A ESPIONAGEM ILEGAL DA NSA CONTRA BRASIL, ÍNDIA, CHINA, RUSSIA

A NSA MONITORA AS COMUNICAÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA, RUSSIA, CHINA


Os 12 cidadãos acima são uma espécie de tribunal superior, instância última na guarda dos segredos do governo invisível dos EUA. É o Conselho de Inteligência dos EUA (USIB), que à época desta foto, no governo do presidente Richard Nixon, era presidido por William Colby, então Diretor Central de Inteligência (e da CIA) – o terceiro, a partir da esquerda. Para críticos do excesso de sigilo – como o National Security Archive (NSArchive), grupo privado que funciona na Universidade George Washington – o governo Obama tem de buscar transparência na prometida revisão dos exageros, que a dupla Bush-Cheney levou ao extremo.
LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA 


A NSA “monitora não só [as comunicações] do Brasil como também da Índia, potências que formam com a Rússia e China um grupo a que os Estados Unidos não pode se submeter nem controlar. E isso Washington, seja sob o governo de George W. Bush ou de Barak Obama, não aceita. Essa é a avaliação de Luiz Alberto de Vianna Moniz Moniz Bandeira, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor titular de História da Política Exterior do Brasil no Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB).
Moniz Moniz Bandeira, que ganhou o Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano em 2005, por sua obra Formação do Império Americano, destaca um aspecto da espionagem que se relaciona com a política externa dos EUA o fato de o país ter aperfeiçoado vários tipos de operações de guerra psicológica e paramilitares. “Elas jamais deveriam ser atribuídas à CIA ou ao governo dos Estados Unidos, e sim a outras pessoas ou organizações.
A técnica consistia essencialmente na ‘penetration’ em buscar aliados na oposição interna e nos meios militares, cooptá-los e financiá-los, visando a influenciar, por meios encobertos, sua política doméstica e sua política exterior”, explica.
Confira a íntegra da entrevista, concedida por e-mail, abaixo.
Fórum – Quando a espionagem ganhou maior importância para os EUA como um dos pilares da sua lógica de defesa e expansão imperialista?
Moniz Bandeira – O conhecimento do inimigo, da configuração do terreno e do tempo, bem como de outros fatores, sempre foi fundamental em todas as guerras, conforme ensinou o famoso general e estrategista chinês Sūnzǐ, conhecido como Sun Tzu (544 a.C). A espionagem, portanto, constitui um elemento essencial na história dos Estados Unidos, um país que em 235 anos de existência, desde a sua fundação, em 1776, esteve envolvido em 214 anos de guerra, com apenas 25 de paz. Durante a guerra da Independência (1775–1783), George Washington, em carta datada de 26 de julho de 1977, escreveu sobre a necessidade e urgência de coletar boa inteligência. Consta que seu primeiro espião profissional foi Thomas W. Knowlton (1740 –1776), que serviu como coronel dos rangers na Revolução Americana, com a tarefa de coletar inteligência. Morreu na batalha Harlem Heights (1776).
Com o desenvolvimento da tecnologia, os Estados Unidos, antes da II Guerra Mundial, estabeleceram eficiente sistema de captação e decifração de códigos, o Signal Intelligence Service (SIS), da Marinha, que executou a operação Magic. Em 1940, interceptou as mensagens de Tóquio e, quebrando e decifrando e código Purple, soube que o Japão começaria a guerra nos primeiros dias de dezembro de 1941. Diversas mensagens interceptadas pelo SIS e decodificadas pela Magic, nos dias 3, 4 e 5 de dezembro, indicaram inequivocamente o interesse do Japão na esquadra americana estacionada em Pearl Harbor. Não se obteve informação conclusiva de que o Japão atacaria Pearl Harbor em 7 de dezembro, mas havia indicações seguras de que algo significativo ocorreria, naquele dia, em torno das 13 horas de Washington, ou seja, em torno das 7h30 do Havaí. O ataque a essa base naval, portanto, não surpreendeu Washington. Mostro o que aconteceu no meu livro Formação do Império Americano.
Fórum – E depois?
Moniz Bandeira – Após o começo da Segunda Guerra Mundial, o presidente Franklin D. Roosevelt, em 13 de junho de 1942, criou o Office of Strategic Services (OSS) com o objetivo não apenas de coletar e analisar informações estratégicas, requeridas pelo Estado Maior Conjunto, mas também de realizar operações encobertas por trás do front inimigo, isto é, na Europa e na Ásia. Mas as atividades de inteligência na América Latina ainda continuaram com o FBI, enquanto o Exército e a Marinha reservavam suas áreas de responsabilidade. Agentes do OSS, em 1943, foram encarregados de treinar as tropas do Komintang na China e Burma, onde integrantes do Detachment 101 recrutaram os Kachins, tártaros ainda em estado selvagem, para a guerra contra o Japão.
Fórum – Quando a CIA foi criada? Moniz Bandeira – A CIA foi criada, em 1947 pelo governo do presidente Harry Truman, como sucessora do Office of Strategic Services (OSS), e também não se dedicou somente à coleta de inteligência. Ela desenvolveu principalmente a técnica da subversão, por meio de covert atctions, como instrumento de política exterior dos Estados Unidos. Aperfeiçoou vários tipos de operações de guerra psicológica e paramilitares. Elas jamais deveriam ser atribuídas à CIA ou ao governo dos Estados Unidos, e sim a outras pessoas ou organizações. A técnica consistia essencialmente na “penetration”, em buscar aliados na oposição interna e nos meios militares, cooptá-los e financiá-los, visando a influenciar, por meios encobertos, sua política doméstica e sua política exterior. A regra mais importante na sua execução era a possibilidade de “plausible denial”, ou seja, negar convincentemente a responsabilidade e a cumplicidade dos Estados Unidos com o golpe de Estado, ou qualquer operação terrorista, a fim de evitar consequências no campo diplomático. A plausible deniability, usada para evitar que acusassem os Estados Unidos de intromissão nos assuntos internos de outros países, tornou-se uma característica essencial de sua diplomacia, confirmando in fragantio que os alemães consideravam a Heuchelei (hipocrisia) nas virtudes americanas.
Fórum – A hipocrisia é uma constante na política exterior dos Estados Unidos? Moniz Bandeira – Sim. Haja visto a questão das armas químicas, armada como pretexto para invadir a Síria e promover a mudança do regime. Durante a guerra no Vietnã, os Estados Unidos empreenderam e ampliaram a guerra química e bacteriológica, iniciada com a Operation Ranch Hand, depois denominada Research and Development (RD), em 1961, quando dois aviões C-123 realizaram seis sortidas, espargindo um total de 50 mil galões de herbicida e desfolhantes químicos no Vietnã do Sul. Essas substâncias químicas para defoliation não apenas destruíam a folhagem das árvores, a vegetação, o solo e o meio ambiente como causavam envenenamento da população . Também não se pode esquecer as terríveis bombas da napalm lançadas, entre 1965 e 1972, no Vitenã e Camboja pela Força Aérea dos Estados Unidos. Essa substância – napalm – é a mistura de plástico polistireno, benzina e gasolina, formando uma espécie de geleia, que, quando acendida, ferve até 212°F e eleva a a temperatura de 1.500°F a 2.200°F, afixada no corpo da vítima. O Agente Laranja foi outra arma química usada pelos Estados Unidos, a qual, segundo a Cruz Vermelha do Vietnã, causou 4,8 milhões de mortes e o nascimento de cerca de 400 mil crianças com defeitos.
Fórum – Que tipo de papel a CIA passou a ter, com a sua criação, para os interesses dos EUA no exterior? Moniz Bandeira – A diretriz NSC 10/2, de 18 de junho de 1948, ampliou atividades clandestinas da CIA, além de promover covert action e guerra psicológica, e a incumbiu de realizar propaganda, guerra econômica, ações preventivas diretas, incluindo sabotagem, demolição, medidas de evacuação, subversão contra governos hostis, inclusive assistência aos movimentos de resistência, guerrilhas, bem como apoio aos elementos anticomunistas nos países do “Mundo LIvre”. Assim, nos anos subsequentes, os Estados Unidos construíram gigantesca máquina de inteligência e de guerra. A “segurança nacional” tornou-se a justificativa para imensos gastos com defesa, operações encobertas, e a CIA converteu-se mais e mais em uma força paramilitar, além de suas funções de espionagem e coleta de inteligência. Durante a Guerra Fria, ela e o Pentágono adquiriram enorme relevância, quiçá maior do que o Departamento de Estado, na política exterior dos Estados Unidos. Encorajou e patrocinou tanto golpes militares quanto assassinatos, sabotagens e as mais diversas atividades terroristas, visando à mudança de governos (regime change) e à consecução dos objetivos táticos e estratégicos dos Estados Unidos. Em 1963, o ex-presidente Harry Truman, que a criara, percebeu que a CIA se tornara um monstro, “a policy-making arm of the Government”[um braço de elaboração de políticas do governo], não escondeu que ficava perturbado ao ver que ela se tornara “a symbol of sinister and mysterious foreign intrigue – and a subject for cold war enemy propaganda” [um símbolo da sinistra e misteriosa intriga estrangeira – e um tema para a propaganda inimiga na Guerra Fria], e declarou que nunca havia pensado que ela seria injetada “into peacetime cloak and dagger operations” [em operações secretas e covardes em tempos de paz].
Fórum – Após o término da Guerra Fria, um dos principais argumentos para a espionagem norte-americana acabou esvaziado. Como se justificou a manutenção de um orçamento quase que ilimitado para seu serviço de inteligência e espionagem? Moniz Bandeira – Os Estados Unidos, no governo do presidente Jimmy Carter (1977-1981), encorajaram o ressurgimento do fundamentalismo islâmico, com o objetivo de desestabilizar a União Soviética a partir das Repúblicas muçulmanas da Ásia Central, e formar um green belt, um cinturão islâmico, com a colaboração do Paquistão e da Arábia Saudita, para promover aJihad [guerra santa] contra os “comunistas ateus” no Afeganistão. E o terrorismo entrou na agenda do presidente Ronald Rea­gan (1981-1989) como a nova ameaça a enfrentar. A questão, entretanto, não era nova. Nas décadas de 1960 e 1970, tanto a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) quanto a Frente de Libertação Nacional (FLN), da Argélia, e a Frente de Libertação da Eritreia (FLE) recorreram a esse método de luta, sem que se configurasse ameaça internacional.
Foram a CIA e o Inter-Services Intelligence (ISI) do Paquistão e o Ri’āsat Al-Istikhbārāt Al-’Āmah, serviço de inteligência da Arábia Saudita, que institucionalizaram o terrorismo em larga escala, com o estabelecimento de campos de treinamento no Afeganistão, a fim de combater as tropas da União Soviética (1979-1989), fornecendo aos mujahidin [aquele que se empenha na luta ou “guerreiro santo”] toda sorte de recursos e sofisticados petrechos bélicos – de 300 a 500 mísseis antiaéreos Stinger, dos Estados Unidos. O próprio general Pervez Musharraf, ex-ditador do Paquistão, confessou em suas memórias que os Estados Unidos, o Paquistão e a Arábia Saudita foram os que se aliaram na Jihad do Afeganistão e criaram “our own Frankenstein’s monster”. A CIA forneceu em torno de US$ 3,3 bilhões, dos quais pelos menos a metade proveio do governo da Arábia Saudita. Os EUA necessitam sempre criar ameaças, a fim de justificar a demanda de novos armamentos, de alimentar com recursos financeiros o complexo industrial-militar, sustentáculo de sua economia. Nos últimos anos, nenhum setor econômico cresceu tanto quanto a indústria de armamentos, daí o afã doentio pelas guerras, não apenas do presidente George W. Bush, mas também do Prêmio Nobel da Paz, o presidente Barack Obama, cujos gastos militares, da ordem de US$ 685,3 bilhões em 2012, ainda foram 69% mais altos em termos reais do que em 2001, quando começou a “war on terror”, no Afeganistão, e em 2013, com a invasão do Iraque.
Fórum – Empresas dos Estados Unidos? Moniz Bandeira – Sim. Das cem maiores empresas de armamentos e equipamentos bélicos que mais ganharam com os gastos de guerra, segundo o Instituto de Investigação da Paz, de Estocolmo (Sipri), 47 são dos Estados Unidos. Elas monopolizaram 60% das vendas totais de armamento produzido pelas cem maiores, e daí a correlação entre o gasto militar e engravescimento da dívida pública dos Estados Unidos.
Fórum – Qual o papel da NSA?
Moniz Bandeira – Por volta de 1924, com o progresso tecnológico, a Marinha dos Estados estabeleceu postos de communications intelligence [COMINT], e electronic intelligence [ELINT] entre a China e Oahu, no arquipélago de Havai, para a captação das comunicações eletrônicas do Japão. Esse sistema desenvolveu-se e estendeu-se entre as duas guerras mundiais. E a National Security Agency foi formalmente instituída, em memorândum do presidente Harry Truman, em 24 de outubro de 1952, substituindo a Armed Forces Security Agency (AFSA), criada em maio de 1949, no âmbito do Ministério da Defesa. A Guerra Fria estava no auge e, ao contrário da CIA e da DIA (Defense Intelligence Agency), do Exército, agências encarragadas de humint(human intelligence), a função da NSA, também na jurisdição, era a de Sigint, isto é, a de captar e decifrar comunicações eletrônicas e de inteligência e reparti-las com o Departamento de Estado, a CIA e o FBI. Desde o fim dos anos 1960, porém, a coleta de inteligência econômica e informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico dos demais países tornou-se crescentemente um dos mais importantes objetivos da Comint , operado pela National Security Agency (NSA), dos Estados Unidos, e pelo Government Communications Headquarters (GCHQ), da Grã-Bretanha, que em 1948 haviam firmado um pacto secreto, conhecido como UKUSA (UK-USA) – Signals Intelligence (Sigint), formando um pool para interceptação de mensagens da União Soviética e demais países do Bloco Socialista.
Fórum – E por que a NSA monitora as comunicacões de outros países? Moniz Bandeira – Monitora não só do Brasil como também da Índia, potências que formam com a Rússia e China um grupo a que os Estados Unidos não podem submeter nem controlar. E isso Washington, seja sob o governo de George W. Bush ou de Barak Obama, não aceita. Conforme estabelecido, em 1992, o general Colin Powell, então chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, a dimensão estratégica dos Estados Unidos, com a dissolução da União Soviética, devia ser a full-fledged dominance, de modo a preservar sua “credible capability” de enfrentar qualquer potencial adversário que viesse a competir militarmente e, implicitamente, no mercado mundial. De fato, entretanto, os Estados Unidos sempre perceberam como adversário qualquer país que não obedecesse às suas diretrizes. E o Brasil voltou a inserir-se em tal categoria, desde que retomou uma política soberana e começou a projetar-se não só como potência econômica, mas também começando a projetar-se politicamente além da esfera regional.
Fórum – Que significa a full-fledged dominanceMoniz Bandeira – A full-fledged dominance implica, virtualmente, o fim da pluralidade dos Estados nacionais, tanto no Oriente como no Ocidente, e a consolidação do princípio de que a soberania nacional é contingente e condicional, não o privilégio de qualquer Estado. Isso significa que o Império Americano pretende legitimar o monopólio da violência organizada, acabar com a ONU, uma  vez que, com o poder de veto, a Rússia e a China se opõemmuitas vezes aos seus desígnios, como no caso da Síria, e assumir um poder incapaz de respeitar a vida humana, resultante de uma cultura trágica, formada ao longo de mais de dois séculos de guerras, isto é, de 214 anos de conflitos bélicos de high e low-intensity (apenas 21 de paz). No discurso pronunciado na abertura da 68a Assembleia Geral da ONU, o presidente Obama, evidenciando a mentalidade totalitária de que está imbuído, declarou que, se o Conselho de Segurança não fosse capaz de concordar com uma resolução, ameaçando a Síria, caso não abandonasse seu arsenal químico (o que o presidente Bashar al-Assad começou a fazer), mostraria que a ONU é incapaz de fazer valer as mais básicas leis internacionais. O presidente George W. Bush obedeceu à ONU quando invadiu o Iraque em 2003? O presidente Barak Obama respeitou a Resolução do Conselho de Segurança quando levou a Otan a bombardear a Líbia? Não. E, no mesmo discurso, insistiu na doutrina de que os Estados Unidos desempenham um papel “excepcional” e que, se deixassem de fazê-lo, criaria um “vácuo de liderança, que nenhuma outra nação estaria pronta para preenchê-lo”. Não seria exagero comparar essa crença no “excepcionalismo” dos Estados Unidos, como “nação indispensável”, com a teoria da raça superior que Adolf Hitler defendeu para os alemães. F
FONTES
Por LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA 

Luiz Alberto Moniz Bandeira é doutor em ciência política, professor titular de História da Política Exterior do Brasil, na Universidade de Brasília (aposentado) , e autor de mais de vinte obras, entre as quais O Governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil (1961-1964), cuja 7ª. Edição revista e ampliada, lançada pela Editora Revan em 2001, Brasil, Argentina e Estados Unidos: Conflito e integração na América do Sul (Da Tríplice Aliança ao Mercosul), e De Marti a Fidel: a revolução cubana e a América Latina.

Edição 127 da revista Fórum.

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