Salomão e Sulaymān ibn Dāwūd: Uma Análise Exaustiva do Mestre Esotérico, Seus Poderes e Seu Domínio sobre Espíritos, Demônios e Gênios na Literatura Bíblica, Apócrifa e Árabe

 




O Rei Salomão (em hebraico: שְׁלֹמֹה, Shlomo) e o Profeta Sulaymān ibn Dāwūd (em árabe: سُلَيْمَان‎) representam um dos arquétipos de sabedoria, riqueza e poder sobrenatural mais complexos e duradouros na história das religiões abraâmicas. Sua lenda transcende as fronteiras religiosas e culturais, manifestando-se distintamente em três esferas principais: o Rei-Sábio (Bíblia Canônica), o Mago Construtor (Literatura Apócrifa e Oculta Ocidental) e o Profeta-Soberano (Islã e Tradição Árabe).

Este relatório visa traçar a evolução desse arquétipo, examinando as fontes canônicas, a demonologia apócrifa e, de forma exaustiva, a vasta literatura árabe e islâmica que consagra Sulaymān como um mestre esotérico divinamente dotado de autoridade absoluta sobre as forças invisíveis, notadamente os Jinn (gênios), demônios e o próprio vento.

I. Introdução e O Arquétipo Multifacetado de Salomão/Sulaymān

1.1. A Unidade Tripla do Rei: Histórico, Profeta e Magista

Salomão, filho de Davi, é inicialmente apresentado nos textos sagrados hebraicos (1 Reis e 2 Crônicas) como um governante agraciado com sabedoria e riqueza inigualáveis, cujo reinado marcou o apogeu da monarquia israelita. No entanto, sua lenda rapidamente se expandiu para a esfera do esoterismo e da magia coercitiva na antiguidade tardia (séculos I-V d.C.) através de textos apócrifos. Posteriormente, com o surgimento do Islã no século VII d.C., a figura foi recontextualizada como um dos grandes profetas (Nabī) de Allah, mantendo seu domínio sobre o sobrenatural, mas purificado de qualquer sugestão de feitiçaria ou erro humano.

### 1.2. Definição Terminológica e Teológica

A distinção entre Salomão (o Rei de Israel) e Sulaymān (o Profeta Islâmico) é central para compreender a natureza de seu poder sobre os espíritos. Na tradição ocidental, o poder de Salomão sobre demônios é frequentemente associado à posse de um artefato mágico (o Selo) e, em certas interpretações, implica uma aquisição de conhecimento esotérico que, embora concedida por Deus, o colocava em risco de corrupção ou queda. Em contraste, no Islã, o poder de Sulaymān é um mu'jiza (milagre), uma concessão direta e exclusiva de Allah, que o dotou de autoridade inquestionável para governar sobre a humanidade, o reino animal e os Jinn.

Para a pesquisa árabe, é crucial entender os termos islâmicos:

 * Nabī (نَبِيّ): Profeta, enfatizando a sua função como mensageiro divino e guia dos israelitas.

 * Jinn (جِنّ): Gênios, entidades criadas a partir de "fogo sem fumaça" com livre arbítrio, coexistindo com anjos e humanos.

 * Shayāṭīn (شَيَاطِين): A facção maligna dos Jinn, liderada por Iblees (o Diabo), que são os demônios escravizados por Sulaymān.

A tradição islâmica insiste que Sulaymān permaneceu fiel a Deus por toda a sua vida e foi abençoado com uma autoridade que ninguém antes ou depois dele jamais possuiria. Essa insistência teológica serve como um contraponto direto às narrativas apócrifas e talmúdicas ocidentais que questionam a santidade de Salomão. Por exemplo, o Testamento de Salomão sugere que o Templo de Jerusalém, construído com a mão de obra de demônios, era impuro e, por isso, estava fadado à queda. A pureza inabalável de Sulaymān no Islã elimina essa mancha, absorvendo o poder esotérico de Salomão, mas o realocando firmemente na esfera do milagre divino, e não da magia humana.

| Tabela 1: Síntese Comparativa de Salomão/Sulaymān nas Três Tradições |

|---|

| Tradição |

| Bíblica Canônica |

| Apócrifa/Oculta |

| Islâmica |

II. O Legado Canônico e a Busca pela Historicidade (A Perspectiva Ocidental)

2.1. O Apogeu da Sabedoria e Riqueza no Texto Bíblico

Os registros canônicos estabelecem Salomão como uma figura de poder e intelecto sem paralelo. O Segundo Livro das Crônicas afirma: "O rei Salomão tornou-se o homem mais rico e mais sábio da terra, superando em muito os reis de seu tempo". Sua sabedoria era um dom direto de Deus, um conhecimento outorgado que excedia a sabedoria de todos os homens do Oriente e toda a sabedoria do Egito. O propósito dessa sabedoria, conforme as Escrituras, era governar Israel com justiça, e não necessariamente o domínio oculto.

Além da sabedoria, o Rei Salomão era notavelmente rico. Essa combinação de riqueza e sabedoria atraía a atenção global, levando reis de toda a terra a buscar audiências com ele para ouvir os ensinamentos divinos que emanavam de seus lábios.

2.2. O Enigma da Rainha de Sabá (Bilqis): Ponto de Conexão Geopolítica

Um dos episódios mais cruciais que ligam o rei Salomão ao Oriente Próximo e à África é a visita da Rainha de Sabá. Nomeada Bilqis na tradição árabe e Makeda na tradição Ge’ez etíope, ela trouxe uma caravana de presentes valiosos, incluindo ouro, pedras preciosas e especiarias, com o objetivo expresso de testar a sabedoria do rei. A rainha ficou profundamente impressionada com a sabedoria de Salomão, a majestade de seu reino e o Templo que ele havia concluído.

A identidade exata e a localização de Sabá permanecem fontes de debate acadêmico, com alguns estudiosos situando-a no antigo reino de Saba, no atual Iêmen, e outros na Etiópia. Contudo, a pesquisa arqueológica moderna encontrou evidências de intensa interação. A decifração de uma antiga inscrição árabe do sul (Sabean) em um jarro de cerâmica encontrado durante as escavações de 2012 no Ophel, perto do Templo de Jerusalém, datado da época de Salomão, sugere fortemente uma conexão cultural e comercial entre o Reino de Israel e o Reino de Sabá, adicionando peso à historicidade, pelo menos, da interação regional.

2.3. Estudos Críticos Modernos e Arqueologia

A historicidade de Salomão, como a de seu pai Davi, é frequentemente objeto de controvérsia acadêmica. No entanto, arqueólogos reconhecem que, embora o relato bíblico possa não ser historicamente literal em todos os detalhes, ele "provavelmente não é uma ficção completa".

A vasta riqueza e glória de Salomão, superando a de todos os reis, é um ponto de partida narrativo significativo. Projetos de construção tão grandiosos quanto o Templo de Jerusalém e os palácios reais demandavam uma enorme quantidade de recursos e mão de obra, conforme relatado na Bíblia. Essa necessidade logística e material, implícita no relato canônico, criou um vácuo narrativo que o Apócrifo preencheu. A tradição apócrifa e, mais tarde, o Islã, resolveram o enigma logístico de como Salomão conseguiu construir o Templo com tamanha velocidade e escala, atribuindo a façanha a uma força de trabalho sobrenatural e ilimitada: demônios e Jinn escravizados. Assim, a glória material de Salomão se torna a causa fundamental do seu envolvimento com o domínio esotérico e sobrenatural em narrativas posteriores.

III. Salomão na Demonologia Judaico-Cristã Apócrifa

O arquétipo do mestre esotérico de Salomão se cristaliza no Testamento de Salomão, um texto pseudepígrafo que remonta ao período que se estende aproximadamente do século I ao V d.C. Este trabalho é fundamental para o esoterismo ocidental, pois estabelece o método e a autoridade para a magia demonológica.

3.1. O Testamento de Salomão: O Início da Demonologia Oculta

O Testamento de Salomão relata como Salomão recebeu um anel especial e um Selo de Deus (o Selo de Salomão, frequentemente um hexagrama ou pentagrama), que lhe outorgavam o poder de confinar, interrogar e comandar espíritos malignos. O texto detalha o processo de submissão e controle, onde Salomão sela e traz demônios à sua presença com a ajuda do anel. Ele interroga cada demônio para descobrir seu nome, atividades e o anjo ou ser celestial que pode frustrá-lo, construindo um vasto compêndio de demonologia.

Um exemplo dessa interrogação é o demônio na forma de leão que ruge, que causa fraqueza e doença nos homens e comanda legiões, mas que só pode ser frustrado por "Briathos, o grande". Salomão utiliza esse conhecimento para subjugá e confinar entidades poderosas, como o "demônio sem cabeça" e o cão associado a ele, que são forçados a lançar luz sobre os artesãos.

3.2. Demonização e Escravidão para a Construção do Templo

A principal aplicação desse poder, conforme o Testamento, foi o uso de demônios como mão de obra escravizada para a construção do Templo de Jerusalém. O autor apócrifo afirma: "Salomão ao invés de fato de contratar a mão de obra especializada... preferiu subjugar demônios para esses demônios de operário".

No entanto, essa narrativa é marcada por uma profunda crítica teológica. O autor do Testamento sugere que a utilização de demônios impurificou o Templo. A queda subsequente do Templo não foi um sinal de que a divindade de Israel (Yahvé) era inferior aos deuses romanos, mas sim um sinal de que o Templo era impuro e, portanto, não pertencia verdadeiramente a Yahvé. A tradição apócrifa, portanto, usa a figura de Salomão para explorar a difícil questão da ética do uso de forças malignas para fins divinos: o uso dos meios demoníacos, mesmo que forçados, compromete a santidade do fim.

3.3. A Queda Potencial e o Legado Controverso

A vulnerabilidade de Salomão é um tema proeminente no Testamento e em outras literaturas paralelas (como o Talmude). O rei temia o poderoso demônio Asmodeus (Ashmedai), que, em certas versões da história, conseguiu tomar o lugar de Salomão por um tempo, servindo como uma explicação para os comportamentos estranhos do rei durante seu reinado.

Essa narrativa de vulnerabilidade e queda é um ponto de divergência crucial em relação à tradição islâmica. A fragilidade de Salomão ou o seu envolvimento com o que é inerentemente maligno (mesmo que coercitivo) estabeleceu uma dicotomia na magia ocidental. A goetia (invocação de espíritos malignos), ligada à lenda de Salomão, era geralmente considerada herética e "desafortunada," em contraste com a theurgia (magia divina).

3.4. Transição para a Magia Cerimonial Ocidental

O legado de Salomão como mestre esotérico é mais evidente na literatura oculta do final da Idade Média e do Renascimento. O grimório Lesser Key of Solomon (Lemegeton Clavicula Salomonis), compilado no século XVII a partir de materiais mais antigos, baseia-se diretamente no Testamento e no poder do Selo.

A primeira parte deste grimório, a Ars Goetia, é o catálogo mais famoso da demonologia ocidental, listando os 72 espíritos que Salomão supostamente invocou e selou. Embora algumas tradições (como a talmúdica/apócrifa) sugiram que quem de fato invocou os 72 demônios poderia ter sido Asmodeus disfarçado, o crédito e a autoridade para essa catalogação são inequivocamente atribuídos ao Rei Salomão, tornando-o o patrono da magia cerimonial ocidental.

IV. Sulaymān ibn Dāwūd: O Profeta de Allah (A Perspectiva Islâmica)

Na tradição islâmica, Sulaymān ibn Dāwūd é reverenciado como um profeta e um dos maiores governantes da história. Seu poder não é resultado de um instrumento mágico que ele dominou, mas sim um dom milagroso, uma resposta a uma súplica (Dua) específica a Allah para lhe conceder um reino que ninguém mais teria.

4.1. Autoridade Profética e Devoção Inabalável

Diferentemente das narrativas ocidentais, a tradição islâmica sustenta a fidelidade total de Sulaymān a Allah. Ele é descrito como um modelo de humildade e gratidão, mesmo possuindo mais poder do que qualquer outro ser humano. Seu sucesso e sua autoridade derivavam exclusivamente da confiança em Deus, e por isso lhe foi prometida a proximidade de Allah no Paraíso (Jannah).

O vasto domínio de Sulaymān incluía a capacidade de se comunicar com animais (como a formiga e o pássaro Hoopoe) e de controlar os ventos. Ele comandava o vento, que obedecia, soprando suavemente para onde ele desejava e transportando ele e seu exército em uma grande plataforma de madeira, um meio de transporte exclusivo e miraculoso na época.

4.2. O Comando e a Subjugação dos Jinn

A parte mais importante de seu poder esotérico era a autoridade para subjugar os Jinn, forçando-os a trabalhar e a se sujeitar à lei divina. Os Jinn, por natureza rebeldes , eram obrigados a realizar tarefas como a construção do Templo de Jerusalém (Baitul Maqdis) e o mergulho em busca de riquezas. A desobediência a Sulaymān era tratada como um desvio da lei de Allah e era punida severamente: "E quem dentre eles se desviasse de Nosso comando — fá-lo-emos provar o castigo da Chama" (Az-Zāg).

4.3. O Desafio de Bilqis (A Rainha de Sabá) e a Supremacia da Revelação

O episódio da Rainha de Sabá (Bilqis) é central para demonstrar a natureza hierárquica do poder de Sulaymān. Quando o pássaro Hoopoe relatou que Bilqis adorava o sol, Sulaymān lhe enviou uma carta. Enquanto Bilqis estava a caminho de seu reino, Sulaymān pediu que seu trono, que estava a cerca de 2.000 milhas de distância (entre a Palestina e o Iêmen/Sabá) , fosse trazido antes de sua chegada.

Um Jinn poderoso, um Ifrit, ofereceu-se para trazê-lo antes que Sulaymān se levantasse de seu lugar. No entanto, um homem dotado de conhecimento da Escritura (o Livro Divino) se ofereceu e trouxe o trono "em um piscar de olhos".

O significado teológico deste evento é profundo. Embora Sulaymān tivesse o poder de comandar até mesmo o Ifrit, a demonstração de poder mais rápida não veio do Jinn, mas sim de um humano que possuía o conhecimento da revelação (a Escritura). O poder bruto e a velocidade inerentes ao Jinn foram superados pelo poder que reside na sabedoria e na fé, reforçando a supremacia do conhecimento divino sobre as forças ocultas.

V. O Mestre Esotérico e a Vastidão da Literatura Árabe sobre os Jinn

A tradição árabe não apenas aceita a soberania de Sulaymān sobre os espíritos, mas também fornece um quadro cosmológico detalhado sobre a natureza dessas entidades.

5.1. A Demonologia Islâmica e a Natureza do Jinn

Os Jinn são uma das três criações inteligentes de Deus, ao lado dos anjos (criados de luz/fótons) e dos humanos (criados de barro/carbono e água). Os Jinn foram criados a partir de "fogo sem fumaça". Crucialmente, tanto Jinn quanto humanos desfrutam de livre arbítrio, o que explica a existência de Jinn bons, neutros e malignos. Os puramente malignos são chamados Shayāṭīn (demônios), liderados por Iblees, o Jinn que se recusou a se curvar a Adão e se tornou o arqui-inimigo da humanidade.

A autoridade de Sulaymān sobre esses seres não era mágica, mas sim teocrática. Seu domínio garantia que mesmo as entidades mais malignas fossem forçadas a servir a um propósito divino: a construção do Templo e a imposição da ordem.

| Tabela 2: Classificação e Funções das Entidades Sobrenaturais na Tradição de Sulaymān |

|---|

| Termo Árabe |

| Jinn (Gênios) |

| Shayāṭīn (Plural) |

| Ifrit |

### 5.2. O Milagre da Morte: Prova Contra a Onisciência dos Jinn

A narrativa mais notável na literatura árabe sobre o domínio de Sulaymān é a de sua morte, que cumpre uma função teológica crítica ao refutar a alegação dos Jinn de possuírem conhecimento do invisível (Ghayb).

Sulaymān, sabendo que sua morte se aproximava, mas que a construção do Baitul Maqdis (Templo) ainda não estava completa, não desejava que os Jinn (que eram inerentemente rebeldes) parassem de trabalhar. Ele morreu de pé, apoiado em seu cajado, na posição de oração e adoração. Os Jinn, temendo-o, continuaram a trabalhar arduamente por um ano inteiro, acreditando que ele estava simplesmente absorto em devoção. Somente quando um cupim (ou verme da terra) roeu o cajado, fazendo com que o corpo de Sulaymān caísse, é que os Jinn perceberam que ele havia morrido.

O fim da história é um ayat (sinal) fundamental. Quando os Jinn finalmente compreenderam, ficaram humilhados. A revelação atingiu-os com grande força: "se tivessem conhecimento do invisível (Ghayb), não teriam permanecido no castigo humilhante". Essa narrativa desmantela qualquer pretensão dos Jinn de conhecimento supremo ou onisciência, reforçando a soberania exclusiva de Allah sobre o Ghayb. A escravidão dos Jinn por Sulaymān, portanto, é vista como uma forma de justiça divina para controlar o mal, e sua libertação após a morte não é uma falha, mas sim a conclusão de um ciclo profético divinamente ordenado.

VI. O Uso do Arquétipo de Sulaymān na Literatura Árabe Pós-Clássica e no Esoterismo Islâmico

O legado de Sulaymān como mestre esotérico permeia as tradições místicas e ocultas do Oriente Médio, mas sob uma lente de purificação teológica que o separa das práticas de feitiçaria condenadas (sihr).

6.1. O Simbolismo Sufi: A Batalha Interna

Na mística islâmica, o conflito de Sulaymān com os Shayāṭīn é frequentemente interpretado alegoricamente. O domínio sobre os demônios reflete o controle do Nafs al-Ammara, a alma que comanda o mal e os impulsos inferiores do ser humano. Para o Sufismo, o “Selamento” dos demônios é um paradigma para a luta espiritual interna e a purificação da alma, onde o sábio deve subjugar seus próprios shayāṭīn internos para alcançar a proximidade de Deus. O domínio de Sulaymān sobre o invisível se torna, assim, um símbolo da maestria espiritual alcançada através da devoção inabalável.

6.2. O Legado em Manuscritos de Ocultismo Árabe (Ilm al-Ghayb)

A figura de Sulaymān é a fonte primordial de autoridade para muitas tradições esotéricas islâmicas, como a Ilm al-Jinn (Conhecimento dos Jinn) e a Ilm al-Huruf (Ciência das Letras). O Selo de Sulaymān (Khatim Sulaymān), frequentemente representado por um hexagrama, é um ícone poderoso de proteção e autoridade em todo o mundo islâmico.

Contudo, há uma distinção fundamental entre o esoterismo islâmico e a Goetia ocidental. Enquanto o ocultismo ocidental, derivado do Lemegeton, busca a invocação e o comando técnico dos demônios para obter poder (o que é classificado como goetia ou magia negra) , a esotérica islâmica legítima busca o auxílio de Deus (via a autoridade profética de Sulaymān) para proteger e repelir Jinn malignos, um processo conhecido como Ruqyah (exorcismo legal). A autoridade de Sulaymān é usada para reafirmar a soberania divina sobre o oculto, não para cooptá-lo para fins humanos.

6.3. A Racionalização Profética da Magia

A tradição islâmica efetivamente purificou a lenda de Salomão do estigma da feitiçaria, reclassificando o controle sobre os espíritos como um milagre (mu'jiza) exclusivo e irrepetível de um Profeta. Essa abordagem é crucial para a teologia. Ao invés de ser um mago poderoso, mas falível, que sucumbiu ao medo e à queda potencial, Sulaymān é um canal de poder divino que opera com humildade e gratidão. Seu exemplo estabeleceu que o domínio sobre o sobrenatural, quando mediado por um Profeta, é legítimo e moralmente puro, enquanto a tentativa humana de replicar esse controle (feitiçaria ou goetia) é proibida.

| Tabela 3: Contrastes entre o Controle de Espíritos: Mago vs. Profeta |

|---|

| Aspecto |

| Fonte de Autoridade |

| Propósito Principal |

| Risco de Corrupção |

| Resultado para os Jinn |

---

VII. Conclusão: Síntese Comparativa e Legado Eterno

O Rei Salomão/Profeta Sulaymān ibn Dāwūd constitui um dos estudos mais ricos em religião comparada. Sua figura evoluiu do Rei Sábio Bíblico, cuja historicidade é parcialmente corroborada por evidências de conexões regionais (como a ligação arqueológica com Sabá) , para o Mago Esotérico na literatura apócrifa e nos grimórios ocidentais (Goetia) , onde sua história serve para mapear a demonologia, embora com a ressalva de que o uso de demônios impurifica o trabalho divino.

No entanto, o foco exaustivo na literatura árabe e islâmica revela uma reinterpretação teologicamente coerente. A tradição islâmica absorveu o poder esotérico de Salomão, mas o redefiniu, retirando-o da esfera da magia humana e situando-o na esfera do milagre profético. Sulaymān é o mestre esotérico supremo, o único ser humano a quem foi concedido o comando absoluto sobre Jinn e vento.

A literatura árabe sobre Sulaymān cumpre a função de fornecer uma teologia clara: o poder sobre os espíritos não é um fim em si mesmo, mas um meio para a devoção e um teste da soberania de Allah. A história de sua morte — na qual os Jinn continuaram trabalhando por medo de um corpo falecido, provando que não possuem conhecimento do Ghayb (Invisível)  — é a principal lição teológica que garante que a autoridade de Sulaymān sobre o oculto nunca possa ser replicada por feitiçaria humana.

O nome Sulaymān/Salomão permanece, assim, a autoridade suprema sobre o invisível. Enquanto no Ocidente ele é o patrono dos grimórios que buscam o comando técnico dos 72 espíritos , no Oriente Médio, ele é o Profeta cuja autoridade é invocada para a proteção contra as influências malignas dos Shayāṭīn. Em ambas as tradições, ele continua a ser o arquétipo central que define a relação entre a humanidade e o domínio esotérico.

Comentários