As Tríades Divinas nas Mitologias e Religiões Mundiais: Simbologia e Interpretações Comparadas
I. Introdução: O Conceito de Tríades Divinas e o Simbolismo do Número Três
A presença de agrupamentos de três divindades ou conceitos fundamentais é um fenômeno recorrente e significativo nas mitologias e religiões ao redor do mundo. Essas formações, conhecidas como tríades divinas, manifestam-se de diversas maneiras, refletindo as complexas cosmovisões e estruturas teológicas das culturas que as conceberam. No entanto, é imperativo estabelecer uma distinção clara entre o conceito de "tríade" em um contexto politeísta e a doutrina da "Trindade" cristã. Enquanto as tríades politeístas geralmente se referem a agrupamentos de três deuses distintos, que podem ter papéis ou importâncias semelhantes, eles não são tipicamente considerados como um único ser ou diferentes aspectos de uma única divindade. A Trindade cristã, por outro lado, define Deus como um único ser existindo em três pessoas coiguais, coeternas e consubstanciais: Deus Pai, Deus Filho (Jesus Cristo) e Deus Espírito Santo. Essa distinção é crucial para uma análise acadêmica precisa, evitando a imposição de categorias teológicas de uma tradição sobre outra.
A prevalência das tríades no mundo antigo, especialmente nas tradições religiosas do Egito e da Grécia, é notável. Essa recorrência sugere uma propensão humana para organizar o divino em grupos de três. No pensamento religioso egípcio, por exemplo, a formação de uma tríade resultava diretamente da intenção do sacerdócio de estabelecer uma ligação entre os vários cultos de uma localidade específica ou entre serviços de diferentes regiões. O objetivo subjacente a essas associações era a busca por uma "unidade na diversidade", um meio de conciliar a pluralidade divina com a noção de uma unidade subjacente. Essa busca por conciliar múltiplos poderes com uma fonte singular é uma característica teológica fundamental que se observa em diversas culturas. Por exemplo, no Hinduísmo, os Puranas descrevem como "O ser único aparece sob três formas pelos atos de criação, preservação e destruição, mas ele é um", estabelecendo um paralelo direto com a ideia de unidade na diversidade. Essa convergência aponta para uma tendência cognitiva ou teológica universal de explicar como a multiplicidade de manifestações divinas pode emanar ou se relacionar com um princípio cósmico singular.
A significação do número três transcende o domínio religioso, permeando diversas áreas da experiência humana e do pensamento. O filósofo grego Pitágoras considerava o três como o número perfeito, símbolo de harmonia, sabedoria e compreensão. Sua associação com o tempo (passado, presente, futuro; nascimento, vida, morte; começo, meio, fim) e com o divino é universal. O número três é frequentemente utilizado para descrever e organizar o mundo, como em comprimento, largura, altura, ou pequeno, médio, grande. Aristóteles observou que o três contém em si um começo, um meio e um fim. A ubiquidade do número três em mitos, contos de fadas e até mesmo na organização da informação (como números de telefone agrupados em três e quatro dígitos para facilitar a memorização) sugere uma ressonância inata com a mente humana. Psicólogos e cientistas cognitivos propõem que o três está próximo do número de informações discretas que podemos reter na mente simultaneamente. Essa base cognitiva pode explicar a prevalência de estruturas triádicas na mitologia e religião, tornando esses conceitos intuitivamente compreensíveis e memoráveis. Assim, as tríades podem ser vistas não apenas como construções místicas ou teológicas, mas também como um desdobramento natural da arquitetura mental humana, facilitando a percepção e categorização da realidade.
II. Tríades nas Civilizações Mesopotâmicas (Suméria, Babilônia e Acádia)
As civilizações mesopotâmicas, berço de algumas das mais antigas estruturas religiosas complexas, apresentavam diversas tríades divinas que refletiam sua cosmovisão e organização social.
Tríades Sumérias: Anu, Enlil e Enki
A tríade mais proeminente na mitologia suméria, e posteriormente adaptada por babilônios e acádios, era composta por Anu, Enlil e Enki. Juntos, eles constituíam a tríade dos "Grandes Deuses", responsáveis pela divisão e governança do universo.
* Anu: Conhecido como o deus primário do céu, o 'Pai' e 'Rei dos Deuses'. Anu era teologicamente concebido como o "motor primordial na criação", representando o céu em sua "obscuridade transcendental". Sua parte no universo era o céu.
* Enlil: O "deus do vento" e deus da terra, Enlil era também um deus criador e o mais poderoso depois de Anu. Ele era o guardião das "Tábuas do Destino", objetos sagrados que legitimavam o governo de um deus supremo e continham os destinos dos deuses e da humanidade. Enlil simbolizava poder, ordem e julgamento, e suas decisões eram consideradas finais. Sua esfera de domínio era a terra.
* Enki: Conhecido como o deus das águas e o "senhor da sabedoria". Enki era frequentemente retratado como a fonte do conhecimento divino e um salvador da humanidade da destruição. Seu controle sobre Apsu, o oceano primordial de água doce, simbolizava a importância vital da água para a vida. Sua porção no universo era o reino das águas.
A simbologia dessa tríade primária reside na divisão elementar do cosmos: céu, terra e águas. Essa estrutura reflete a compreensão suméria de um universo ordenado por forças primordiais interconectadas. Embora fossem deuses distintos, sua associação como os "Grandes Deuses" indicava uma hierarquia e interdependência na manutenção da ordem cósmica. A dinâmica entre Enlil e Enki, que por vezes apresentavam rivalidade e colaboração, ilustra a complexidade das relações divinas e a necessidade de equilíbrio para a continuidade da existência.
Tríades Babilônicas e Acádias
Com a ascensão de novas potências e a evolução dos panteões, surgiram outras tríades, muitas vezes com foco em fenômenos astrais ou na estrutura de poder dinástica.
* Sin, Shamash e Ishtar (Lua, Sol e Vênus): Esta tríade celestial era proeminente e seus símbolos eram consistentemente representados em toda a história mesopotâmica, aparecendo em selos cilíndricos, monumentos e pedras de fronteira, onde atuavam como guardiões de tratados.
* Sin (Nanna em Sumério): O deus da Lua, responsável por fornecer luz durante a noite. Ele era associado ao gado, produtos lácteos, abundância e crescimento, e podia ser invocado para conceder filhos e auxiliar mulheres grávidas. Sin também desempenhava o papel de juiz divino no submundo. Seu símbolo era a lua crescente.
* Shamash (Utu em Sumério): O deus do Sol e da justiça. Acreditava-se que ele via tudo o que acontecia no mundo diariamente, sendo responsável pela justiça e pela proteção dos viajantes. Como juiz divino, ele também podia ser associado ao submundo. Seu símbolo era o disco solar raiado.
* Ishtar (Inanna em Sumério): A deusa do planeta Vênus, manifestando-se como estrela da manhã e da noite. Ishtar era a deusa do amor, beleza, sexo, desejo, fertilidade, guerra, combate e poder político. Sua mítica descida ao submundo e retorno simbolizava o ciclo de vida e morte, e a procreação. Ela era simbolizada pela estrela de oito pontas.
A importância desses deuses astrais reflete a centralidade da astrologia e da adivinhação na Mesopotâmia, onde os movimentos celestes eram vistos como mensagens divinas que influenciavam os assuntos humanos.
* Marduk, Zarpanitu e Nabu (Poder, Fertilidade e Sabedoria/Escrita): Esta tríade representava a linhagem divina e o poder em Babilônia.
* Marduk: O deus patrono da Babilônia, que ascendeu ao posto de rei do panteão babilônico após derrotar a deusa primordial Tiamat e criar o mundo de seu corpo. Ele era associado ao planeta Júpiter e simbolizado por uma pá e um dragão-serpente.
* Zarpanitu: Esposa de Marduk, uma divindade de alto escalão associada à gravidez e, por vezes, com papéis semelhantes aos do marido, incluindo o de rainha dos deuses. Acreditava-se que ela podia interceder junto a Marduk.
* Nabu: Filho de Marduk e Zarpanitu, inicialmente um "vizir" divino, que mais tarde se tornou membro da família. Ele era o deus da escrita e da sabedoria.
Essa tríade familiar e de governança ilustrava a estrutura de poder divino e a linhagem real, com Marduk como figura central e sua família estendendo sua influência sobre aspectos vitais como fertilidade e conhecimento.
É fundamental ressaltar que, embora algumas fontes populares possam sugerir que os babilônios "reconheciam a doutrina de uma trindade, ou três pessoas em um deus" , análises acadêmicas mais rigorosas contradizem essa afirmação. O historiador S.H. Hooke, por exemplo, não utiliza o termo "trindade" para descrever as divindades sumérias e babilônicas, e sua descrição é incompatível com qualquer crença trinitária. As razões para essa incompatibilidade incluem a adoração de uma multiplicidade de deuses, a existência de múltiplas tríades (e não apenas uma), a presença de divindades femininas associadas a essas tríades, e a ausência de uma "triplicidade" essencial na concepção divina. Essa observação destaca uma tendência, em estudos comparativos religiosos mais antigos ou populares, de projetar conceitos monoteístas trinitários em sistemas politeístas, o que leva a interpretações equivocadas. As tríades mesopotâmicas eram agrupamentos de divindades distintas, mesmo que intimamente associadas, e não manifestações de uma única essência divina.
A evolução dos conceitos triádicos na Mesopotâmia, da divisão elementar suméria (Anu, Enlil, Enki) para as representações astrais e dinásticas babilônicas/acádias (Sin, Shamash, Ishtar; Marduk, Zarpanitu, Nabu), demonstra uma progressão na conceituação e organização do poder divino. Essa mudança reflete a evolução das estruturas sociais, como o surgimento de cidades-estado e suas divindades patronas, e o crescente interesse na observação astronômica, que ligava fenômenos celestes a preocupações terrenas como justiça e fertilidade.
III. Tríades na Mitologia e Religião Egípcia Antiga
A religião do Antigo Egito é notória pela prevalência de tríades divinas, que desempenhavam um papel central na organização do panteão e na teologia. Essas tríades eram frequentemente vistas como uma unidade, combinando os conceitos e o simbolismo de "três" e "um", e eram consideradas uma maneira eficaz de resolver a tensão entre a pluralidade divina e a unidade subjacente do divino. A formação de uma tríade muitas vezes visava estabelecer uma ligação entre diferentes cultos em uma localidade específica ou entre serviços de diferentes regiões, buscando uma "unidade na diversidade".
Tríades Familiares (Estrutura Politeísta)
A maioria das tríades egípcias seguia uma estrutura familiar, geralmente composta por um deus-pai, uma deusa-mãe e um deus-filho. Essa configuração expressava a oposição binária masculino/feminino, tornada fértil pela inclusão de um deus-filho. A preferência por descendentes masculinos estava frequentemente ligada a histórias míticas que enfatizavam a herança e a sucessão de pai para filho.
* Osíris, Ísis e Hórus (Tríade de Abydos): Esta é talvez a tríade mais famosa do Egito Antigo, venerada desde os tempos pré-dinásticos.
* Osíris: O deus do além-vida, da ressurreição e do mundo subterrâneo, frequentemente retratado como uma figura mumificada.
* Ísis (Aset): A esposa de Osíris e mãe de Hórus, associada à magia, à maternidade e à proteção. Ela era a "Grande Mãe".
* Hórus: O filho de Osíris e Ísis, associado ao céu, à realeza e à proteção. Ele era o modelo do faraó vivo.
A simbologia dessa tríade é profunda, representando os ciclos de vida, morte e renascimento, bem como a legitimidade da realeza faraônica.
* Amon, Mut e Khonsu (Tríade de Tebas): Proeminente durante o Novo Reino, quando Tebas era a capital do Egito.
* Amon: O deus principal de Tebas, associado à criação, fertilidade e ao sol, bem como ao poder oculto. Era o "Senhor dos tronos da terra, o mais antigo dos deuses, auto-criado e criador de todas as coisas".
* Mut: A esposa de Amon, frequentemente retratada como uma figura materna, nutridora e protetora de seu povo. Ela era a "Senhora do céu, senhora de todos os deuses, a grande mãe que deu à luz o sol".
* Khonsu: O filho de Amon e Mut, deus da lua, cujo nome significa "o Viajante". Ele era o "jovem, o belo, o filho amado, que traz luz à escuridão e guia o viajante em seu caminho".
Essa tríade simbolizava a criação, a proteção e a harmonia essencial para o funcionamento do universo. A capacidade de um faraó, como Ramessés II, de se inserir na tríade, substituindo Khonsu, demonstrava a interconexão entre a doutrina religiosa e o poder político, legitimando o governo do rei.
* Ptah, Sekhmet e Nefertum (Tríade de Mênfis):
* Ptah: O deus criador, patrono dos artesãos e da criação através do pensamento e da palavra.
* Sekhmet: A deusa leoa da guerra, da cura e da destruição, esposa de Ptah.
* Nefertum: O filho, deus do lótus e da cura, associado ao sol nascente.
Concepções Modalísticas (Tríades ou Tri-unidades)
Além das tríades familiares, existiam agrupamentos divinos baseados em razões puramente simbólicas, refletindo diferentes aspectos ou modos de uma mesma realidade divina, sem necessariamente implicar uma relação familiar obrigatória. Nesses casos, a diferenciação sexual dentro do grupo divino era ausente.
* Khepri-Rá-Atum: Esta tríade representava o sol em suas diferentes fases ao longo do dia: Khepri como o sol da manhã (o que surge), Rá como o sol do meio-dia (o poder pleno) e Atum como o sol do fim de tarde (o que se completa e se retira). Eles eram manifestações de uma única força solar.
* Ptah-Sokar-Osíris: Uma tríade que representava os conceitos de criação, morte e ressurreição, com Ptah associado à criação, Sokar à morte e ao submundo, e Osíris à ressurreição.
* Tríade Divina Hermética: Embora mais filosófica, esta tríade reflete uma concepção modalística: Deus (o Não-Gerado, essência do ser), Nous (o Primeiro Intelecto, o Auto-Gerado, a Mente de Deus) e Logos (o Gerado, o "filho" de Nous, o mundo). Essa tríade é modalística e subordina a hierarquia do ser, onde Deus é o nível supremo, Hermes (Nous) é a "alma" de Deus, e o "Gerado" é o mundo.
A adaptabilidade das estruturas triádicas no Egito, especialmente a capacidade de incorporar o faraó como o "filho" divino em tríades familiares, demonstra como essas formações não eram apenas construções teológicas abstratas, mas também ferramentas práticas para legitimar a autoridade real e integrar cultos locais. O modelo de "unidade familiar" era particularmente eficaz para isso, traçando paralelos entre a família divina e a família real, sacralizando assim o governo do rei. Isso sublinha a função sociopolítica dos conceitos religiosos no Egito Antigo.
IV. Conceitos Triádicos em Religiões Monoteístas e Dualistas
A análise de conceitos triádicos em religiões que se definem como monoteístas ou dualistas exige uma abordagem diferenciada, pois a natureza da "pluralidade" dentro da divindade é interpretada de maneiras distintas.
Zoroastrismo: Ahura Mazda e os Conceitos de Tríade/Dualidade
O Zoroastrismo, uma das religiões monoteístas mais antigas do mundo, centra-se em Ahura Mazda, o Senhor Sábio, que é a divindade criadora e suprema, não-criada, onisciente, onipotente e benevolente. A teologia zoroastrista é complexa, com estudiosos debatendo se ela é monoteísta, henoteísta, politeísta ou uma combinação, sendo o dualismo a tendência dominante.
O dualismo cósmico é uma característica central: Ahura Mazda está em conflito com Angra Mainyu (Espírito Destrutivo, Ahriman), que personifica o mal, a escuridão e a falsidade. A doutrina zoroastrista sustenta que os seres humanos têm a escolha entre Asha (verdade, ordem cósmica), promovida por Ahura Mazda, e Druj (falsidade, engano), a natureza essencial de Angra Mainyu.
Embora não seja uma "Trindade" no sentido cristão, Ahura Mazda é descrito nas escrituras zoroastristas como "três vezes antes de outras criações". Dele emanam Spenta Mainyu (o Espírito Santo ou Benéfico, fonte de bondade) e Angra Mainyu. Alguns estudiosos sugerem que Spenta Mainyu seria o terceiro aspecto de uma tríade divina, em vez de Angra Mainyu. Essa tríade conceitual reflete a ordem cósmica e a escolha ética. O Zoroastrismo enfatiza um "caminho tríplice de Asha": bons pensamentos, boas palavras e boas ações, como um meio de alinhar a alma com a verdade e a ordem cósmica.
O cosmos iraniano antigo era concebido como uma estrutura de três níveis: a terra, a atmosfera e o céu acima. No século XIX, houve uma reinterpretação do Zoroastrismo, influenciada por acadêmicos ocidentais, que enfatizou o monoteísmo e reduziu outras divindades a "anjos". Fontes posteriores também mencionam uma tríade que incluía Ahura Mazda, Mitra (deus do pacto) e Anahita (deusa da fertilidade), ilustrando a fluidez e as adaptações teológicas ao longo do tempo.
Judaísmo: A Unidade de Deus e as Interpretações Cabalísticas
O Judaísmo ortodoxo sustenta uma crença enfática na unicidade absoluta de um Deus infinito, conforme expresso no "Shema" ("O Senhor nosso Deus, o Senhor é um"). A ideia de "pessoas distintas dentro de Deus" é explicitamente rejeitada no Judaísmo tradicional.
No entanto, a Cabalá, uma filosofia religiosa mística enraizada nos ensinamentos judaicos, oferece uma compreensão mais profunda da natureza de Deus e de Sua relação com a humanidade. A Cabalá ensina que Deus é uma "unidade composta". Para os cabalistas, a natureza última de Deus é uma "triplicidade-em-unidade".
Essa complexidade é explorada através do conceito das Sefirot, dez atributos ou emanações de Deus, simbolicamente representadas na Árvore da Vida. As Sefirot não são deuses separados, mas canais através dos quais o Deus único revela Sua vontade e energia infinita ao mundo finito.
A Árvore da Vida é organizada em três colunas ou "pilares":
* O Pilar da Severidade (esquerda), associado a traços femininos, compreende Binah (Compreensão), Gevurah (Força/Julgamento) e Hod (Esplendor).
* O Pilar da Misericórdia (direita), associado a traços masculinos, inclui Chochmah (Sabedoria), Chesed (Bondade/Misericórdia) e Netzach (Vitória/Perseverança).
* O Pilar do Equilíbrio (centro), que harmoniza os outros dois, é composto por Keter (Coroa), Tiferet (Beleza), Yesod (Fundamento) e Malkhut (Reino).
As três Sefirot superiores – Keter (Coroa), Chochmah (Sabedoria) e Binah (Compreensão) – são consideradas as "Sefirot Supernais" e formam a "cabeça de Deus", representando as energias primordiais do universo. Chochmah e Binah são poderes intelectuais, com Binah refinando a pura intelecto de Chochmah em pensamentos específicos.
A Cabalá fornece uma lente mística sofisticada para explorar a natureza multifacetada da revelação e interação de Deus com o mundo, sem comprometer a unidade última. Os "três pilares" e o conceito de "triplicidade-em-unidade" na Cabalá não são uma "Trindade" no sentido cristão, mas sim uma forma de compreender a interação dinâmica de atributos e energias divinas que emanam do Deus singular e infinito (Ein Sof). Isso ilustra como sistemas teológicos internos podem desenvolver modelos complexos para abordar aspectos aparentemente contraditórios do divino.
Islã: O Monoteísmo Estrito (Tawhid) e a Rejeição da Trindade
O Islã é uma religião estritamente monoteísta, e o conceito de Tawhid (Unicidade de Deus) é o pilar central e mais importante, sobre o qual toda a adesão religiosa muçulmana repousa. Tawhid significa atribuir Unicidade a Allah, descrevendo-O como Um e Único, sem parceiro ou igual em Sua Essência e Atributos.
O Islã rejeita fundamentalmente qualquer conceito de "pluralidade" dentro de Deus, considerando-o uma negação do monoteísmo. O Alcorão, o livro sagrado do Islã, rejeita explicitamente a doutrina da Trindade cristã e a atribuição de filhos a Allah. Essa rejeição é um imperativo teológico fundamental para proteger a transcendência absoluta, a unicidade e a soberania exclusiva de Deus. Qualquer conceito que implique divisão ou parceria dentro da Divindade é visto como shirk, o pecado imperdoável de associar outros seres a Deus.
No Islã, o Espírito Santo é identificado como o anjo Gabriel (Jibril), e não como uma pessoa divina. A teologia islâmica considera a doutrina da Trindade ilógica e incompatível com a unicidade de Deus, conforme articulado na Shahada: "Não há deus senão Allah, e Muhammad é o mensageiro de Allah".
Embora o Islã rejeite a Trindade, os estudiosos islâmicos dividem o conceito de Tawhid em três categorias para uma compreensão mais aprofundada da unicidade de Deus, mas essas categorias se referem aos aspectos da unicidade de Allah, e não a divisões em Sua essência:
* Tawhid al-Rububiyyah (Unicidade da Divina Soberania/Senhorio): A crença de que Allah é Um e Único em Suas ações, como criação, soberania, controle, dar vida e morte.
* Tawhid al-Uluhiyyah (Unicidade da Divindade/Adoração): A devoção de todos os atos de adoração, internos e externos, em palavra e ação, somente a Allah, sem adorar nada ou ninguém mais.
* Tawheed al-Asma wa'l-Sifat (Unicidade dos Nomes e Atributos Divinos): A crença de que Allah é Único em Seus Nomes e Atributos, que não têm parceiros ou iguais.
Essas categorias do Tawhid servem para aprofundar a compreensão da unicidade de Deus e da adoração exclusiva a Ele, sem implicar qualquer forma de pluralidade na Divindade. A rejeição islâmica da Trindade é uma pedra angular de sua fé, protegendo a concepção de um Deus absolutamente singular e transcendente.
V. Tríades em Outras Mitologias e Religiões Antigas
A manifestação de conceitos triádicos se estende por uma vasta gama de culturas e tradições religiosas antigas, cada uma com suas particularidades simbólicas e interpretações.
Religião Védica (Hinduísmo): A Trimúrti
No Hinduísmo, a Trimúrti é a tríplice divindade da suprema divindade, onde as funções cósmicas de criação, preservação e destruição são personificadas como uma tríade de deidades.
* Brahma: O deus criador, responsável por trazer o universo à existência. Frequentemente retratado com quatro cabeças, simbolizando os quatro Vedas e seu papel como fonte de conhecimento e sabedoria, bem como as quatro direções cardeais e os quatro estágios da vida. Ele é associado à qualidade (guna) Rajas (paixão, atividade).
* Vishnu: O deus preservador, responsável por manter a ordem cósmica e proteger o universo. Frequentemente retratado com quatro braços segurando objetos divinos como uma concha (som primordial da criação), um disco (mente e inteligência), um lótus (pureza e despertar espiritual) e uma maça (força e poder). Ele é associado à qualidade (guna) Sattva (bondade, harmonia).
* Shiva: O deus destruidor, responsável pela dissolução do universo no final de cada ciclo cósmico. Também associado à transformação, regeneração e ao poder da meditação e yoga. Frequentemente retratado com um terceiro olho (discernimento espiritual), cabelos emaranhados, uma cobra ao redor do pescoço, e segurando um damaru (tambor, som primordial da criação) e um trishula (tridente, as três gunas da natureza). Ele é associado à qualidade (guna) Tamas (escuridão, inércia).
A Trimúrti encapsula os princípios fundamentais de criação, preservação e destruição, refletindo a crença hindu nos ciclos infinitos do universo. O símbolo sagrado Om, com seus fonemas A, U e M, é considerado uma alusão à Trimúrti, representando criação, preservação e destruição, e, juntos, Brahman (a Realidade Última). Embora a Trimúrti seja um conceito central, algumas escolas, como o Vaishnavismo, podem não reconhecê-la plenamente, vendo Shiva e Brahma como formas de Vishnu, demonstrando a diversidade interpretativa dentro do próprio Hinduísmo. A representação da Trimúrti reflete uma profunda compreensão dos ciclos naturais e da experiência humana, fornecendo uma explicação e um arcabouço divino para entender os ritmos do mundo natural e da existência, frequentemente enfatizando a continuidade e a transformação.
Mitologia e Religião Fenícia
Os panteões urbanos fenícios frequentemente organizavam suas divindades em tríades, que variavam de cidade para cidade, mas mantinham características comuns de soberania local, fertilidade e cura.
* Tríade de Biblos:
* El: O deus supremo fenício, protetor do universo, por vezes chamado Baal.
* Baalat: "Senhora de Biblos", a deusa da cidade, associada à fertilidade e à proteção do rei. Sua iconografia egípcia a ligava a Hathor-Ísis.
* Adônis (Adon): Um jovem deus da renovação e regeneração, conhecido como "o deus que morre". Seu culto envolvia festivais de "renascimento" e lamentações, refletindo os ciclos agrícolas. Ele é equivalente ao babilônico Tammuz e, em alguns aspectos, ao grego Asclepius.
* Tríade de Sidon:
* Baal: "Senhor do Céu" ou "Cavaleiro das Nuvens", deus da tempestade e trovão, considerado o mais vigoroso e agressivo.
* Astarte: Deusa da luta e da guerra, fertilidade e amor, conhecida como a "rainha do céu". Foi assimilada à Afrodite grega e Vênus romana.
* Eshmun: O principal deus de Sidon, associado à cura. Seu nome significa "oitavo" e ele é equivalente ao Asclepius grego.
* Tríade de Tiro:
* Melqart: O deus supremo de Tiro, equivalente a Baal, conhecido como "rei do submundo" e do ciclo da vegetação, com um festival anual de ressurreição.
A formação de tríades na Fenícia demonstra como os cultos locais e as divindades pan-regionais interagiam. A tríade podia ser uma forma de elevar divindades locais, associando-as a outras mais proeminentes, ou de sintetizar diversas influências religiosas dentro de uma localidade específica. Isso destaca a natureza dinâmica e frequentemente localizada do desenvolvimento religioso.
Mitologia Eslava: Triglav; Perun, Veles e Svarog
A mitologia eslava apresenta conceitos triádicos que refletem o domínio cósmico e as forças primordiais.
* Triglav: Um deus de três cabeças, simbolizando seu domínio sobre os três reinos do cosmos: o Céu, a Terra e o Submundo. Ele era frequentemente retratado com a boca e os olhos cobertos, interpretado como sua recusa em testemunhar os pecados humanos ou revelar segredos divinos. Triglav também estava associado a juramentos e adivinhação.
* Perun: O senhor reinante dos céus, deus do trovão e do relâmpago, e o deus supremo dos eslavos, muitas vezes comparado a Zeus e Thor.
* Veles: O deus do submundo (Nav), do gado, da fertilidade, da riqueza, da magia e do comércio. Veles é frequentemente visto como o antagonista mítico de Perun, parte de uma rivalidade primordial entre deidades opostas, muitas vezes retratado como uma serpente ou dragão.
* Svarog: O deus criador de toda a vida, do fogo celestial e da forja. Em algumas narrativas, ele é considerado o pai dos deuses, incluindo Perun e Dažbog. Svarog é frequentemente associado à sabedoria e ao poder criativo.
* Outras Tríades: As Suđaje, três deusas do destino, representavam o Nascimento, a Vida e a Morte.
As tríades eslavas, como Triglav, refletem uma estrutura cosmológica de três mundos (Céu, Terra, Submundo), um padrão que se repete em diversas culturas. A rivalidade entre Perun e Veles ilustra o conflito primordial entre as forças celestiais e telúricas, enquanto Svarog representa a criação e a origem da divindade.
Mitologia Celta: As Deusas Tríplices e Tríades Nomeadas
A mitologia celta é rica em figuras divinas que aparecem em agrupamentos de três, embora o conceito da "Deusa Tríplice" (Donzela, Mãe, Anciã) seja em grande parte uma ideia moderna, popularizada em contextos neopagãos, e não um arquétipo antigo universal que se encaixe perfeitamente em uma única deusa.
No entanto, existem tríades divinas bem documentadas na mitologia celta, especialmente na tradição irlandesa:
* Ériu, Banba e Fódla: Deusas da soberania da Irlanda, que personificavam a própria terra. Ériu era uma deusa da fertilidade e guerreira, capaz de mudar de forma. Banba e Fódla também eram deusas patronas com características de deusas da terra, fertilidade e guerra.
* A Morrígan: Uma tríplice divindade irlandesa, uma grande rainha e deusa guerreira, conhecida por sua capacidade de mudar de forma (corvo, corvo). Ela é composta por Badb, Macha e Morrígan, e era considerada a "mais aterrorizante de todas as hags divinas celtas".
* Brigid: Uma divindade tripla associada às artes do fogo, metalurgia e poesia.
* Matres ou Matronae: Divindades germânicas e celtas, geralmente representadas em grupos de três, associadas à maternidade e fertilidade.
As tríades celtas frequentemente personificavam a soberania da terra, a fertilidade, a guerra e os ciclos da vida. A ambiguidade entre uma única deusa com três aspectos e três irmãs com o mesmo nome é uma característica comum nessas representações.
Mitologia Germânica (Nórdica): Óðinn, Vili e Vé
Na mitologia germânica e nórdica, a tríade de irmãos Óðinn, Vili e Vé desempenha um papel fundamental na criação do cosmos.
* Óðinn, Vili e Vé: Estes três irmãos são creditados com a criação do mundo a partir do corpo do gigante primordial Ymir. Eles são considerados os primeiros deuses verdadeiros Aesir.
* Óðinn: O deus supremo nórdico, associado à inspiração, sabedoria e guerra.
* Vili: Cujo nome significa "Vontade" em Nórdico Antigo. Ele governou no lugar de Óðinn durante seu exílio temporário.
* Vé: Cujo nome significa "Templo" e está etimologicamente relacionado ao sagrado. Ele também governou no lugar de Óðinn.
Esses três deuses representam as forças mais básicas que distinguem o cosmos do caos: Inspiração (Óðinn), Intenção Consciente (Vili) e o Sagrado (Vé). Embora mencionados esporadicamente na literatura posterior, sua importância primordial na cosmogonia nórdica é evidente. Outros agrupamentos triádicos também existiam, como a tríade de estátuas em Gamla Uppsala: Óðinn, Thor e Freyr , e o panteão anglo-saxão e juto que incluía Woden, Thunor e Tiw.
Mitologia Inca: O Condor, a Puma e a Serpente
A cosmovisão inca estruturava o mundo em três planos interconectados, cada um simbolizado por um animal sagrado, formando uma trilogia fundamental:
* Hanan Pacha: O mundo superior, o reino dos deuses e dos céus, representado pelo Condor. O Condor era visto como um mensageiro divino, simbolizando elevação espiritual e transcendência, conectando o reino terrestre ao celestial.
* Kay Pacha: O mundo terrestre, o reino dos vivos, representado pela Puma. A Puma simbolizava força, sabedoria, inteligência, liderança e proteção, sendo um modelo de coexistência harmoniosa com a natureza.
* Uku Pacha: O mundo inferior, o reino dos mortos e do submundo, representado pela Serpente. A Serpente simbolizava o infinito, a sabedoria, a transformação, a regeneração e a continuidade, atuando como um elo entre o mundo superior e o inferior.
Essa trilogia animal encapsula a cosmovisão inca e a profunda interconexão entre os reinos físico e espiritual. O Templo das Três Janelas em Machu Picchu é um exemplo arquitetônico que simboliza essa visão de mundo.
Além dessa trilogia cosmológica, algumas fontes sugerem que as deidades principais Viracocha (o deus criador supremo), Mama Cocha (deusa do mar) e Inti (o deus do sol) formavam uma tríade divina que governava o universo e a natureza.
Mitologia Maia: A Tríade de Palenque
A mitologia maia, particularmente no sítio de Palenque, apresenta uma tríade de deuses conhecida como a Tríade de Palenque, identificada como GI, GII e GIII. Esses deuses estavam associados a templos específicos no Grupo da Cruz.
* GI e GIII: São sugeridos como contrapartes clássicas maias dos Gêmeos Heróis (Hunahpu e Xbalanque) do Popol Vuh. Eles eram vistos como aspectos de Vênus e do Sol, e componentes importantes do simbolismo real maia.
* GI: Parece ser o mais importante da tríade, proeminentemente apresentado em textos.
* GII e GIII: Tinham seu próprio templo dedicado a eles.
É importante notar que outros sítios maias tinham seus próprios agrupamentos triádicos de deidades, que pareciam ser diferentes dos de Palenque, indicando uma diversidade regional nos panteões maias. O conceito de três deuses representando equilíbrio de poder, criação e destruição é um tema recorrente em várias culturas, e a tríade de Palenque se alinha a essa tendência.
Mitologia Asteca: Tríades de Fenômenos Naturais
A mitologia asteca, ao contrário de muitas das culturas anteriormente discutidas, não apresenta tríades divinas explícitas na estrutura principal de seu panteão. Os deuses astecas frequentemente incorporavam domínios aparentemente contraditórios, como vida e morte, criação e destruição, em uma única divindade.
No entanto, há uma "espécie de tríade" observada em relação a fenômenos naturais vitais: o trovão, o relâmpago e a chuva. Esses elementos eram frequentemente associados a uma única deidade do relâmpago ou da chuva, como Tlaloc, o deus da chuva, do relâmpago e do trovão, que também era uma divindade da fertilidade. Essa tríade de fenômenos naturais reflete a importância crucial da chuva para a agricultura asteca e a percepção do relâmpago como uma força poderosa da natureza, associada ao governo e à boa sorte.
Deuses proeminentes no panteão asteca incluíam Huitzilopochtli (deus da guerra e do sol), Tonatiuh (deus do sol), Tlaloc (deus da chuva) e Quetzalcóatl (a Serpente Emplumada, deus da vida, luz e sabedoria). Embora fossem divindades centrais, eles não formavam tríades fixas no sentido de agrupamentos co-dependentes ou manifestações de uma única essência. A ausência de tríades divinas explícitas no panteão asteca desafia a suposição de que todos os sistemas religiosos devem ter tais formações, sugerindo que a ênfase pode estar mais na dualidade de forças ou em um panteão maior e mais fluido, sem estruturas triádicas fixas.
VI. Análise Comparativa e Interpretações Diversas
A análise comparativa das tríades divinas e conceitos triádicos em diversas mitologias e religiões revela padrões recorrentes, bem como variações significativas que refletem as particularidades culturais e teológicas de cada tradição.
Temas Comuns e Variações nas Formações Triádicas
A prevalência universal de tríades é evidente, demonstrando uma tendência humana generalizada de organizar o divino em grupos de três. Um tema recorrente é a busca pela "unidade na diversidade", particularmente notável no Egito, onde as tríades visavam resolver a tensão entre a multiplicidade de deuses e uma unidade divina subjacente. Essa ideia encontra eco no Hinduísmo com a Trimúrti, que personifica as funções cósmicas de criação, preservação e destruição como aspectos de uma realidade última.
Muitas tríades representam funções cósmicas fundamentais. A tríade suméria de Anu, Enlil e Enki dividia o universo em céu, terra e submundo. A Trimúrti Védica abrange os ciclos de criação, preservação e destruição. A tríade eslava de Triglav governa os três reinos cósmicos (Céu, Terra, Submundo) , e a trilogia animal inca (Condor, Puma, Serpente) mapeia diretamente sua cosmovisão de três mundos. Essa estruturação do cosmos em três reinos é uma tendência humana fundamental, e as tríades frequentemente servem como representações divinas ou guardiãs dessas divisões, fornecendo um arcabouço completo para entender o universo e a existência.
As relações familiares são um modelo comum para as tríades, especialmente no Egito (Osíris-Ísis-Hórus, Amon-Mut-Khonsu) e na Mesopotâmia (Marduk-Zarpanitu-Nabu), onde a tríade reflete uma unidade familiar divina. Em alguns casos, as tríades representam diferentes modos ou manifestações de uma mesma realidade divina, como as tríades modalísticas egípcias (Khepri-Rá-Atum).
No entanto, é crucial distinguir cuidadosamente entre "tríades" (agrupamentos de deuses distintos) e a "Trindade" (um único ser divino em três pessoas), como observado no Cristianismo. A alegação de uma "trindade" babilônica, por exemplo, é refutada por análises acadêmicas que mostram que os deuses mesopotâmicos eram entidades distintas, mesmo quando agrupadas. Da mesma forma, o conceito neopagão da "Deusa Tríplice" é uma ideia moderna, não uma representação antiga universal. Essa cautela contra o anacronismo é fundamental nos estudos religiosos comparativos.
A Relação entre Tríades e a Organização Social/Cosmológica
As tríades não são meramente construções teológicas abstratas; elas estão profundamente entrelaçadas com a compreensão de uma cultura sobre o cosmos, seu ambiente natural e sua organização social e política. As tríades egípcias, por exemplo, frequentemente legitimavam o poder real, com o faraó sendo incorporado como o "filho" divino, fortalecendo sua posição religiosa e a sucessão. Isso demonstra como o modelo de "unidade familiar" divina podia ser uma ferramenta prática para sacralizar o governo do rei.
Além disso, as tríades podem refletir a organização social, como a tripartição da sociedade em algumas tradições indo-europeias. Elas também espelham a compreensão de ciclos naturais, como os ciclos solares egípcios (Khepri-Rá-Atum), os ciclos agrícolas fenícios (Adônis, Melqart) e os ciclos de vida celtas (Donzela, Mãe, Anciã, embora esta seja uma concepção moderna). A interconexão entre ordem cósmica, estrutura social e tríades divinas fornece um projeto divino para o mundo, espelhando e reforçando a ordem e os valores humanos.
A Persistência do Simbolismo do Número Três
A prevalência do número três em diversas culturas pode ter raízes cognitivas, sendo um número de informações facilmente processável pela mente humana. Sua associação com "começo, meio e fim" (Aristóteles) ou "tese, antítese, síntese" (Hegel) demonstra sua utilidade como um modelo para processos, desenvolvimento e completude.
A análise comparativa também revela casos em que a manifestação de tríades é menos explícita ou ausente na estrutura principal do panteão, como na mitologia asteca. Isso desafia a suposição de que todas as culturas devem ter tríades divinas explícitas e sugere que, embora o número três seja simbolicamente significativo, sua manifestação em agrupamentos divinos não é universal da mesma maneira. Para os astecas, a ênfase pode estar mais na dualidade de forças ou em um panteão maior e mais fluido, sem estruturas triádicas fixas.
A tabela a seguir resume as tríades e conceitos triádicos discutidos, destacando suas características e interpretações.
| Mitologia/Religião | Nome da Tríade/Conceito | Membros da Tríade | Simbologia Principal | Interpretação Chave | Natureza da Tríade |
|---|---|---|---|---|---|
| Suméria | Anu, Enlil, Enki | Anu, Enlil, Enki | Céu, Terra, Água/Sabedoria; Divisão Cósmica | Governança elementar do universo | Tríade Politeísta |
| Babilônia/Acádia | Sin, Shamash, Ishtar | Sin, Shamash, Ishtar | Lua, Sol, Vênus; Corpos celestes | Influência cósmica, justiça, fertilidade | Tríade Politeísta (Astral) |
| Babilônia/Acádia | Marduk, Zarpanitu, Nabu | Marduk, Zarpanitu, Nabu | Poder, Fertilidade, Sabedoria/Escrita | Estrutura de poder dinástica, linhagem real | Tríade Politeísta (Familiar) |
| Zoroastrismo | Ahura Mazda (três aspectos) | Ahura Mazda, Spenta Mainyu, (Asha/Palavra) | Criação, Espírito Benéfico, Ordem Cósmica | Dualismo ético e cósmico, escolha humana | Conceito Triádico (Aspectos de um) |
| Judaísmo (Cabalá) | Sefirot Supernais / Três Pilares | Keter, Chochmah, Binah | Coroa, Sabedoria, Compreensão; Intelecto Divino | Manifestação da unidade composta de Deus; Emanação divina | Unidade Composta (Atributos) |
| Islã | Tawhid (categorias) | Rububiyyah, Uluhiyyah, Asma wa'l-Sifat | Senhorio, Adoração, Nomes/Atributos Divinos | Unicidade absoluta de Allah; Rejeição da Trindade | Rejeitada (Monoteísmo Estrito) |
| Védico (Hinduísmo) | Trimúrti | Brahma, Vishnu, Shiva | Criação, Preservação, Destruição; Ciclos Cósmicos | Funções cósmicas do universo | Tríade Politeísta (Funcional) |
| Egípcia (Abydos) | Osíris, Ísis, Hórus | Osíris, Ísis, Hórus | Morte, Magia/Maternidade, Realeza/Proteção | Ciclo de vida, morte e renascimento; Legitimidade real | Tríade Politeísta (Familiar) |
| Egípcia (Tebas) | Amon, Mut, Khonsu | Amon, Mut, Khonsu | Criação, Maternidade/Proteção, Lua/Viagem | Harmonia cósmica; Legitimidade real | Tríade Politeísta (Familiar) |
| Egípcia (Modalística) | Khepri-Rá-Atum | Khepri, Rá, Atum | Sol da Manhã, Meio-dia, Fim de Tarde | Aspectos da mesma realidade solar | Tríade Modalística (Aspectos de um) |
| Fenícia (Biblos) | El, Baalat, Adônis | El, Baalat, Adônis | Soberania, Fertilidade, Renovação/Regeneração | Culto local, ciclos agrícolas | Tríade Politeísta (Local/Familiar) |
| Fenícia (Sidon) | Baal, Astarte, Eshmun | Baal, Astarte, Eshmun | Tempestade, Fertilidade/Guerra, Cura | Poder local, proteção, bem-estar | Tríade Politeísta (Local/Funcional) |
| Eslava | Triglav | Triglav | Céu, Terra, Submundo; Domínio Cósmico | Equilíbrio universal, segredos divinos | Tríade Politeísta (Cosmológica) |
| Eslava | Perun, Veles, Svarog | Perun, Veles, Svarog | Trovão, Submundo, Criação/Fogo | Conflito primordial, ordem cósmica | Tríade Politeísta (Funcional/Relacional) |
| Celta (Irlandesa) | Ériu, Banba, Fódla | Ériu, Banba, Fódla | Soberania da Terra, Fertilidade, Guerra | Personificação da terra e realeza | Tríade Politeísta (Nacional/Funcional) |
| Celta (Irlandesa) | A Morrígan | Badb, Macha, Morrígan | Guerra, Destino, Soberania | Deusa guerreira tríplice, transformação | Tríade Politeísta (Funcional) |
| Celta (Irlandesa) | Brigid | Brigid | Fogo, Metalurgia, Poesia | Artes e ofícios divinos | Tríade Politeísta (Funcional) |
| Germânica (Nórdica) | Óðinn, Vili, Vé | Óðinn, Vili, Vé | Inspiração, Vontade, Sagrado; Criação | Forças primordiais da cosmogonia | Tríade Politeísta (Cosmogônica) |
| Inca | Condor, Puma, Serpente | Condor, Puma, Serpente | Hanan Pacha, Kay Pacha, Uku Pacha | Cosmovisão de três mundos; Conexão cósmica | Tríade Simbólica (Cosmológica) |
| Inca | Viracocha, Inti, Pachamama | Viracocha, Inti, Pachamama | Criação, Sol, Terra/Fertilidade | Governança universal; Fonte de vida | Tríade Politeísta (Funcional/Familiar) |
| Maia | Tríade de Palenque (GI, GII, GIII) | GI, GII, GIII | Vênus, Sol, Simbolismo Real | Legitimidade real, ciclos celestes | Tríade Politeísta (Astral/Real) |
| Asteca | Trovão, Relâmpago, Chuva | Tlaloc | Fenômenos meteorológicos vitais | Importância agrícola, poder natural | Tríade Implícita (Fenômenos Naturais) |
VII. Conclusões
O estudo aprofundado das tríades divinas e conceitos triádicos em diversas mitologias e religiões revela um fenômeno cultural e teológico de vasta abrangência. A análise demonstra que a organização do divino em grupos de três não é uma coincidência isolada, mas uma manifestação de padrões profundos na cognição humana e na forma como as sociedades buscam compreender e interagir com o sagrado.
As tríades servem a múltiplas funções: desde a divisão e governança cósmica, como visto nas tríades sumérias e eslavas, até a personificação de ciclos naturais de vida, morte e renovação, evidentes nas divindades egípcias e fenícias. Muitas vezes, essas formações divinas espelham e legitimam estruturas sociais e políticas, como a incorporação do faraó nas tríades egípcias ou a representação de linhagens reais mesopotâmicas. A persistência do simbolismo do número três, com suas associações de completude e equilíbrio (começo, meio, fim), sublinha uma base cognitiva universal que facilita a formação e a compreensão desses agrupamentos.
É de suma importância manter uma abordagem rigorosa e contextualizada ao comparar essas formações. A distinção entre "tríades" politeístas (agrupamentos de deuses distintos) e a "Trindade" monoteísta (um único Deus em três pessoas) é fundamental para evitar a projeção anacrônica de conceitos teológicos. A ausência de tríades divinas explícitas em alguns panteões, como o asteca, também é um dado significativo, indicando que a manifestação do simbolismo do três pode variar em sua forma e centralidade.
Em suma, as tríades divinas são mais do que meros agrupamentos numéricos de deuses; elas são complexas formulações teológicas e cosmológicas que refletem a profunda necessidade humana de ordem, significado e interconexão no universo. A exploração dessas tríades oferece uma janela valiosa para as diversas maneiras pelas quais as culturas antigas conceberam o divino e o seu papel na existência.
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