Na rica tapeçaria da mitologia andina, o nome Viracocha ressoa como a divindade suprema e criadora, frequentemente associada à capacidade de organizar o tempo e o espaço. Embora a etimologia exata de seu nome seja complexa e sujeita a diversas interpretações entre estudiosos, a ideia de um "organizador" ou "fundador" do cosmos está intrinsecamente ligada à sua essência nas cosmogonias pré-incas e incas.
A Etimologia e Seus Debates
O nome Viracocha (também grafado como Wiraqocha ou Huiracocha) tem suas raízes na língua quéchua, e sua tradução literal tem gerado debates acadêmicos. Algumas das interpretações mais comuns incluem "Espuma do Mar" ou "Lago de Gordura". A ideia de "espuma do mar" pode evocar a imagem de algo primordial e emergente, conectada à água como elemento fundamental da criação, visto que Viracocha é frequentemente associado ao Lago Titicaca, local de sua suposta origem em muitos mitos.
No entanto, a interpretação que o conecta à organização do tempo e espaço é mais evidente quando se considera epítetos e descrições adicionais. Em Quéchua, a palavra Pacha é multifacetada, significando simultaneamente "terra", "mundo", "espaço" e "tempo". Assim, quando Viracocha é referido como Tiqsi Viracocha Pachayachachi, o significado se aprofunda. "Tiqsi" pode ser traduzido como "origem" ou "começo", enquanto "Pachayachachi" significa "criador de todas as coisas" ou "instrutor do mundo/tempo-espaço". Essa composição do nome, portanto, aponta para um ser que não apenas criou o universo, mas que também estabeleceu suas regras e ordenou suas dimensões temporais e espaciais.
Viracocha como Criador e Ordenador
As crônicas espanholas do século XVI, baseadas em relatos indígenas, descrevem Viracocha como o deus mais importante do panteão inca, invisível e onipresente. Ele é retratado como o responsável pela criação da Terra e do céu, e pela modelagem da humanidade. Contos de criação narram como Viracocha emergiu do Lago Titicaca em um tempo de escuridão para trazer a luz, moldar as primeiras gerações de seres humanos e, após um dilúvio que destruiu uma criação falha, recriar a humanidade, dando-lhes linguagem, emoções, civilização, agricultura e artes.
Essa narrativa de múltiplas criações e reordenações do mundo sublinha sua função como um organizador cósmico. Ele não só dá forma à matéria, mas também estabelece os ciclos da vida, as estações e a própria estrutura do tempo. Ao "ensinar a humanidade e as artes", Viracocha também define a ordem social e cultural, que é uma extensão da ordem cósmica.
Tempo e Espaço na Cosmovisão Andina e a Influência de Viracocha
A cosmovisão andina difere significativamente da concepção linear ocidental de tempo. Em quéchua, a distinção entre passado e futuro é muitas vezes expressa de forma espacial: o passado ("ñaupa") está à sua frente, porque é visível e conhecido, enquanto o futuro ("qhepa") está atrás de você, pois é desconhecido. Essa fluidez entre tempo e espaço é central para o conceito de Pacha, que representa uma união intrínseca dessas duas dimensões.
A criação de Viracocha, segundo os mitos, ocorreu no solstício de junho, um ponto crucial no calendário agrícola, civil e cerimonial andino, marcando o "Ano Novo". Isso demonstra como Viracocha está ligado à periodicidade e à ordenação dos ciclos naturais, fundamentais para a sobrevivência das sociedades andinas. As linhas "ceque", sistemas de linhas sagradas que irradiavam de Cuzco e conectavam huacas (lugares ou objetos sagrados), não apenas uniam o foco espiritual da nação, mas também serviam como um dispositivo calendárico e de tempo preciso. Esse conhecimento, guardado pelos sacerdotes-astrônomos, reforça a ideia de uma divindade (Viracocha) que estabeleceu a ordem no espaço (paisagem) e no tempo (calendário).
Em suma, o nome completo de Viracocha, com seus epítetos como Tiqsi Viracocha Pachayachachi, reflete uma compreensão profunda de uma divindade que não é apenas um criador, mas um artífice e mantenedor da ordem universal. Ele é aquele que estabeleceu as fundações do cosmos, definindo e entrelaçando as dimensões de tempo e espaço de uma maneira que ressoa profundamente com a cosmovisão e as práticas culturais andinas. A sua figura, portanto, encarna a organização fundamental do universo, desde sua origem primordial até os ciclos diários e anuais que governam a vida na Terra.
Bibliografia Sugerida para Aprofundamento:
* Betanzos, Juan de. Suma y narración de los Incas. Diversas edições. (Crônica fundamental para entender os mitos de criação incas).
* Garcilaso de la Vega, Inca. Comentarios Reales de los Incas. Diversas edições. (Oferece uma perspectiva inca sobre sua própria cultura e divindades).
* Polo de Ondegardo, Juan. Los errores y supersticiones de los indios. Diversas edições. (Documento colonial que descreve práticas religiosas e crenças andinas).
* Sarmiento de Gamboa, Pedro. Historia de los Incas. Diversas edições. (Outra crônica espanhola valiosa sobre a história e mitologia inca).
* Urton, Gary. Signs of the Inka Khipu: Binary Coding in the Andean Khipu. University of Texas Press, 2003. (Embora não diretamente sobre Viracocha, explora a complexidade do pensamento andino sobre organização e conhecimento).
* Zuidema, R. Tom. Inca Cosmology in Andean Perspective. University of Texas Press, 1990. (Análise aprofundada da cosmologia inca, incluindo a organização tempo-espaço).
Esta análise demonstra que Viracocha, em sua plenitude nominal, é muito mais do que um simples criador; ele é o arquiteto do cosmos andino, o mestre que estabeleceu a harmonia e a ordem nas dimensões fundamentais da existência


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