As escolas filosóficas do Estoicismo e do Epicurismo, ambas surgidas na Grécia Antiga, oferecem caminhos distintos, mas com pontos de contato surpreendentes, para a busca da eudaimonia (felicidade ou florescimento humano). Enquanto a sabedoria popular muitas vezes as coloca em polos opostos – os estoicos como austeros e resignados, os epicuristas como hedonistas –, um olhar mais aprofundado revela nuances e semelhanças que enriquecem nossa compreensão da filosofia antiga e sua relevância para os dias atuais.
Estoicismo: A Virtude como Bem Supremo e a Aceitação do Destino
Fundado por Zenão de Cítio por volta de 300 a.C., o Estoicismo prega que a virtude é o único bem verdadeiro e suficiente para a felicidade. Para os estoicos, a vida virtuosa consiste em viver de acordo com a razão e a natureza, aceitando o que não pode ser mudado e agindo com retidão sobre o que está em nosso controle. Uma das frases mais emblemáticas do Estoicismo é a de Epicteto: "Não são as coisas que nos perturbam, mas o modo como as vemos." Essa máxima encapsula a essência da filosofia estoica: a dicotomia do controle, ou seja, a distinção entre o que podemos controlar (nossas opiniões, impulsos, desejos e aversões) e o que não podemos (o corpo, a propriedade, a reputação e os eventos externos).
A ataraxia (tranquilidade da mente) e a apatheia (ausência de paixões irracionais) são estados almejados pelos estoicos. Eles não buscam a supressão das emoções, mas sim o domínio sobre elas através da razão. Sêneca, um dos mais proeminentes pensadores estoicos, aconselhava: "Sofrer antes da hora é sofrer mais do que a hora." Esta frase reflete a importância de focar no presente e não se deixar consumir por preocupações futuras ou eventos passados. A morte, para os estoicos, não deve ser temida, pois faz parte do ciclo natural da vida. Marco Aurélio, imperador e filósofo estoico, escreveu em suas "Meditações": "A morte é uma libertação de todos os sofrimentos e dores."
Epicurismo: O Prazer como Ausência de Dor e a Busca pela Tranquilidade
O Epicurismo, fundado por Epicuro em Atenas por volta de 307 a.C., frequentemente mal interpretado como uma filosofia que defende a busca desenfreada por prazeres sensoriais, na verdade propõe uma visão mais sutil do prazer. Para Epicuro, o verdadeiro prazer reside na ausência de dor no corpo (aponia) e na ausência de perturbação na alma (ataraxia). A famosa frase de Epicuro: "O prazer é o princípio e o fim da vida feliz", deve ser compreendida nesse contexto. Ele não advogava por excessos, mas sim por uma vida moderada, focada em prazeres simples e na satisfação das necessidades básicas.
Epicuro distinguia entre prazeres naturais e necessários (como comer quando se tem fome, beber quando se tem sede), prazeres naturais e não necessários (como um banquete luxuoso) e prazeres não naturais e não necessários (como a busca por fama e riqueza). Ele defendia que apenas os prazeres do primeiro tipo são essenciais para a felicidade. A amizade e a introspecção eram vistas como elementos cruciais para alcançar a ataraxia. "De todas as coisas que a sabedoria nos proporciona para a felicidade de toda a vida, a mais importante é a aquisição da amizade", afirmava Epicuro. O medo da morte e dos deuses também era uma preocupação central para Epicuro, que buscava dissipá-los através da razão. "Quando nós existimos, a morte não existe; e quando a morte existe, nós não existimos", é uma de suas famosas reflexões sobre a mortalidade.
Semelhanças e Diferenças: Caminhos Convergentes para a Ataraxia
Apesar de suas abordagens aparentemente opostas, estoicos e epicuristas compartilham um objetivo fundamental: a busca pela ataraxia, a tranquilidade da alma. Ambos acreditavam que a felicidade não reside em bens externos ou em uma vida de excessos, mas sim em um estado interior de paz e contentamento. Ambos valorizavam a razão como guia para a conduta e a autossuficiência como um ideal a ser atingido. A amizade, embora enfatizada de maneiras diferentes, era importante para ambas as escolas.
As diferenças entre as duas filosofias são, contudo, significativas. Para os estoicos, a virtude é o único bem, e a felicidade é um subproduto de uma vida virtuosa em conformidade com a natureza. Eles abraçam o destino e a impermanência, buscando a aceitação e o domínio sobre as emoções. Já para os epicuristas, o prazer (entendido como ausência de dor e perturbação) é o bem supremo, e a virtude é um meio para alcançá-lo. Eles buscam evitar o sofrimento e cultivar prazeres simples e duradouros, com foco na segurança e na autonomia. Enquanto os estoicos viam a vida como uma jornada de dever e serviço, os epicuristas priorizavam a retirada do mundo e a criação de um círculo de amigos.
Em suma, tanto o Estoicismo quanto o Epicurismo oferecem perspectivas valiosas sobre como viver uma vida plena e significativa. Os estoicos nos ensinam a força da resiliência e a importância de focar no que podemos controlar, enquanto os epicuristas nos lembram do valor dos prazeres simples, da amizade e da tranquilidade interior. A síntese dessas duas abordagens, reconhecendo a virtude como um caminho para a felicidade e a busca da serenidade como um objetivo válido, pode oferecer um roteiro robusto para a vida contemporânea.
Bibliografia
SÊNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio. Tradução de J. A. Costa. São Paulo: Cultrix, 2012.
EPICURO. Carta sobre a Felicidade (a Meneceu). Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
EPICTETO. Manuais (Encheiridion). Tradução de Alda Maria Valério. Lisboa: Edições 70, 2008.
AURÉLIO, Marco. Meditações. Tradução de Rita Codato. São Paulo: Martin Claret, 2005.
HADOT, Pierre. Exercícios Espirituais e Filosofia Antiga. Tradução de Flávio Oliveira. São Paulo: É Realizações, 2014.
RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Livro Primeiro. Tradução de Brenno Silveira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.


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