O Alvorecer do Governo Humano no Egito: Do Reinado Divino ao Primeiro Faraó

 







Antes que a figura do faraó humano emergisse para unificar e governar o Egito, a terra fértil do Nilo era compreendida como um domínio divino, regido por um panteão vasto e complexo de deuses e deusas. A cosmogonia egípcia narrava um tempo primordial onde o caos reinava até que a criação emanasse do deus primordial, geralmente Atum, que surgiu do oceano primordial, Nun. Desta emanação, surgiram as primeiras divindades, estabelecendo as bases da ordem cósmica, Ma'at, que era essencial para a existência e a harmonia do universo egípcio.

Entre as divindades primordiais, destacavam-se a Enéade de Heliópolis, um grupo de nove deuses principais descendentes de Atum. Shu e Tefnut, representando o ar e a umidade, respectivamente, foram os primeiros a surgir. Seus filhos, Geb (a terra) e Nut (o céu), deram origem a Osíris, Ísis, Set e Néftis, figuras centrais nos mitos de criação, morte e renascimento que permeavam a religião egípcia.

Osíris, considerado o primeiro rei do Egito, personificava a fertilidade, a agricultura e a ordem. Seu reinado benevolente trouxe civilização à terra. No entanto, seu irmão invejoso, Set, deus do caos, da violência e do deserto, assassinou-o, mergulhando o Egito em desordem. Ísis, esposa e irmã de Osíris, com sua magia e devoção, conseguiu reunir os pedaços do corpo de seu esposo e trazê-lo de volta à vida, embora como governante do submundo.

Dessa união nasceu Hórus, o deus com cabeça de falcão, que personificava a realeza e a vingança. O mito de Hórus e Set é uma narrativa fundamental que espelha a luta entre a ordem e o caos, e a eventual vitória de Hórus estabeleceu a legitimidade da linhagem divina dos futuros governantes.

A crença predominante era que, antes da ascensão do primeiro faraó humano, o próprio Egito era governado diretamente por essas divindades. Os deuses residiam na terra, interagindo com os mortais e mantendo a ordem cósmica. A transição para um governante humano marcou uma mudança significativa na concepção do poder e da liderança.

A figura de Menés (ou Narmer, como alguns egiptólogos acreditam ser a mesma pessoa) é tradicionalmente creditada como o primeiro faraó humano a unificar o Alto e o Baixo Egito por volta de 3100 a.C., marcando o início do Período Dinástico. Esse evento não apenas consolidou o poder político, mas também estabeleceu uma nova relação entre o divino e o terreno. O faraó passou a ser visto não apenas como um rei, mas como o representante dos deuses na Terra, um elo vital entre o mundo mortal e o reino divino.

A ascensão do faraó humano não significou o abandono da crença nos deuses. Pelo contrário, o faraó incorporou a divindade em seu próprio ser, sendo considerado o herdeiro de Hórus e, posteriormente, filho de Rá, o deus sol. Essa conexão divina legitimava seu poder e o elevava a um status único na sociedade egípcia.

Assim, o primeiro faraó humano surgiu em um contexto onde o divino era intrinsecamente entrelaçado com a existência terrena. Sua ascensão representou uma nova fase na história do Egito, onde o governo dos deuses deu lugar ao reinado de um rei humano divinizado, encarregado de manter a Ma'at e garantir a prosperidade da terra sob a bênção do panteão egípcio. O legado dessa transição moldaria profundamente a civilização faraônica por milênios, com a figura do faraó como intermediário divino no centro de sua estrutura política e religiosa.



Hórus 

Abraxas 



Paralelos Cósmicos: Explorando as Semelhanças entre Hórus e Abraxas

Embora pertençam a sistemas religiosos e culturais distintos, o egípcio Hórus e a figura gnóstica de Abraxas exibem semelhanças notáveis em seus atributos e significados simbólicos. Ao analisar suas características, emerge um fascinante paralelo entre essas entidades, revelando arquétipos universais de poder, dualidade e ascensão.

1. Associações Solares e Celestes:

Ambos Hórus e Abraxas possuem fortes conexões com o sol e o domínio celeste. Hórus, frequentemente representado como um falcão com o sol como um de seus olhos (ou ambos), personifica a luz, o poder real e a visão abrangente. Sua ligação com o céu é inegável, sendo o protetor da realeza e da ordem cósmica. De maneira similar, Abraxas é frequentemente descrito como tendo cabeça de galo (associado ao sol nascente), corpo humano e serpentes como pernas, simbolizando a totalidade cósmica e a abrangência dos reinos celestiais. Sua própria denominação, com a soma numérica de suas letras gregas totalizando 365, o associa aos ciclos solares e à totalidade do ano.

2. Natureza Dual e Complexa:

Ambas as figuras transcendem uma simples categorização de "bem" ou "mal". Hórus, apesar de ser o campeão da ordem contra o caos personificado por Set, também possui um lado guerreiro e vingativo. Sua jornada para reclamar o trono de seu pai envolve conflitos e confrontos. Abraxas, dentro do gnosticismo, é uma entidade ainda mais complexa, representando a união de opostos, o bem e o mal, a luz e a escuridão. Ele é visto como uma emanação do Pleroma, a totalidade divina, contendo em si a dualidade inerente à criação.

3. Simbolismo de Poder e Autoridade:

Hórus é inequivocamente um símbolo de poder régio e autoridade divina no Egito Antigo. Sua imagem adornava os artefatos reais e era fundamental para legitimar o governo dos faraós, que se consideravam seus herdeiros terrenos. Abraxas, dentro do contexto gnóstico, também representa um poder supremo, embora sua interpretação varie entre diferentes seitas. Ele é frequentemente visto como um arconte ou um eon de grande poder, governando esferas celestiais e possuindo um conhecimento arcano.

4. Conexão com a Ascensão e a Totalidade:

A figura de Hórus está intrinsecamente ligada à ideia de ascensão e restauração da ordem. Sua vitória sobre Set representa o triunfo da luz sobre as trevas e a renovação do equilíbrio cósmico. Abraxas, com sua representação híbrida e a soma numérica de seu nome, sugere uma totalidade que transcende as limitações do mundo material. Ele pode ser interpretado como um símbolo da jornada da alma em busca da gnose e da reunificação com o divino.

5. Presença em Contextos Místicos e Esotéricos:

Ambos Hórus e Abraxas não se limitam a seus contextos religiosos originais, permeando também tradições místicas e esotéricas posteriores. O Olho de Hórus, por exemplo, é um símbolo de proteção e poder amplamente utilizado em diversas práticas espirituais. Abraxas, com sua aura de mistério e poder, também encontrou espaço em sistemas ocultistas e mágicos ao longo da história.

Em suma, apesar de suas origens distintas, Hórus e Abraxas compartilham semelhanças significativas em seus atributos solares e celestes, sua natureza dual e complexa, seu simbolismo de poder e autoridade, sua conexão com a ascensão e a totalidade, e sua presença duradoura em contextos místicos. Essa convergência sugere a existência de arquétipos universais que ressoam através de diferentes culturas e épocas, refletindo a busca humana por compreender o poder, a dualidade e a ordem cósmica.



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