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As Conexões Ocultas e Políticas: Sociedades Secretas Nazistas, Terceiro Reich e o Mundo Árabe no Oriente Médio

 




Introdução

A relação entre a Alemanha Nazista e o Oriente Médio durante o período do Terceiro Reich é um campo de estudo complexo, que se estende muito além das interações diplomáticas convencionais. Envolveu um intrincado emaranhado de interesses geopolíticos, ideologias raciais e místicas, e a instrumentalização de movimentos anticoloniais emergentes na região. Este estudo aprofundado busca desvendar as camadas dessas interações, focando na influência das sociedades secretas nazistas e na política externa do Terceiro Reich em regiões cruciais como a Palestina, o Irã e outros países do Oriente Médio.

O objetivo principal desta análise é examinar as bases ideológicas do nazismo, incluindo o papel de entidades como a Sociedade Thule e a Ahnenerbe, e investigar como essas ideologias se entrelaçaram com as estratégias políticas e militares do Terceiro Reich para com o mundo árabe. Serão exploradas a natureza das colaborações estabelecidas, o impacto da propaganda alemã na região e as contradições inerentes a essas relações, que frequentemente colocavam o pragmatismo geopolítico acima da pureza ideológica racial.

I. As Sociedades Secretas e a Base Ideológica do Nazismo

A Sociedade Thule: Origens e Crenças Ocultistas

A Sociedade Thule, embora não diretamente envolvida em operações no Oriente Médio, foi uma entidade de profunda relevância na formação ideológica inicial do Partido Nazista. Operando como um grupo ocultista e völkisch em Munique, a Sociedade Thule promovia um conjunto de ideias raciais e místicas, exercendo uma influência considerável sobre figuras proeminentes do movimento que viria a se tornar o nazismo. Sua existência e as crenças que propagava são fundamentais para compreender a base mística e pseudocientífica que permeava o pensamento nazista desde suas raízes.

A ideologia fundamentalista e ocultista da Sociedade Thule, que se manifestava em suas concepções raciais e expansionistas, estabeleceu um arcabouço para a visão de mundo nazista. Essa fundamentação, embora abstrata em sua origem, teve implicações diretas na forma como o regime percebia e interagia com povos não-europeus, incluindo os árabes. A crença em hierarquias raciais e a justificação para a expansão territorial, enraizadas nessas doutrinas ocultistas, criaram uma predisposição para certas abordagens na política externa. Essa semeadura ideológica inicial é um fator subjacente às contradições raciais que surgiriam mais tarde em alianças pragmáticas, pois as convicções centrais do regime sobre a pureza racial frequentemente divergiam das necessidades táticas de sua política externa.

A Ahnenerbe: Pesquisa Ancestral e Pseudociência a Serviço do Reich

A Ahnenerbe, cujo nome completo era "Forschungsgemeinschaft Deutsches Ahnenerbe e. V." (Sociedade de Pesquisa da Herança Ancestral), foi uma das mais notáveis organizações pseudocientíficas do Terceiro Reich. Fundada em 1º de julho de 1935 por Heinrich Himmler, Herman Wirth e Walter Darré, seu propósito inicial era conduzir pesquisas sobre a história antropológica e cultural da raça ariana. A organização buscava identificar uma "matriz comum em todas as religiões" através de investigações históricas e simbólicas, utilizando a imagem da "árvore do conhecimento" como um de seus símbolos centrais. Rapidamente, a Ahnenerbe se tornou um instrumento crucial para justificar a ideologia nazista da superioridade ariana.

Em 1939, a Ahnenerbe foi incorporada ao Persönlicher Stab RfSS (Estado-Maior Pessoal do Reichsführer-SS), com Himmler, que se via como a reencarnação de Henrique I, o Passarinheiro, exercendo controle total como Curador Geral. A reestruturação da associação em 1937 por Himmler estabeleceu novos objetivos, como a realização de pesquisas científicas sobre a história antiga e a instituição de centros de educação e cultura dedicados à "grandeza da Alemanha do passado". A organização expandiu-se consideravelmente, abrangendo mais de 70 departamentos que investigavam temas tão diversos quanto astronomia, controle climático, extração de petróleo do carvão e remédios ocultos, além de gerenciar todas as escavações arqueológicas alemãs.

A ideologia da Ahnenerbe estava profundamente enraizada em concepções teosóficas, como a "Doutrina Secreta" de Blavatsky, que "deslocava o centro das pesquisas ocultas do Egito para o Oriente". Essa orientação levou a vastas expedições, notadamente ao Tibete e ao deserto do Gobi, em busca de Shamballah e "antigas presenças nórdicas". De forma mais direta para as relações com o Oriente Médio, em 1938, Franz Altheim e Erika Trautmann, membros da Ahnenerbe, buscaram financiamento para uma expedição que se estenderia da Europa Central ao Oriente Médio. O objetivo explícito dessa missão era "demonstrar a origem ariana da antiga Roma" através da busca por vestígios de uma "guerra interna ao Império Romano entre povos nórdicos e semitas".

A Ahnenerbe funcionou como um elo direto entre o ocultismo e a justificação geopolítica no Oriente Médio. A organização, com sua natureza pseudocientífica e sua ligação com as SS, operacionalizou teorias esotéricas e raciais em objetivos de pesquisa concretos que envolviam diretamente o Oriente Médio. A expedição planejada para a região, com o propósito de encontrar "provas" de uma guerra entre povos nórdicos e semitas para sustentar a origem ariana de Roma, demonstra como as teorias bizarras da Ahnenerbe foram traduzidas em uma busca ativa por "evidências" dentro da própria região. Essa busca, por sua vez, servia para justificar a hierarquia racial nazista e suas políticas expansionistas e genocidas.

A tese central da Ahnenerbe expressava uma "antítese gnóstica entre a Luz (o Bem), encarnada pela raça ariana, e as Trevas, representadas pelas raças subumanas". Essa concepção fornecia uma "justificação teológica" para a eliminação e extinção de raças consideradas inferiores. Contudo, a abordagem racial nazista em relação ao Oriente Médio revelava uma contradição intrínseca. Enquanto a ideologia da Ahnenerbe promovia a aniquilação de raças "subumanas", o regime nazista classificou os iranianos como "arianos puros"  e buscou ativamente alianças com líderes árabes. Essa flexibilidade na aplicação da doutrina racial demonstra um pragmatismo racial: embora a pureza racial fosse um pilar na Europa para justificar o extermínio, no Oriente Médio, as definições raciais podiam ser manipuladas ou ignoradas em favor de ganhos estratégicos, como o enfraquecimento da influência britânica ou a garantia de acesso a recursos petrolíferos. A Ahnenerbe, com sua pesquisa sobre a "guerra nórdico-semita", tentava categorizar e hierarquizar as populações do Oriente Médio dentro de seu arcabouço racial, mas as realidades políticas e militares frequentemente impunham uma suspensão dessas doutrinas rígidas em favor de alianças táticas.

Além das expedições, a Ahnenerbe esteve profundamente envolvida em experimentos "médicos" e "científicos" sádicos, utilizando prisioneiros de campos de concentração. Exemplos incluem a coleta de milhares de crânios humanos em Auschwitz para medidas antropométricas e a comparação do desempenho de combatentes de diferentes raças, tudo com o objetivo de "demonstrar a superioridade da raça ariana".

A tabela a seguir sumariza as características e propósitos das principais sociedades que influenciaram ou operaram sob o Terceiro Reich, fornecendo uma visão clara de suas distinções e conexões com a ideologia nazista.

| Sociedade Secreta | Origem e Características | Propósitos e Atividades Principais | Conexão com o Oriente Médio |

|---|---|---|---|

| Sociedade Thule | Grupo ocultista e völkisch em Munique, com forte base mística e racial. | Fundamental na formação ideológica inicial do Partido Nazista (NSDAP), promovendo o misticismo germânico, racismo e antissemitismo. | Não há registro de atividades diretas, mas sua ideologia racial e expansionista influenciou indiretamente a percepção nazista de povos não-europeus. |

| Ahnenerbe | Fundada em 1º de julho de 1935 por Himmler, Wirth e Darré; incorporada ao Estado-Maior Pessoal do Reichsführer-SS em 1939. | Pesquisa "científica" da herança ancestral ariana; justificação pseudocientífica da supremacia racial e do extermínio; expedições arqueológicas (Tibete, Gobi, Europa); experimentos médicos sádicos; pesquisa de armas secretas. | Expedições em busca de "presenças nórdicas" e pesquisa sobre uma "guerra nórdico-semita" no Oriente Médio, visando demonstrar a origem ariana de Roma e justificar a hierarquia racial. |

A distinção entre essas organizações é crucial. A Sociedade Thule representou a gênese ideológica e o arcabouço místico-racial inicial do nazismo. A Ahnenerbe, por sua vez, institucionalizou e operacionalizou essa pseudociência, buscando "provas" e justificativas para a supremacia racial, incluindo interesses específicos, embora ideologicamente distorcidos, no Oriente Médio.

II. A Geopolítica do Terceiro Reich no Oriente Médio

Interesses Estratégicos e Econômicos

A Alemanha Nazista possuía uma necessidade crítica de petróleo para sustentar sua máquina de guerra, buscando a autossuficiência energética para prolongar o conflito. Adolf Hitler vislumbrava uma "gigantesca manobra de pinça", com avanços militares através do Norte da África e do Cáucaso, para se encontrar "em algum lugar no Oriente Próximo" e tomar o controle de áreas produtoras de petróleo. A escassez de combustível era um fator limitante para a capacidade de guerra alemã, o que elevava o acesso a essas reservas a um objetivo estratégico primordial.

Além do petróleo, o Oriente Médio era de importância vital para as rotas marítimas e terrestres do Império Britânico. A política alemã na região visava minar a influência britânica e francesa. Isso fazia parte da estratégia mais ampla da "Drang nach Osten" (impulso para o Leste), que buscava alcançar paridade imperialista com a França e a Grã-Bretanha por meio da penetração cultural e econômica no declínio do Império Otomano.

A Política Externa Nazista: Pragmatismo versus Ideologia Racial

A política oficial da Alemanha em relação ao Oriente Médio foi marcada por inconsistências, resultantes de fatores ideológicos, diplomáticos e econômicos que frequentemente se mostravam contraditórios. Inicialmente, a Alemanha, em um esforço para não alienar a Grã-Bretanha, apoiou a política britânica na Palestina e evitou tomar posição em questões árabe-sionistas locais.

Nos anos 1930, o governo de Hitler assinou o Acordo Haavara (1933) com representantes sionistas. Esse acordo facilitou a emigração de um grande número de judeus para a Palestina, ao mesmo tempo em que abriu o Oriente Médio para exportações alemãs. Essa iniciativa refletia o objetivo nazista de forçar a saída dos judeus da Alemanha, mas também representava uma estratégia econômica. Como resultado do Acordo Haavara, as exportações alemãs para a Palestina aumentaram tão rapidamente que, em 1937, a Alemanha se tornou o principal exportador para a região, superando até mesmo a Grã-Bretanha.

No entanto, essa posição mudou drasticamente após 1937. Com a crescente possibilidade de soberania judaica na Palestina e a percepção de que os milhões de judeus vivendo no "Lebensraum" no Leste da Europa não poderiam ser acomodados na pequena Palestina, Hitler passou a se opor à imigração judaica para a região. A SS, que inicialmente favorecia a emigração judaica para a Palestina, assumiu o controle e manteve essa política até 1941, quando a nova política da "Solução Final" prevaleceu, priorizando o extermínio.

Essa mudança de postura revela um pragmatismo geopolítico nazista que frequentemente se sobrepunha à consistência racial. A contradição entre o apoio inicial à emigração judaica para a Palestina (motivada por interesses econômicos e a remoção de judeus da Alemanha) e o posterior anti-sionismo e as alianças com líderes árabes (para enfraquecer os britânicos) demonstra que a política externa nazista era altamente oportunista. Os objetivos estratégicos de enfraquecer os inimigos e garantir recursos frequentemente tinham precedência sobre a adesão estrita à hierarquia racial. A instrumentalização de qualquer força disponível, mesmo que ideologicamente contraditória, para atingir objetivos estratégicos imediatos, era uma característica marcante da política externa nazista.

Nacionalistas alemães e nazistas também se dedicaram à disseminação de propaganda, encontrando aliados em alguns grupos pan-árabes e militares no Egito, Síria e Iraque. Figuras como Max von Oppenheim e o embaixador alemão no Iraque, Fritz Grobba, defenderam o apoio financeiro e militar a movimentos pan-árabes anti-britânicos já em 1937. Houve reuniões entre nacionalistas pan-árabes, como Shakib Arslan, Muhammad Amin al-Husayni e Aziz Ali al-Misri, com oficiais diplomáticos alemães, resultando em uma declaração de apoio em dezembro de 1940, embora sem ajuda real substancial.

A busca por petróleo emergiu como um fator determinante na estratégia nazista para o Oriente Médio. A visão explícita de Hitler de uma "gigantesca manobra de pinça" visando as áreas produtoras de petróleo no Oriente Próximo  evidencia que a necessidade econômica de combustível era um motor primário, se não o principal, do interesse nazista na região. A severa escassez de petróleo para a máquina de guerra alemã levou diretamente a planos militares ambiciosos direcionados ao Oriente Médio. Embora fatores ideológicos estivessem sempre presentes e moldassem o como (por exemplo, através de propaganda que apelava ao anticolonialismo), as necessidades materiais da guerra total forneceram uma motivação estratégica concreta para o envolvimento com a região, mesmo que esses planos não se concretizassem conforme o esperado.

A tabela a seguir resume os principais interesses estratégicos do Terceiro Reich no Oriente Médio, evidenciando a complexidade e as contradições inerentes à sua abordagem.

| Categoria de Interesse | Descrição e Objetivos | Contradições/Observações |

|---|---|---|

| Principal Objetivo Estratégico | Atingir autossuficiência em combustível (petróleo) para a máquina de guerra. | A escassez de petróleo foi um fator crítico, impulsionando planos de invasão ambiciosos, mas que se mostraram irrealizáveis. |

| Estratégia Militar | "Manobra de pinça" (avanço através do Norte da África e Cáucaso para o Oriente Próximo). | A prioridade para outras frentes (Rússia) limitou o apoio real e a concretização desses planos. |

| Objetivo Político | Enfraquecer o Império Britânico e Francês na região, minar a influência aliada. | Instrumentalização de movimentos anticoloniais, apesar da visão racial nazista de inferioridade árabe. |

| Objetivo Econômico | Abertura de mercados para exportações alemãs (inicialmente via Acordo Haavara), acesso a recursos naturais. | O Acordo Haavara, embora econômico, também serviu ao objetivo racial de expulsar judeus da Alemanha. |

| Contradição Ideológica | Instrumentalização de movimentos nacionalistas árabes e líderes locais. | A doutrina de inferioridade racial nazista foi flexibilizada para alianças táticas, revelando um pragmatismo oportunista. |

Essa tabela demonstra que as motivações nazistas no Oriente Médio eram multifacetadas, com o pragmatismo geopolítico e as necessidades de guerra frequentemente ditando as ações, mesmo quando em conflito com a ideologia racial central do regime.

III. Relações com os Árabes na Palestina

Haj Amin al-Husseini: O Grande Mufti de Jerusalém e Seus Objetivos

Muhammad Amin al-Husayni (c. 1890-1974) foi uma figura central no cenário político e religioso da Palestina sob o Mandato Britânico, atuando como o Mufti (principal autoridade religiosa islâmica) de Jerusalém de 1921 a 1937. Suas principais causas políticas incluíam o estabelecimento de uma federação ou estado pan-árabe, a oposição veemente à imigração judaica para a Palestina e às aspirações nacionais judaicas, e a promoção de sua própria imagem como um líder pan-árabe e religioso muçulmano.

No exílio, entre 1937 e 1945, al-Husayni buscou ativamente uma aliança com as Potências do Eixo, Alemanha Nazista e Itália Fascista, alegando falar em nome da nação árabe e do mundo muçulmano. Sua busca por essa aliança baseava-se na expectativa de que o Eixo reconheceria publicamente a independência dos estados árabes, o direito desses estados de formar uma união que refletisse uma cultura muçulmana e árabe dominante, e o direito de reverter as medidas tomadas para a criação de um lar judaico na Palestina.

Colaboração e Propaganda Anti-Aliada e Antissemita

O regime nazista financiou e facilitou transmissões de rádio anti-britânicas e antissemitas do ex-Mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husayni, direcionadas ao mundo árabe. O objetivo era mobilizar apoio para a Alemanha e o Eixo entre muçulmanos nos Bálcãs e no Oriente Médio. Al-Husayni incitou a violência contra judeus e as autoridades britânicas na região, e chegou a recrutar jovens muçulmanos para o serviço alemão.

Em um encontro com Hitler na Chancelaria do Reich, Hitler recusou o pedido de al-Husayni por uma declaração pública ou tratado formal que prometesse não ocupar terras árabes, reconhecesse a independência árabe ou apoiasse a "remoção" do lar judaico proposto. No entanto, Hitler confirmou que a "luta contra um lar judaico na Palestina" seria parte da "luta contra os judeus" e prometeu uma "garantia ao mundo árabe" de que a "hora da libertação estava próxima" quando o exército alemão estivesse próximo à região. Apesar da colaboração, as potências do Eixo não estavam dispostas a promover as ambições políticas de al-Husayni conforme ele desejava, utilizando-o mais como uma ferramenta de propaganda.

Al-Husayni tornou-se um colaborador significativo da máquina de propaganda do Terceiro Reich em árabe para o Norte da África e o Oriente Médio. Suas falas e ensaios dos anos 1930 e 1940 tornaram-se textos canônicos da tradição do islamismo, redefinindo o Islã como uma "fonte de ódio aos judeus". Ele alegava que o sionismo representava uma ameaça aos árabes e ao Islã, e que uma "conspiração mundial judaica" patrocinava o comunismo soviético.

A base dessa colaboração entre o Terceiro Reich e figuras como al-Husayni era uma confluência de interesses anti-britânicos e antissemitas. O inimigo comum – o Império Britânico e o sionismo/judaísmo – criou um terreno fértil para a aliança. Al-Husayni explicitamente afirmou que os árabes eram os "amigos naturais" da Alemanha por terem inimigos em comum (ingleses, judeus, comunistas). Essa oposição mútua à dominação colonial britânica e ao crescente projeto sionista na Palestina foi o fator que impulsionou a colaboração, apesar das contradições raciais inerentes à ideologia nazista. Os nazistas estavam dispostos a ignorar suas doutrinas raciais em relação aos árabes se isso servisse ao seu objetivo estratégico de desestabilizar o controle britânico e avançar sua agenda antissemita. Essa foi uma aliança tática, impulsionada por objetivos comuns, embora distintos, e demonstra a natureza oportunista da política externa nazista.

O impacto da propaganda nazista na região foi duradouro. As falas e ensaios de al-Husayni, amplamente disseminados pela propaganda do Terceiro Reich em árabe , tornaram-se "textos canônicos da tradição do islamismo", definindo o Islã como uma "fonte de ódio aos judeus". Isso teve uma implicação de longo prazo, sugerindo que a propaganda nazista não foi apenas uma tática de guerra passageira, mas deixou uma marca duradoura no panorama ideológico do Oriente Médio, contribuindo para o desenvolvimento do islamismo radical e a persistência do sentimento anti-sionista e anti-judaico após 1948. Esse efeito cascata da colaboração em tempo de guerra estendeu-se muito além do conflito imediato, influenciando a política e os conflitos regionais por décadas.

A Perspectiva Nazista e o Apoio Tático aos Motins Árabes de 1936

O apoio nazista aos Motins Árabes de 1936 na Palestina, então sob Mandato Britânico, influenciou a formação de grupos como o Partido Ba'ath, que defendia a unidade pan-árabe e interesses anti-imperiais. Grupos paramilitares como o Al-Futuwwa, modelados nos escoteiros nazistas, surgiram na Palestina e no Iraque. No Egito, a Irmandade Muçulmana começou a receber assistência financeira e ideológica da Alemanha Nazista já em 1930.

IV. Relações com o Irã

Contexto Histórico e Busca por Equilíbrio

Por muitas décadas, o Irã e a Alemanha cultivaram laços, em parte como um contrapeso às ambições imperiais da Grã-Bretanha e da Rússia (posteriormente União Soviética). O comércio com os alemães era particularmente atraente para o Irã porque a Alemanha não possuía um histórico de imperialismo na região, ao contrário dos britânicos e russos.

Apesar de sua simpatia pela Alemanha e seu interesse em aprender sobre gestão política e tecnologia industrial alemã, Reza Shah declarou o Irã neutro no início da Segunda Guerra Mundial. Ele temia tanto as ambições soviéticas quanto as britânicas e considerava a ideologia racial de expansão da Alemanha problemática.

Classificação Racial e Cooperação Econômica

Em 1936, o gabinete de Hitler classificou os iranianos como "arianos de sangue puro", concedendo-lhes isenção das Leis de Nuremberg. O próprio Hitler chegou a declarar o Irã como um "país ariano".

De 1939 a 1941, a Alemanha tornou-se o principal parceiro comercial do Irã, respondendo por quase 50% do total de seu comércio exterior. Essa parceria ajudou o Irã a estabelecer comunicações marítimas e aéreas modernas com o resto do mundo. Engenheiros alemães foram responsáveis pela construção de ferrovias iranianas, e ordens explícitas foram dadas para evitar o emprego de pessoas de ascendência judaica em qualquer de suas subdivisões.

Em um notável esforço de diplomacia humanitária, o diplomata iraniano Abdol Hossein Sardari, estacionado em Paris durante a ocupação nazista, tentou salvar muitos judeus persas do extermínio. Ele conseguiu convencer oficiais nazistas a isentá-los do uso da estrela amarela e emitiu entre 500 e 1.000 passaportes iranianos sem o consentimento de seus superiores.

Propaganda Nazista no Irã

O serviço de rádio de propaganda nazista da Alemanha, Radio Zeesen, transmitia programas noturnos em persa que utilizavam temas religiosos islâmicos. Essa abordagem era uma adaptação da propaganda, pois o antissemitismo e o nacionalismo baseados na raça não ressoavam com o público iraniano da mesma forma que na Europa. Entre os temas da propaganda alemã estava a noção de que Hitler era o Messias xiita, ou o Décimo Segundo Imam, que havia retornado para destruir os judeus e comunistas. Bahram Shahrukh, empregado da rádio alemã, realizava transmissões anti-judaicas diárias e, no Purim de 1941, promoveu a ideia de vingança pelo massacre de Purim em tempos bíblicos, sugerindo que seus seguidores iranianos atacassem os judeus. Jornais noturnos eram distribuídos em Teerã, e suásticas eram frequentemente pintadas em casas e lojas judaicas.

Essa adaptação da propaganda nazista para contextos culturais específicos é um ponto notável. A máquina de propaganda alemã modificou sua mensagem, utilizando temas religiosos islâmicos e até mesmo retratando Hitler como uma figura messiânica, para que a ideologia ressoasse com as audiências iranianas, onde o antissemitismo racial puro não tinha a mesma aceitação. Isso demonstra uma abordagem pragmática na disseminação ideológica, onde a rigidez doutrinária podia ser flexibilizada para maximizar a influência em um determinado contexto cultural.

A Ocupação Aliada e o Fim da Influência Nazista

As demandas dos Aliados pela expulsão de residentes alemães no Irã (principalmente trabalhadores e diplomatas) foram inicialmente recusadas pelo Xá. No entanto, no verão de 1941, após dramáticas vitórias alemãs contra a União Soviética, os governos britânico e soviético ocuparam o sul e o norte do Irã, respectivamente. A recusa do Xá em expulsar os alemães serviu como pretexto, mas a verdadeira preocupação era um possível avanço alemão no Cáucaso, que ameaçaria as rotas de suprimentos aliadas.

Essa ocupação levou à abdicação de Reza Shah e ao controle do Irã por Rússia e Grã-Bretanha. Em janeiro de 1942, o Irã, a União Soviética e a Grã-Bretanha assinaram um Tratado de Aliança Tripartite, e o Irã cortou todas as relações com as Potências do Eixo, expulsando seus cidadãos.

V. Relações com Outros Países do Oriente Médio (Egito e Iraque)

Iraque: O Golpe de 1941 e a Influência Anti-Britânica

No Iraque, o pan-arabismo havia se tornado uma força ideológica poderosa no meio militar, especialmente entre oficiais mais jovens que haviam sofrido economicamente com a partição do Império Otomano. O papel britânico na repressão da revolta na Palestina entre 1936 e 1939 intensificou ainda mais os sentimentos anti-britânicos no exército iraquiano, levando à formação do Movimento dos Oficiais Livres, que visava derrubar a monarquia.

A Alemanha Nazista tentou capitalizar sobre esses sentimentos anti-britânicos, buscando atrair Bagdá para a causa do Eixo. O primeiro-ministro iraquiano Rashid Ali, um anglófobo fervoroso, mostrou-se relutante em romper completamente com as potências do Eixo e propôs restrições aos movimentos de tropas britânicas no Iraque. Em resposta, Rashid Ali e quatro generais lideraram um golpe militar em 1941 que depôs o regente e o primeiro-ministro pró-britânicos. O novo gabinete ultranacionalista de Rashid Ali deu consentimento apenas condicional aos pedidos britânicos de desembarque de tropas em abril de 1941. Os britânicos retaliaram rapidamente, desembarcando forças em Basra e justificando essa segunda ocupação do Iraque pela violação do Tratado Anglo-Iraquiano de 1930 por Rashid Ali. Muitos iraquianos consideraram a ação uma tentativa de restaurar o domínio britânico e apoiaram o exército iraquiano, que recebeu um número limitado de aeronaves das potências do Eixo. No entanto, os alemães estavam preocupados com campanhas em Creta e com os preparativos para a invasão da União Soviética, e puderam oferecer pouca assistência ao Iraque.

Com o avanço britânico, Rashid Ali e seu governo fugiram para o Egito, e um armistício foi assinado em 30 de maio. O regente deposto retornou ao poder, e o Iraque declarou guerra às potências do Eixo em janeiro de 1943, sob os termos do tratado de 1930 com a Grã-Bretanha. O Iraque tornou-se então uma base para a ocupação militar do Irã e do Levante pelos Aliados.

A fragilidade das alianças nazistas baseadas apenas no anticolonialismo é evidente nesse episódio. Embora o sentimento anti-britânico fosse um forte motivador para líderes árabes como Rashid Ali, o apoio prático limitado da Alemanha (devido ao seu foco principal nas frentes europeia e soviética) significava que essas alianças eram frequentemente de curta duração e oportunistas, em vez de profundamente comprometidas. Isso demonstra uma natureza transacional nas relações, onde a Alemanha buscava explorar as tensões regionais para seus próprios fins estratégicos, sem um compromisso duradouro com os objetivos dos movimentos nacionalistas árabes.

Egito: Neutralidade e Simpatias Pró-Eixo

O Egito, embora sob influência britânica, rompeu relações diplomáticas com a Alemanha Nazista em 4 de setembro de 1939, um dia após a declaração de guerra britânica. Nacionais alemães no Egito foram internados e suas propriedades confiscadas. Inicialmente, o governo egípcio buscou manter a neutralidade, vendo o conflito como uma guerra europeia desconectada de seus interesses.

No entanto, havia simpatias pró-Eixo em setores da elite egípcia. Em abril de 1941, o Rei Farouk enviou uma nota secreta a Hitler, expressando "ansiedade em ver as tropas alemãs vitoriosas no Egito o mais rápido possível e como libertadoras do jugo inglês intoleravelmente brutal". Em sua resposta, Hitler manifestou o desejo pela "independência do Egito". O chefe do Estado-Maior egípcio, Aziz Ali al-Misri, também tinha simpatias pró-Eixo.

O Egito tornou-se um importante campo de batalha na Campanha do Norte da África, sendo o local das Batalhas de El Alamein. O avanço do Deutsches Afrikakorps de Erwin Rommel foi eventualmente detido em El Alamein, a cerca de 240 km do Cairo. É importante notar que uma unidade SS nazista, a Einsatzgruppe Egypt, foi formada com o propósito de genocidar os judeus do Egito e da Palestina, embora nunca tenha sido efetivamente enviada para a região. O Egito formalmente declarou guerra à Alemanha apenas em 26 de fevereiro de 1945, já no final da Segunda Guerra Mundial.

A instrumentalização da questão judaica como ferramenta de unificação anti-aliada foi uma estratégia recorrente. O regime nazista utilizou o antissemitismo compartilhado, especialmente com figuras como al-Husayni, como um fator unificador para angariar apoio na região. Ao retratar os judeus como um inimigo comum, ao lado das potências coloniais, a Alemanha Nazista explorou preconceitos existentes para seus próprios fins estratégicos, buscando desestabilizar a ordem regional e minar a influência britânica e francesa. Essa abordagem cínica demonstra a manipulação de narrativas e sentimentos para alcançar objetivos políticos e militares de curto prazo.

Conclusões

As relações entre as sociedades secretas da Alemanha Nazista, o Terceiro Reich e o mundo árabe no Oriente Médio revelam um panorama complexo e frequentemente contraditório. Longe de serem meras interações diplomáticas, essas relações foram moldadas por uma amálgama de ideologias místicas, pseudociência racial e objetivos geopolíticos pragmáticos.

As sociedades como a Thule Society forneceram a base ideológica e mística inicial para o nazismo, influenciando sua visão de mundo racial e expansionista. A Ahnenerbe, por sua vez, representou a institucionalização dessa pseudociência, buscando "provas" arqueológicas e antropológicas para justificar a supremacia ariana, inclusive com interesses específicos de pesquisa no Oriente Médio, como a busca por vestígios de uma "guerra nórdico-semita". Essa operacionalização da ideologia, embora bizarra em sua premissa, demonstra como as crenças mais esotéricas do regime podiam ser traduzidas em objetivos concretos, ainda que distorcidos, de pesquisa e projeção de poder.

A política externa do Terceiro Reich no Oriente Médio foi impulsionada por necessidades pragmáticas, notadamente a busca por recursos petrolíferos para sua máquina de guerra e o desejo de enfraquecer a influência britânica e francesa na região. Essa busca por vantagens estratégicas muitas vezes se sobrepôs à rigidez da ideologia racial nazista. A contradição mais evidente foi a disposição do regime em classificar os iranianos como "arianos puros" e em buscar alianças com líderes árabes, mesmo que sua doutrina central considerasse esses povos racialmente inferiores. Essa flexibilidade revela um pragmatismo oportunista, onde a ideologia podia ser manipulada ou temporariamente suspensa para alcançar objetivos de guerra imediatos.

As colaborações, como a estabelecida com Haj Amin al-Husayni na Palestina, foram majoritariamente táticas e oportunistas. Baseadas em inimigos comuns – o Império Britânico e o sionismo/judaísmo – essas alianças não implicavam um alinhamento ideológico profundo ou um apoio alemão substancial e duradouro aos movimentos nacionalistas árabes. A Alemanha Nazista utilizou a propaganda para explorar o anticolonialismo e o antissemitismo existentes na região, adaptando sua mensagem para ressoar com as audiências locais, como visto na propaganda para o Irã.

Em última análise, as relações do Terceiro Reich com o Oriente Médio foram uma mistura de fanatismo ideológico, oportunismo geopolítico e uma disposição para manipular as aspirações locais em busca de ganhos de curto prazo. Embora a propaganda nazista tenha tido um impacto duradouro nas narrativas anti-sionistas e antissemitas na região, o regime falhou em alcançar seus objetivos estratégicos de longo prazo no Oriente Médio, em grande parte devido à sua priorização de outras frentes de guerra e à natureza superficial de suas alianças.


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O astronauta de Palenque é uma figura intrigante encontrada na antiga cidade maia de Palenque, no México. Essa figura é representada em uma placa do Templo das Inscrições, que faz parte da estrutura maia conhecida como Tumba de Pakal, dedicada ao governante maia Pakal, o Grande. A representação mostra uma figura centralizada que parece estar em uma posição reclinada, com alguns elementos ao redor que têm sido interpretados de várias maneiras ao longo dos anos. Alguns estudiosos e teóricos sugeriram que a figura central poderia estar em uma espécie de veículo espacial ou cápsula, o que levou à interpretação popular de que se tratava de um "astronauta". No entanto, a maioria dos estudiosos tradicionais da arte e da cultura maia tende a interpretar essa figura como uma representação simbólica de Pakal, o Grande, em um momento de transição entre os mundos inferior e superior, possivelmente relacionado à sua ascensão ao trono ou à sua passagem para o mundo dos ancestrai...

OS BARCOS AÉREOS DA TRIBO DROPA (também Dropas, Drok-pa ou Dzopa "Trabalho de Wegener"

Nas cavernas mais altas da região de Baiam-Kara-Ula vivem as tribos dropa e ham. Os homens dessas aldeias são de estatura pequena e constituição física muito particular. Sua altura oscila ao redor de 1,30 metro. Até hoje não foi possível relacioná-los a nenhum dos grupos étnicos terrestres e o trabalho dos cientistas é tanto mais complicado quando se sabe que há pouquíssimas referências a seu respeito no resto do mundo. Eis que, decifrando o texto de pedra, Tsum-Um-Nui e seus colegas descobriram claras alusões aos dropa e aos ham: "... Os dropa desceram do céu em seus barcos aéreos. E dez vezes do nascer ao pôr-do-sol homens, mulheres e crianças esconderam-se nas cavernas. Mas, por fim, compreenderam os sinais feitos pelos recém-chegados, que eram de paz. Outras inscrições da tribo ham revelam o desespero daqueles seres quando perderam sua última máquina voadora, que aparentemente se chocou contra alguma montanha inacessível, e sua tristeza ainda...

O PERGAMINHO DE KIRKWALL

  Para muitos historiadores e maçons, a prova da origem Templária da maçonaria está no Pergaminho de KIRKWALL, um dos mais antigos documentos maçônicos que se tem notícia. Repleto de antigos emblemas , imagens e mapas, o Pergaminho de Ensinamentos de Kirkwall foi datado do final do século 14, quando a Ordem do Templo de Salomão foi dissolvida. É um dos poucos registros sobreviventes das Cruzadas na Terra Santa. Feito de linho resistente enegrecido na bordas, sua parte central contêm uma série de símbolos maçônicos pintados que culminam na cena da Criação descrita na Bíblia. Há duas seções laterais que retratam a jornada dos filhos de Israel para a Terra Prometida. Há uma profusão e confusão de ícones: a colméia da industria e o cavalete com a prancha da construção; o esquadro e o compasso, o prumo e o lápis, o pavimento enxadrezado, as colunas de Jaquin e Boaz, um homem cercado por oito estrelas e o olho que tudo vê do discernimento divino. Outros símbolos mais antigos a...