Introdução à Cosmogonia Asteca
A cosmogonia asteca, ou mexica, é um sistema de crenças profundamente cíclico e sacrifical, onde a criação não é um evento único, mas sim um processo repetido de eras, ou "Sóis" (Tonal), cada uma culminando em uma catástrofe e no surgimento de uma nova humanidade. Este sistema está gravado em artefatos fundamentais, como a Pedra do Sol (ou Calendário Asteca), onde os quatro sóis anteriores circundam a representação da era atual.
A doutrina central é que o cosmos é mantido pelo sacrifício divino. Cada Sol anterior e a humanidade associada foram criados e destruídos devido ao desequilíbrio cósmico ou à disputa entre os deuses criadores, principalmente os irmãos rivais Tezcatlipoca (deus do céu noturno, da feitiçaria e da terra) e Quetzalcoatl (Serpente Emplumada, deus da sabedoria, do vento e da vida).
Os Quatro Sóis Anteriores e Suas Humanidades
Antes da era atual, Nahui Ollin (Quinto Sol), a mitologia registra quatro humanidades distintas, cada uma associada a um elemento destrutivo, um Sol e um deus regente.
| Era (Sol) | Nome Nahuatl | Deus Regente | Humanidade | Cataclismo |
|---|---|---|---|---|
| Primeiro Sol | Nahui Ocēlōtl (Quatro Jaguar) | Tezcatlipoca | Gigantes (Homens de Ossos) | Devorados por Jaguares |
| Segundo Sol | Nahui Ehēcatl (Quatro Vento) | Quetzalcoatl | Seres que comiam Pinhas | Transformados em Macacos por Furacões |
| Terceiro Sol | Nahui Quiyahuitl (Quatro Chuva) | Tlaloc | Seres que comiam Milho Aquático | Chuva de Fogo e Cinzas |
| Quarto Sol | Nahui Ātl (Quatro Água) | Chalchiuhtlicue | Seres que comiam Milho | Dilúvio e a Queda do Céu |
1. Nahui Ocēlōtl (O Sol de Jaguar)
* Regente: Tezcatlipoca.
* A Humanidade: Os primeiros seres humanos eram gigantes (algumas fontes os chamam de pipiltin, crianças, em oposição aos grandes tzitzimime). Eles eram desajeitados, fortes e se alimentavam de bolotas e ervas silvestres.
* O Fim: A destruição ocorreu quando Quetzalcoatl, descontente com a criação de seu irmão, o derrubou do céu (ou, em outra versão, Tezcatlipoca transformou-se em Sol, mas Quetzalcoatl o derrubou). Furioso, Tezcatlipoca assumiu a forma de um gigantesco Jaguar (Ocēlōtl) e invocou outros jaguares para descerem das estrelas. Estes devoraram a humanidade, pondo fim à era.
2. Nahui Ehēcatl (O Sol de Vento)
* Regente: Quetzalcoatl.
* A Humanidade: Quetzalcoatl tentou criar uma humanidade mais próxima de sua visão, que se alimentava de sementes e pinhas.
* O Fim: A disputa entre os irmãos continuou. Tezcatlipoca, invejoso, usou seus poderes para corromper esta humanidade. Em sua tristeza, ou raiva, Quetzalcoatl desencadeou furacões catastróficos. Os homens foram varridos e, para evitar a morte completa, foram transformados em macacos. O Sol e o mundo foram destruídos por ventos devastadores, e o Sol foi derrubado novamente.
3. Nahui Quiyahuitl (O Sol de Chuva/Fogo)
* Regente: Tlaloc, o deus da chuva.
* A Humanidade: Os seres deste Sol viviam sob a égide de Tlaloc, dependendo da chuva para a subsistência (alimentavam-se de sementes e milho aquático).
* O Fim: Esta era é marcada pela instabilidade emocional dos deuses. Tezcatlipoca roubou Xochiquetzal, a esposa de Tlaloc. Devido à sua profunda depressão e luto, Tlaloc negligenciou seu domínio, causando uma grande seca. Eventualmente, em um ataque de fúria, ele fez com que chovesse fogo (Quiyahuitl) e lava, que consumiu o Sol e a humanidade. Os sobreviventes se transformaram em aves (como cachorros e borboletas em algumas versões), escapando ao se refugiarem nas árvores.
4. Nahui Ātl (O Sol de Água)
* Regente: Chalchiuhtlicue, a deusa da água doce, irmã ou esposa de Tlaloc.
* A Humanidade: Estes seres novamente se alimentavam de sementes, mas viviam sob o domínio das águas.
* O Fim: Esta era findou em um Dilúvio universal que durou 52 anos. As águas subiram tanto que o próprio céu desabou sobre a terra, mergulhando o mundo na escuridão. Os seres humanos desta era foram transformados em peixes, para que pudessem sobreviver à inundação, mas o mundo foi, mais uma vez, destruído.
A Criação do Quinto Sol (Nahui Ollin)
Após a destruição do Quarto Sol, o mundo permaneceu em trevas, e os deuses se reuniram em Teotihuacan ("O lugar onde os deuses nasceram") para restaurar o cosmos.
O Sacrifício em Teotihuacan
Para que o novo Sol surgisse, um deus precisava se sacrificar, saltando na fogueira sagrada.
* Os Voluntários: Dois deuses se ofereceram: Tecuciztecatl (o rico, vaidoso e orgulhoso) e Nanahuatzin (o pobre, humilde, doente e coberto de pústulas, Nanahuatzin significa "o que está cheio de feridas").
* O Salto: Tecuciztecatl hesitou quatro vezes diante do fogo ardente. Nanahuatzin, demonstrando coragem e humildade, atirou-se imediatamente na fogueira e foi consumido, ascendendo ao céu como o novo Sol.
* A Lua: Envergonhado, Tecuciztecatl pulou na fogueira subsequente. Ele também ascendeu, mas os deuses, considerando sua covardia, lançaram um coelho contra ele, diminuindo seu brilho e transformando-o na Lua.
O Movimento e a Criação da Humanidade Atual
O novo Sol (Tonatiuh, personificação de Nanahuatzin) surgiu, mas permaneceu imóvel. Ele exigiu que os outros deuses se sacrificassem para que pudesse obter a energia vital (o sangue e a força do movimento, Ollin) necessária para iniciar sua jornada diária pelo céu.
* A Criação da Quinta Humanidade: Enquanto isso, Quetzalcoatl desceu a Mictlan (o submundo) para recuperar os ossos (os "filhós") das humanidades passadas. Ele enfrentou o deus da morte, Mictlantecuhtli, e, após várias provações, conseguiu fugir com os ossos quebrados. De volta à Terra, ele e os outros deuses trituraram esses ossos e os misturaram com o sangue divino (auto-sacrifício dos deuses) para moldar e dar vida à nossa raça, a Quinta Humanidade.
O Quinto Sol: Nahui Ollin (Quatro Movimento)
O Sol atual é chamado Nahui Ollin, o Sol de Movimento ou Terremoto.
* Regente: Tonatiuh, o deus-sol que exige sacrifício para se mover.
* A Crença e o Sacrifício: A humanidade do Quinto Sol (os astecas) tinha como dever sagrado alimentar continuamente o Sol (Tonatiuh) com a substância mais vital do universo: o sangue humano. Esta crença era a justificativa teológica para a prática de sacrifícios rituais em larga escala, pois garantiria que o Sol continuasse sua jornada e, assim, impedisse o fim do mundo.
* O Fim Profetizado: Segundo a profecia, o Quinto Sol não será destruído por água, vento ou fogo, mas sim por um gigantesco Terremoto (Ollin), após o qual os monstros estelares da escuridão (Tzitzimimeh) descerão para consumir a humanidade e o próprio Sol.
Análise de Estudos Avançados:
A cosmogonia dos Cinco Sóis não é apenas uma sequência de eventos, mas um complexo mapa do tempo e do destino. Especialistas como Miguel León-Portilla e Alfonso Caso destacam que a Pedra do Sol não é um mero calendário, mas um "altar de sacrifício" que incorpora esta visão cíclica e trágica do universo, onde a vida (o Quinto Sol) é apenas uma pausa temporária entre as destruições, mantida pelo eterno débito de sangue para com os deuses sacrificiais. O conceito de Ollin (Movimento/Terremoto) simboliza a instabilidade inerente e a natureza precária da existência asteca

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