da vitória do bem contra o mal, que tomou a forma de um amuleto protector. A crença egípcia refere igualmente que, em memória desta disputa feroz, a lua surge, constantemente, fragmentada, tal como se encontrava, antes que Hórus fosse sarado. Determinadas versões desta lenda debruçam-se sobre outro episódio de tão desnorteante conflito, em que Seth conjura novamente contra a integridade física de Hórus, através de um aparentemente inocente convite para o visitar em sua morada. A narrativa revela que, culminado o jantar, Seth procura desonrar Hórus, que, embora precavido, é incapaz de impedir que um gota de esperma do seu rival tombe em suas mãos. Desesperado, o deus vai então ao encontro de sua mãe, a fim de suplicar-lhe que o socorra. Partilhando do horror que inundava Hórus, Ísis decepou as mãos do filho, para arremessá-las de seguida à água, onde graças à magia suprema da deus, elas desaparecem no lodo. Todavia, esta situação torna-se insustentável para Hórus, que toma então a resolução de recorrer ao auxílio do Senhor Universal, cuja extrema bonomia o leva a compreender o sofrimento do deus- falcão e, por conseguinte, a ordenar ao deus- crocodilo Sobek, que resgatasse as mãos perdidas. Embora tal diligência haja sido coroada de êxito, Hórus depara-se com mais um imprevisto: as suas mãos tinham sido abençoadas por uma curiosa autonomia, incarnando dois dos filhos do deus- falcão. 

Novamente evocado, Sobek é incumbido da taregfa de capturar as mãos que teimavam em desaparecer e levá-las até junto do Senhor Universal, que, para evitar o caos de mais uma querela, toma a resolução de duplicá-las. O primeiro par é oferecido à cidade de Nekhen, sob a forma de uma relíquia, enquanto que o segundo é restituído a Hórus. Este prolixo e verdadeiramente selvático conflito foi enfim solucionado quando Toth persuadiu Rá a dirigir uma encomiástica missiva a Osíris, entregando-lhe um incontestável e completo título de realeza, que o obrigou a deixar o seu reino e confrontar o seu assassino. Assim, os dois deuses soberanos evocaram os seus poderes rivais e lançaram-se numa disputa ardente pelo trono do Egipto. Após um recontro infrutífero, Ra propôs então que ambos revelassem aquilo que tinham para oferecer à terra, de forma a que os deuses pudessem avaliar as suas aptidões para governar. Sem hesitar, Osíris alimentou os deuses com trigo e cevada, enquanto que Seth limitou-se a executar uma demonstração de força. Quando conquistou o apoio de Ra, Osíris persuadiu então os restantes deuses dos poderes inerentes à sua posição, ao recordar que todos percorriam o horizonte ocidental, alcançando o seu reino, no culminar dos seus caminhos. Deste modo, os deuses admitiram que, com efeito, deveria ser Hórus a ocupar o trono do Egipto, como herdeiro do seu pai. Por conseguinte, e volvidos cerca de oito anos de altercações e recontros ferozes, foi concedida finalmente ao deus- falcão a tão cobiçada herança, o que lhe valeu o título de Hor-paneb-taui ou Horsamtaui/Horsomtus, ou seja, “Hórus, senhor das Duas Terras”.



Como compensação, Rá concedeu a Seth um lugar no céu, onde este poderia desfrutar da sua posição de deus das tempestades e trovões, que o permitia atormentar os demais. Este mito parece sintetizar e representar os antagonismos políticos vividos na era pré- dinástica, surgindo Hórus como deidade tutelar do Baixo Egipto e Seth, seu oponente, como protector do Alto Egipto, numa clara disputa pela supremacia política no território egípcio. Este recontro possui igualmente uma cerca analogia com o paradoxo suscitado pelo combate das trevas com a luz, do dia com a noite, em suma, de todas as entidades antagónicas que encarnam a típica luta do bem contra o mal. A mitologia referente a este deus difere consoante as regiões e períodos de tempo. Porém, regra geral, Hórus surge como esposo de Háthor, deusa do amor, que lhe ofereceu dois filhos: Ihi, deus da música e Horsamtui, “Unificador das Duas Terras”. Todavia, e tal como referido anteriormente, Hórus foi imortalizado através de díspares representações, surgindo por vezes sob uma forma solar, enquanto filho de Atum- Ré ou Geb e Nut ou apresentado pela lenda osírica, como fruto dos amores entre Osíris e Ísis, abraçando assim diversas correntes mitológicas, que se fundem, renovam e completam em sua identidade. É dos muitos vectores em que o culto solar e o culto osírico, os mais relevantes do Antigo Egipto, se complementam num oásis de Sol, pátria de lendas de luz, em cujas águas d’ ouro voga toda a magia de uma das mais enigmáticas civilizações da Antiguidade. 

Detalhes e vocabulário egípcio:
culto de Hórus centralizava-se na cidade de Edfu, onde particularmente no período ptolomaico saboreou uma estrondosa popularidade;
culto do deus falcão dispersou-se em inúmeros sub- cultos, o que criou lendas controversas e inúmeras versões do popular deus, como a denominada Rá- Harakhty;
as estelas (pedras com imagens) de Hórus consideravam-se curativas de mordeduras de serpentes e picadas de escorpião, comuns nestas regiões, dado representarem o deus na sua infância vencendo os crocodilos e os escorpiões e estrangulando as serpentes. Sorver a água que qualquer devotado lhe houvesse deixado sobre a cabeça, significava a obtenção da protecção que Ísis proporcionava ao filho. Nestas estelas surgia, frequentemente, o deus Bes, que deita a língua de fora aos maus espíritos. Os feitiços cobrem os lados externos das estelas. Encontramos nelas uma poderosa protecção, como salienta a famigerada Estela de Mettenich: “Sobe veneno, vem e cai por terra. Hórus fala-te, aniquila-te, esmaga-te; tu não te levantas, tu cais, tu és fraco, tu não és forte; tu és cego, tu não vês; a tua cabeça cai para baixo e não se levanta mais, pois eu sou Hórus, o grande Mágico.”. 

Quando o sofrimento já quase a fazia transpor o limiar da loucura, Ísis vislumbrou diante de si uma mulher popular pelos seus dons de magia, que prontamente examinou o seu filho, proclamando Seth alheio ao mal que o atormentava. Na realidade, Hórus ( ou Harpócrates, Horpakhered- “Hórus menino/ criança”) havia sido simplesmente vítima da picada de um escorpião ou de uma serpente. Angustiada, Ísis verificou então a veracidade das suas palavras, decidindo-se, de imediato, e evocar as deusas Néftis e Selkis (a deusa- escorpião), que prontamente ocorreram ao local da tragédia, aconselhando-a a rogar a Ré que suspendesse o seu percurso usual até que Hórus convalescesse integralmente. Compadecido com as suplicas de uma mãe, o deus solar ordenou assim a Toth que salvasse a criança. Quando finalmente se viu diante de Hórus e Ísis, Toth declarou então: “ Nada temas, Ísis! Venho até ti, armado do sopro vital que curará a criança. Coragem, Hórus! Aquele que habita o disco solar protege-te e a protecção de que gozas é eterna. Veneno, ordeno-te que saias! Ré, o deus supremo, far-te-á desaparecer. A sua barca deteve-se e só prosseguirá o seu curso quando o doente estiver curado. Os poços secarão, as colheitas morrerão, os homens ficarão privados de pão enquanto Hórus não tiver recuperado as suas forças para ventura da sua mãe Ísis. Coragem, Hórus. O veneno está morto, ei- lo vencido.”

Após haver banido, com a sua magia divina, o letal veneno que estava prestes a oferecer Hórus à morte, o excelso feiticeiro solicitou então aos habitantes de Khemis que velassem pela criança, sempre que a sua mãe tivesse necessidade de se ausentar. Muitos outros sortilégios se abateram sobre Hórus no decorrer da sua infância (males intestinais, febres inexplicáveis, mutilações), apenas para serem vencidos logo de seguida pelo poder da magia detida pelas sublimes deidades do panteão egípcio. No limiar da maturidade, Hórus, protegido até então por sua mãe, Ísis, tomou a resolução de vingar o assassinato de seu pai, reivindicando o seu legítimo direito ao trono do Egipto, usurpado por Seth. Ao convocar o tribunal dos deuses, presidido por Rá, Hórus afirmou o seu desejo de que seu tio deixasse, definitivamente, a regência do país, encontrando, ao ultimar os seus argumentos, o apoio de Toth, deus da sabedoria, e de Shu, deus do ar. Todavia, Ra contestou-os, veementemente, alegando que a força devastadora de Seth, talvez lhe concedesse melhores aptidões para reinar, uma vez que somente ele fora capaz de dominar o caos, sob a forma da serpente Apópis, que invadia, durante a noite, a barca do deus- sol, com o fito de extinguir, para toda a eternidade, a luz do dia. Ultimada uma querela verbal, que cada vez mais os apartava de um consenso, iniciou-se então uma prolixa e feroz disputa pelo poder, que opôs em confrontos selváticos, Hórus a seu tio. Após um infrutífero rol de encontros quase soçobrados na barbárie, Seth sugeriu que ele próprio e o seu adversário tomassem a forma de hipopótamos, com o fito de verificar qual dos dois resistiria mais tempo, mantendo-se submergidos dentro de água. 

Escoado algum tempo, Ísis foi incapaz de refrear a sua apreensão e criou um arpão, que lançou no local, onde ambos haviam desaparecido. Porém, ao golpear Seth, este apelou aos laços de fraternidade que os uniam, coagindo Ísis a sará-lo, logo em seguida. A sua intervenção enfureceu Hórus, que emergiu das águas, a fim de decapitar a sua mãe e, acto contíguo, levá-la consigo para as montanhas do deserto. Ao tomar conhecimento de tão hediondo acto, Rá, irado, vociferou que Hórus deveria ser encontrado e punido severamente. Prontamente, Seth voluntariou-se para capturá-lo. As suas buscas foram rapidamente coroadas de êxito, uma vez que este nem ápice se deparou com Hórus, que jazia, adormecido, junto a um oásis. Dominado pelo seu temperamento cruel, Seth arrancou ambos os olhos de Hórus, para enterrá-los algures, desconhecendo que estes floresceriam em botões de lótus. Após tão ignóbil crime, Seth reuniu-se a Rá, declarando não ter sido bem sucedido na sua procura, pelo que Hórus foi então considerado morto. Porém, a deusa Hátor encontrou o jovem deus, sarando-lhe, miraculosamente, os olhos, ao friccioná-los com o leite de uma gazela. Outra versão, pinta-nos um novo quatro, em que Seth furta apenas o olho esquerdo de Hórus, representante da lua. Contudo, nessa narrativa o deus-falcão, possuidor, em seus olhos, do Sol e da lua, é igualmente curado.


Em ambas as histórias, o Olho de Hórus, sempre representado no singular, torna-se mais poderoso, no limiar da perfeição, devido ao processo curativo, ao qual foi sujeito. Por esta razão, o Olho de Hórus ou Olho de Wadjet surge na mitologia egípcia como um símbolo da vitória do bem contra o mal, que tomou a forma de um amuleto protector. A crença egípcia refere igualmente que, em memória desta disputa feroz, a lua surge, constantemente, fragmentada, tal como se encontrava, antes que Hórus fosse sarado. Determinadas versões desta lenda debruçam-se sobre outro episódio de tão desnorteante conflito, em que Seth conjura novamente contra a integridade física de Hórus, através de um aparentemente inocente convite para o visitar em sua morada. A narrativa revela que, culminado o jantar, Seth procura desonrar Hórus, que, embora precavido, é incapaz de impedir que um gota de esperma do seu rival tombe em suas mãos. Desesperado, o deus vai então ao encontro de sua mãe, a fim de suplicar-lhe que o socorra. Partilhando do horror que inundava Hórus, Ísis decepou as mãos do filho, para arremessá-las de seguida à água, onde graças à magia suprema da deus, elas desaparecem no lodo. Todavia, esta situação torna-se insustentável para Hórus, que toma então a resolução de recorrer ao auxílio do Senhor Universal, cuja extrema bonomia o leva a compreender o sofrimento do deus- falcão e, por conseguinte, a ordenar ao deus- crocodilo Sobek, que resgatasse as mãos perdidas. Embora tal diligência haja sido coroada de êxito, Hórus depara-se com mais um imprevisto: as suas mãos tinham sido abençoadas por uma curiosa autonomia, incarnando dois dos filhos do deus- falcão. 

Novamente evocado, Sobek é incumbido da taregfa de capturar as mãos que teimavam em desaparecer e levá-las até junto do Senhor Universal, que, para evitar o caos de mais uma querela, toma a resolução de duplicá-las. O primeiro par é oferecido à cidade de Nekhen, sob a forma de uma relíquia, enquanto que o segundo é restituído a Hórus. Este prolixo e verdadeiramente selvático conflito foi enfim solucionado quando Toth persuadiu Rá a dirigir uma encomiástica missiva a Osíris, entregando-lhe um incontestável e completo título de realeza, que o obrigou a deixar o seu reino e confrontar o seu assassino. Assim, os dois deuses soberanos evocaram os seus poderes rivais e lançaram-se numa disputa ardente pelo trono do Egipto. Após um recontro infrutífero, Ra propôs então que ambos revelassem aquilo que tinham para oferecer à terra, de forma a que os deuses pudessem avaliar as suas aptidões para governar. Sem hesitar, Osíris alimentou os deuses com trigo e cevada, enquanto que Seth limitou-se a executar uma demonstração de força. Quando conquistou o apoio de Ra, Osíris persuadiu então os restantes deuses dos poderes inerentes à sua posição, ao recordar que todos percorriam o horizonte ocidental, alcançando o seu reino, no culminar dos seus caminhos. Deste modo, os deuses admitiram que, com efeito, deveria ser Hórus a ocupar o trono do Egipto, como herdeiro do seu pai. Por conseguinte, e volvidos cerca de oito anos de altercações e recontros ferozes, foi concedida finalmente ao deus- falcão a tão cobiçada herança, o que lhe valeu o título de Hor-paneb-taui ou Horsamtaui/Horsomtus, ou seja, “Hórus, senhor das Duas Terras”.



Como compensação, Rá concedeu a Seth um lugar no céu, onde este poderia desfrutar da sua posição de deus das tempestades e trovões, que o permitia atormentar os demais. Este mito parece sintetizar e representar os antagonismos políticos vividos na era pré- dinástica, surgindo Hórus como deidade tutelar do Baixo Egipto e Seth, seu oponente, como protector do Alto Egipto, numa clara disputa pela supremacia política no território egípcio. Este recontro possui igualmente uma cerca analogia com o paradoxo suscitado pelo combate das trevas com a luz, do dia com a noite, em suma, de todas as entidades antagónicas que encarnam a típica luta do bem contra o mal. A mitologia referente a este deus difere consoante as regiões e períodos de tempo. Porém, regra geral, Hórus surge como esposo de Háthor, deusa do amor, que lhe ofereceu dois filhos: Ihi, deus da música e Horsamtui, “Unificador das Duas Terras”. Todavia, e tal como referido anteriormente, Hórus foi imortalizado através de díspares representações, surgindo por vezes sob uma forma solar, enquanto filho de Atum- Ré ou Geb e Nut ou apresentado pela lenda osírica, como fruto dos amores entre Osíris e Ísis, abraçando assim diversas correntes mitológicas, que se fundem, renovam e completam em sua identidade. É dos muitos vectores em que o culto solar e o culto osírico, os mais relevantes do Antigo Egipto, se complementam num oásis de Sol, pátria de lendas de luz, em cujas águas d’ ouro voga toda a magia de uma das mais enigmáticas civilizações da Antiguidade. 

FONTE: TRECHO DO LIVRO
A GUERRA DE DEUSES E HOMENS" AUTOR: Zecharia Sitchin 

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