Os Novos Templários da Alemanha e as Conexões Nazistas: Uma Análise Histórica e Pseudoacadêmica

 








A complexa teia de movimentos esotéricos, nacionalistas e racistas que floresceu na Alemanha no final do século XIX e início do século XX, pavimentou o caminho para a ascensão do Nazismo. Dentro desse cenário, grupos que se autodenominavam "Novos Templários" surgiram, alimentando especulações sobre uma possível ligação com o regime de Hitler. Contudo, uma análise aprofundada requer a distinção entre a história documentada e as narrativas pseudoacadêmicas que frequentemente misturam fatos com fantasias.

As Raízes dos "Novos Templários" e o Contexto Völkisch

O termo "Novos Templários" na Alemanha do século XX está intrinsecamente ligado a figuras como Jörg Lanz von Liebenfels (nascido Adolf Josef Lanz), um ex-monge cisterciense que fundou a Ordem dos Novos Templários (Ordo Novi Templi - ONT) em 1900. Lanz, que se autoproclamava "Herr Lanz", defendia uma ideologia áriosófica e völkisch, que combinava misticismo, teorias raciais e uma reinterpretação distorcida do cristianismo. Sua visão apocalíptica da história postulava a superioridade da raça "ariana" e a necessidade de purificação racial. A ONT tinha como objetivo principal a fundação de um estado pan-ariano, com base em princípios hierárquicos e raciais, e utilizava o castelo de Werfenstein como centro de suas atividades, onde hasteava uma bandeira com uma suástica, símbolo que, na época, possuía significados esotéricos diversos antes de ser apropriado pelo Nazismo.

Os escritos de Lanz, notadamente sua revista "Ostara", foram amplamente difundidos e tiveram alguma influência nos círculos nacionalistas e racistas da época. É sabido que Adolf Hitler leu e foi influenciado pelos escritos de Lanz durante seus anos em Viena, embora a extensão exata dessa influência seja debatida por historiadores. Lanz chegou a afirmar que Hitler o visitou em 1909 para comprar exemplares de "Ostara", mas essa alegação carece de comprovação.

Outro grupo relevante nesse contexto foi a Thule-Gesellschaft (Sociedade Thule), fundada por Rudolf von Sebottendorff em 1918. Embora não se autodenominasse "Nova Templária", a Thule-Gesellschaft compartilhava muitas das ideias völkisch e esotéricas que permeavam os círculos proto-nazistas. Seus membros acreditavam em uma raça superior ancestral e na necessidade de uma revolução "espiritual" para restaurar a glória germânica. A Sociedade Thule teve uma ligação mais direta com os primórdios do Partido Nazista, com vários de seus membros fundadores, como Dietrich Eckart e Alfred Rosenberg, desempenhando papéis cruciais no desenvolvimento inicial da ideologia nazista. No entanto, é importante notar que a Thule-Gesellschaft era uma sociedade secreta com rituais e crenças esotéricas, não sendo uma ordem monástica como a ONT.

A Conexão com o Nazismo: Fatos e Pseudoevidências

A ligação entre esses grupos "Novos Templários" e o Nazismo é complexa e frequentemente obscurecida por narrativas pseudoacadêmicas que buscam estabelecer uma relação mais direta e conspiratória do que a evidência histórica permite.

Do ponto de vista acadêmico:

 * Influência Ideológica: Existe um consenso de que as ideias racistas, nacionalistas e esotéricas propagadas por figuras como Lanz von Liebenfels e os membros da Sociedade Thule foram parte do caldo cultural e ideológico que nutriu o Nazismo. O anti-semitismo, o racismo e a crença em uma "raça superior" eram elementos centrais de suas doutrinas e se tornaram pilares da ideologia nazista. No entanto, essa influência foi mais de natureza difusa, contribuindo para um clima intelectual que facilitou a ascensão do Nazismo, do que uma coordenação direta ou filiação formal.

 * Aproximação de Símbolos: A apropriação da suástica pelos Nazistas, um símbolo já utilizado por grupos esotéricos como a ONT, é um exemplo de como elementos pré-existentes foram cooptados e ressignificados pelo regime. Não implica, contudo, que os Templários de Lanz tivessem uma ligação organizacional com o NSDAP.

 * Ausência de Ligação Formal Direta: Não há evidências históricas robustas que demonstrem uma ligação organizacional direta ou formal entre a Ordem dos Novos Templários de Lanz von Liebenfels e o Partido Nazista como uma instituição. A ONT, embora tivesse ideias alinhadas com o racismo e o nacionalismo, operava em uma escala menor e não foi incorporada ao aparelho nazista. Da mesma forma, a Thule-Gesellschaft, embora influential nos primórdios do Nazismo, se dissolveu antes da plena ascensão do regime.

Do ponto de vista pseudoacadêmico e de teorias da conspiração:

Muitas narrativas pseudoacadêmicas tendem a criar uma imagem de uma conspiração oculta, onde os "Novos Templários" (e outras sociedades secretas) seriam os verdadeiros arquitetos por trás do Nazismo. Essas teorias frequentemente se baseiam em:

 * Interpretações Seletivas: Focam em semelhanças superficiais ou coincidências, ignorando o contexto histórico mais amplo e a complexidade das interações sociais e políticas.

 * Associações Especulativas: Sugerem ligações diretas baseadas em influências ideológicas ou na presença de símbolos compartilhados, sem evidências de colaboração formal.

 * Foco no Esoterismo "Maldito": Há uma fascinação pela ideia de que o Nazismo era movido por forças ocultas e sociedades secretas, o que leva a uma supervalorização da influência de grupos esotéricos em detrimento de fatores sociais, econômicos e políticos mais evidentes. Livros como "Aurora Mágica" de Nicholas Goodrick-Clarke, embora acadêmico, muitas vezes são mal interpretados, levando a conclusões excessivamente conspiratórias sobre o ocultismo nazista.

É importante ressaltar que o próprio regime nazista, após assumir o poder, reprimiu ou absorveu muitos desses grupos esotéricos e ocultistas que o precederam. Figuras como Heinrich Himmler, chefe da SS, tinham um grande interesse em misticismo e ocultismo, e a SS chegou a incorporar elementos esotéricos em sua própria ideologia e simbologia. No entanto, isso não significa que esses grupos, incluindo os "Novos Templários", tivessem um controle ou uma influência direta na formulação das políticas nazistas. Pelo contrário, muitos foram perseguidos ou marginalizados à medida que o regime consolidava seu poder e não tolerava ideologias concorrentes.

Conclusão

A suposta ligação entre os "Novos Templários" da Alemanha e os Nazistas é um campo fértil para a especulação, mas que deve ser abordado com rigor histórico. É inegável que ideologias racistas e esotéricas, propagadas por figuras como Jörg Lanz von Liebenfels e a Sociedade Thule, contribuíram para o clima intelectual que possibilitou a ascensão do Nazismo. Essas correntes forneciam uma pseudocientífica e mística justificação para o anti-semitismo e o racismo.

No entanto, é crucial distinguir entre influência ideológica e uma ligação organizacional formal. Não há evidências sólidas que comprovem uma parceria direta ou que a Ordem dos Novos Templários ou outros grupos "neo-templários" tivessem um papel decisivo na formulação ou execução da política nazista. As narrativas pseudoacadêmicas, que frequentemente superestimam o papel de sociedades secretas e conspirações ocultas, obscurecem a verdadeira complexidade da história e a responsabilidade dos atores políticos e sociais. A ascensão do Nazismo foi um fenômeno multifacetado, impulsionado por uma combinação de fatores econômicos, sociais, políticos e ideológicos, e não meramente por uma cabala secreta de "Novos Templários".


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